terça-feira, maio 31, 2005

A dentada e a madureza



"A mulher não é um predador, pelo contrário, é a presa que faz uma emboscada ao seu predador."
ortega y gasset



Soltos de imensidão



Os anos, Elza, já não gravam nada,
porque gravamos nós o tempo todo.
O teu cuidar, faz-me animar o fogo
e cada dia em nós, jamais se apaga.

Provados somos e o provar é um gomo

desta romã partida pelas águas.
Somos o fruto, somos a dentada
e a madureza de ir no mesmo sonho.

Os anos, Elza, não consertam mágoas,
mas as mágoas não correm, se corremos.
Não encanece a luz, onde são remos

da limpa madrugada, os nossos corpos.
Amamos. No existir estamos soltos,
soltos de imensidão entre as palavras.


carlos nejar


pindaro

Desenhos de andar



“Há quatro coisas maiores que todas as outras: mulheres e cavalos, poder e guerra.”
Rudyard Kipling




Aqui está minha vida.
Esta areia tão clara com desenhos de andar dedicados ao vento.
Aqui está minha voz,
esta concha vazia, sombra de som
curtindo seu próprio lamento
Aqui está minha dor,
este coral quebrado,
sobrevivendo ao seu patético momento.
Aqui está minha herança,
este mar solitário
que de um lado era amor e, de outro,
esquecimento.



cecília meireles


pindaro

segunda-feira, maio 30, 2005

Cristal de esa memoria

Everness


Sólo una cosa no hay. Es el olvido.

Dios, que salva el metal, salva la escoria


Y cifra en Su profética memoria


Las lunas que serán y las que han sido.


Ya todo está. Los miles de reflejos

Que entre los dos crepúsculos del día


Tu rostro fue dejando en los espejos


Y los que irá dejando todavía.


Y todo es una parte del diverso


Cristal de esa memoria, el universo;


No tienen fin sus arduos corredores

Y las puertas se cierran a tu paso;


Sólo del otro lado del ocaso

Verás los Arquetipos y Esplendores.




jorge luis borges


pindaro

Ángel caído

Mar

El mar es el Lucifer del azul. El cielo caído por querer ser la luz.
Pobre mar condenado a eterno movimiento habiendo antes estado quieto en el firmamento! Pero de tu amargura te redimió el amor.
Pariste a Venus pura, y quedóse tu hondura virgen y sin dolor.
Tus tristezas son bellas, mar de espasmos gloriosos.
Mas hoy en vez de estrellas tienes pulpos verdosos.
Aguanta tu sufrir, formidable Satán.
Cristo anduvo por ti, mas también lo hizo Pan.
La estrella Venus es la armonía del mundo. Calle el Eclesiastés!
Venus es lo profundo del alma...
Y el hombre miserable es un ángel caído.
La tierra es el probable paraíso perdido.


Frederico Garcia Lorca


pindaro

Alma velha


Me Dijo Una Tarde

Me disse uma tarde
da Primavera:
Se buscas caminhos
em flor pela terra,
mata tuas palavras,
ouve tua alma velha.
Que o mesmo alvo linho
que te vista seja
teu traje de luto,
teu traje de festa.
Ama tua alegria,
ama tua tristeza,
se buscas caminhos
em flor pela terra.
Respondi à tarde
da Primavera:
Disseste o segredo
que em minha alma reza:
odeio a alegria
por ódio às penas.
Mas antes que pise
tua florida senda,
quisera trazer-te
morta minha alma velha.


antónio machado

pindaro

domingo, maio 29, 2005

Fermoso Tejo meu



Fermoso Tejo meu, quão diferente
Te vejo e vi, me vês agora e viste:
Turvo te vejo a ti, tu a mim triste,
Claro te vi eu já, tu a mim contente.

A ti foi-te trocando a grossa enchente
A quem teu largo campo não resiste;
A mim trocou-me a vista em que consiste
O meu viver contente ou descontente!

Já que somos no mal participantes,
Sejamo-lo no bem. Oh, quem me dera
Que fôramos em tudo semelhantes!

Mas lá virá a fresca Primavera:
Tu tornarás a ser quem eras dantes,
Eu não sei se serei quem dantes era.


francisco roíz lobo


pindaro

Justeza emocional




"Los verdaderos poemas del « cante jondo » no son de nadie, están flotando en el viento como vilanos de oro..."
f.g.l.



El cante jondo (primitivo canto andaluz)


« ...en el año 1400 de nuestra Era, las tribus gitanas, perseguidas por los cien mil ginetes del Gran Tamerlán, huyeron de la India.

Veinte años más tarde, estas tribus aparecen en diferentes pueblos de Europa y entran en España con los ejércitos sarracenos, que desde la Arabia y Egipto desembarcaban periódicamente en nuestras costas.

Y estas gentes, llegando a nuestra Andalucía, unieron los viejísimos elementos nativos con el viejísimo que ellos traían y dieron las definitivas formas a lo que hoy llamamos « cante jondo ».

A ellos debemos, pues, la creación de estos cantos, alma de nuestra alma; a ellos debemos la construcción de estos cauces líricos por donde se escapan todos los dolores y los gestos rituarios de la raza.

Una de las maravillas del « cante jondo », aparte de la esencial melódica, consiste en los poemas.

Todos los poetas (...) quedamos asombrados ante dichos versos.

Las más infinitas gradaciones del Dolor y la Pena, puestas al servicio de la expresión más pura y exacta, laten en los tercetos y cuartetos de la « seguiriya » y sus derivados.

No hay nada, absolutamente nada, igual en toda españa, ni en estilización, ni en ambiente, ni en justeza emocional.

(...) Causa extrañeza cómo el anónimo poeta del pueblo extracta en tres o cuatro versos toda la rara complejidad de los más altos momentos sentimentales de la vida del hombre. »


frederico garcia lorca
(Fevereiro 1922)

pindaro

Volitivas



Marinha



Na praia de coisas brancas

Abrem-se às ondas cativas
Conchas brancas, coxas brancas
Águas-vivas.

Aos mergulhares do bando

Afloram perspectivas
Redondas, se aglutinando
Volitivas.

E as ondas de pontas roxas
Vão e vêm, verdes e esquivas
Vagabundas, como frouxas
Entre vivas!



vinicius de moraes

pindaro

sábado, maio 28, 2005

Mais asinha


Apartaram-se os meus olhos



Tratam-me com cautela
Por me enganar mais asinha;
Dei-lhe posse da alma minha,
Foram-me fugir com ela.
Não há vê-los, nem há vê-la,
De mim tão longe.
Falsos amores,
Falsos, maus, enganadores!

Entreguei-lhe a liberdade
E, enfim, da vida o melhor.
Foram-se e do desamor
Fizeram necessidade.
Quem teve a sua vontade
De mim tão longe?
Falsos amores,
E tão cruéis matadores!

Não se pôs terra nem mar
Entre nós, que foram em vão,
Pôs-se vossa condição
Que tão doce é de passar.
Só ela vos quis levar
De mim tão longe!
Falsos amores
- E oxalá que enganadores!


luis vaz de camões


pindaro

Pressupondo


Os teus olhos



Os teus olhos
exigindo
ser bebidos

Os teus ombros
reclamando
nenhum manto

Os teus seios
pressupondo
tantos pomos

O teu ventre
recolhendo
o relâmpago


david mourão ferreira


pindaro

Larga boca de fruta



Os teus pés


Quando não posso contemplar teu rosto,
contemplo os teus pés.
Teus pés de osso arqueado,
teus pequenos pés duros.
Eu sei que te sustentam
e que teu doce peso
sobre eles se ergue.
Tua cintura e teus seios,
a duplicada purpura
dos teus mamilos,
a caixa dos teus olhos
que há pouco levantaram voo,
a larga boca de fruta,
tua rubra cabeleira,
pequena torre minha.
Mas se amo os teus pés
é só porque andaram
sobre a terra e sobre
o vento e sobre a água,
até me encontrarem.


pablo neruda


pindaro

sexta-feira, maio 27, 2005

Vício de ostras


Cosmocópula



I
Membro a pino
dia é macho
submarino
é entre coxas
teu mergulho
vício de ostras

II

O corpo é praia a boca é a nascente
e é na vulva que a areia é mais sedenta
poro a poro vou sendo o curso da água
da tua língua demasiada e lenta
dentes e unhas rebentam como pinhas
de carnívoras plantas te é meu ventrea
bro-te as coxas e deixo-te crescer
duro e cheiroso como o aloendro.


natalia correia


pindaro

E nos recantos

Beijo


Um beijo em lábios é que se demora
e tremem no de abrir-se a dentes línguas
tão penetrantes quanto línguas podem.
Mas beijo é mais. É boca aberta hiante
para de encher-se ao que se mova nela.
E dentes se apertando delicados.
É língua que na boca se agitando
irá de um corpo inteiro descobrir o gosto
e sobretudo o que se oculta em sombras
e nos recantos em cabelos vive.
É beijo tudo o que de lábios seja
quanto de lábios se deseja.

jorge de sena

pindaro



No breve espaço

O mundo é grande



O mundo é grande e cabe
nesta janela sobre o mar.
O mar é grande e cabe
na cama e no colchão de amar.
O amor é grande e cabe
no breve espaço de beijar.


carlos drummond de andrade


pindaro

quinta-feira, maio 26, 2005

Coitos e acertos


E por que haverias de querer minha alma
Na tua cama?


Disse palavras líquidas, deleitosas, ásperas

Obscenas, porque era assim que gostávamos.

Mas não menti gozo prazer lascívia

Nem omiti que a alma está além, buscando
Aquele Outro. E te repito: por que haverias
De querer minha alma na tua cama?


Jubila-te da memória de coitos e de acertos.

Ou tenta-me de novo. Obriga-me.



Hilda Hist
(Do Desejo - 1992)


pindaro

A queimar de beijos

"... a queimar de beijos..."
jr



O fado nasceu num dia
Em que o vento mal bulia
E o céu o mar prolongava,
Na amurada dum veleiro,
No peito dum marinheiro
Que estando triste, cantava

[...]


jose régio


pindaro

O princípio do aprendizado

"Deus é existirmos e isto não ser tudo"
bernardo soares (livro do desassossego)



"A humildade é o princípio do aprendizado, e sobre ela, muita coisa tendo sido escrita, as três seguintes, de modo principal, dizem respeito ao estudante.

A primeira é que não tenha como vil nenhuma ciência e nenhuma escritura.

A segunda é que não se envergonhe de aprender de ninguém.

A terceira é que, quando tiver alcançado a ciência, não despreze aos demais.

Muitos se enganaram por quererem parecer sábios antes do tempo, pois com isto envergonharam-se de aprender dos demais o que ignoravam.

Tu, porém meu filho, aprende de todos de boa vontade aquilo que desconheces.

Serás mais sábio do que todos, se quiseres aprender de todos.

Nenhuma ciência, portanto, tenhas como vil, porque toda ciência é boa. Nenhuma Escritura, ou pelo menos, nenhuma Lei desprezes, se estiver à disposição.

Se nada lucrares, também nada terás perdido.

Diz, de facto, o Apóstolo: “Omnia legentes, quae bona sunt tenentes”

O bom estudante deve ser humilde e manso, inteiramente alheio aos cuidados do mundo e às tentações dos prazeres, e solícito em aprender de boa vontade de todos.

Nunca presuma de sua ciência; não queira parecer douto, mas sê-lo; busque os ditos dos sábios, e procure ardentemente ter sempre os seus vultos diante dos olhos da mente, como um espelho."



hugo de são vitor

pindaro

De que servem benzeduras?




"É uma tradição veneranda; e quem descrê das tradições, irá para onde o pague."
A.H.




"D. Diogo Lopes era um infatigável monteiro: neves da serra no inverno, sóis de estivas no verão, noites e madrugadas, disso se ria ele.

Pela manha cedo de um dia sereno, estava D. Diogo em sua armada, em monte selvoso e agreste, esperando um porco montês, que, batido pelos caçadores, devia sair naquela assomada.

Eis senão quando começa a ouvir cantar ao longe: era um lindo, lindo cantar.

Alevantou os olhos para uma penha que lhe ficava fronteira: sobre ela estava assentada uma formosa dana, era a dama quem cantava.

O porco fica desta vez livre e quite; porque D. Diogo Lopes não corre, voa para o penhasco.

“Quem sois vós, senhora tão gentil; quem sois, que logo me cativastes?”

“Sou de tão alta linhagem como tu; porque venho do semel de reis, como tu, senhor de Biscaia.”

“Se já sabes quem eu seja, ofereço a minha mão, e com ela as minhas terras e vassalos.”

“Guarda as tuas terras, D. Diogo Lopes, que poucas são para seguires tuas montarias; para o desporto e folgança de bom cavaleiro que és. Guarda os teus vassalos, senhor de Biscaia, que poucos são eles para te baterem a caça.”

“Que dote, pois, gentil dama, vos posso eu oferecer digno de vós e de mim que se a vossa beleza é divina, eu sou em toda a Espanha o rico-homem mais abastado?”


“Rico-homem, rico-homem, o que eu te aceitara em arras coisa é de pouca valia; mas apesar disso, não creio que m´o concedas, porque é um legado de tua mãe.”

“E se eu te amasse mais que a minha mãe, porque não te cederia qualquer dos seus muitos legados?”
“Então se queres ver-me sempre ao pé de ti, não jures que farás o que dizes, mas dá-me disso a tua palavra.”


“A lá fé de cavaleiro, não darei uma; darei milhentas palavras.”
“Pois sabe que para eu ser tua é preciso esquecer-te de uma coisa que a boa rica-dona te ensinava em pequenino e que, estando para morrer, ainda te recordava.


“De que, de que, donzela? — acudiu o cavaleiro com os olhos flamejantes. — De nunca dar tréguas a mourisma, nem perdoar aos cães de Mafamede? Sou bom cristão.”

“Não é isso, D. Cavaleiro — interrompeu a donzela a rir. — O de que eu quero que te esqueças é do sinal da cruz: o que quero que me prometas é que nunca mais hás de persignar-te.”

“Isso agora é outra coisa” — respondeu D. Diogo, que nos folgares e devassidões perdera o caminho do céu. E se pôs a cismar. E cismando, dizia consigo: — “De que servem benzeduras?


Matarei mais duzentos mouros e darei uma herdade a Santiago. Ela por ela. Um presente ao apóstolo e duzentas cabeças de cães de Mafamede valem bem um grosso pecado.”

E, erguendo os olhos para a dama, que sorria com ternura, exclamou: “Seja assim: está dito. Vá, com seiscentos diabos.”

E, levando a bela dama nos braços, cavalgou na mula em que viera montado.


Só quando à noite, em seu castelo, pôde considerar miudamente as formas nuas da airosa dama, notou que tinha os pés forcados como os de cabra."



alexandre herculano
(a dama do pé de cabra)


pindaro

Um certo acto de tipo espiritual





"O diverso e o inesperado, o antagónico é que são a pedra de toque dum acto de entendimento"
miguel torga




"Creio que, se há um elemento protagonista do que chamamos civilização, é o erotismo.

Porque o erotismo só existe em sociedades que alcançaram um alto nível de civilização.

Quanto mais primitiva uma sociedade, menos erótica ela é.

O amor numa sociedade primitiva está muito próximo da cópula animal, da satisfação do instinto reprodutor, enquanto nas sociedades que chamamos civilizadas o amor foi se enriquecendo, refinando e humanizando graças à imaginação e às formas rituais, a uma certa teatralidade.

O erotismo não está de modo algum subordinado à reprodução, que seria o aspecto utilitário do amor.

O erotismo faz do amor um fim em si mesmo, não um meio para prolongar a espécie.
E justifica o prazer em termos que poderíamos chamar não somente hedonistas, mas também artísticos.

Admiro muito Bataille, mas sua descrição do erotismo sempre me pareceu um pouco lúgubre. Ele elimina do erotismo um aspecto fundamental: o regozijo, o humor, a diversão.

O erotismo expressa a individualidade em estado puro.

Em tudo o mais, talvez, os seres humanos podem ser parecidos.
Na hora de fazer amor, cada um expressa as suas próprias fantasias, a sua experiência mais pessoal, a sua criatividade.

A pornografia é o genérico. É aquela actividade que soterra o erotismo utilizando produtos manufacturados impostos à sociedade por meio da publicidade, quer dizer, por meio de uma forma de alienação colectiva.
Talvez a pior consequência da pornografia seja o facto de que ela desindividualiza o amor.

O erotismo exige um certo padrão estético, um nível de criatividade elevado, uma certa cultura.

Não há erotismo sem cultura. O erotismo é incompatível com a ignorância, com a vida primitiva.

Requer um grau de refinamento elevado e requer, além disso, uma certa espiritualidade investida na ação amorosa.

Não se trata somente de satisfazer uma necessidade física. Trata-se também de realizar um certo acto de tipo espiritual."


mario vargas llosa


pindaro

Indefinido magnetismo



"A arte de regular as maneiras por meio de uma combinação feita entre a nossa organização e a nossa vontade é uma das mais importantes coisas que se devem conhecer.


Há homens que, sem plausivelmente sabermos porquê, alcançam tudo quanto querem nas pretensões do Estado, nas transacções comerciais, nas atenções das salas.

Emerson, o célebre escritor americano, observando que os indivíduos que mais frequentemente obtêm esses triunfos não são os mais inteligentes, nem os mais belos, nem os mais honrados, averigua com muita lógica que o sucesso das nossas aspirações na sociedade depende principalmente do nosso porte.

Por tal razão, Emerson define as maneiras - talento de dominar.

No modo como nós nos vestimos, como falamos, como olhamos, como nos movemos, há efectivamente uma espécie de indefinido magnetismo a cuja influência não pode furtar-se quem se lhe sujeita."




Ramalho Ortigão
As farpas- tomo VIII- Junho de 1871


pindaro

quarta-feira, maio 25, 2005

Que polpuda que és



Que polpuda que és
quando
ao bosque

arrimam
os tangos de verão


que riçam a penugem
e
rasam as marés
das fomes e das sedes

com os adornos
do sumo




solino

terça-feira, maio 24, 2005

Às flores cá do prédio

“ De cruzes e anseios se fazem as mareações”




Tant que le ciel à l'étoile ouvrira son écrin de satin
Je t'aimerai

Tant que la fleur à l'abeille offrira le parfum du matin
Je t'aimerai

Je t'aimerai le long des jours, le long des nuits
Certain de mon cœur et de sa folie

Et malgré tout, malgré le temps, malgré l'ennui
Je saurai t'offrir des heures jolies

Tant que mon cœur frémira au seul bruit de ton pas si léger
Je t'aimerai

Tant que ces mots garderont leur ferveur, rien ne pourra changer
Je t'aimerai

Ainsi jadis le poète
Déclarait sa passion à genoux,

Mais aujourd'hui le poète
A trouvé d'autres rythmes plus fous

Tant qu'un oiseau chantera son amour aux joyeux horizons
Je t'aimerai

Tant qu'un ruisseau prêtera ses eaux claires aux moulins du vallon
Je t'aimerai

Je t'aimerai les mois d'avril, les mois de mai
Cueillant du bonheur pour toute l'année

Et quand viendront les soirs d'hiver je te promets
Que bien d'autres joies nous seront données

Tant qu'un chemin conduira nos deux cœurs aux mêmes lendemains
Je t'aimerai

Tant que ma main sentira la fidèle douceur de ta main
Je t'aimerai Je t'aimerai Je t'aimerai




(Hubert Ithier)

SOLINO

domingo, maio 22, 2005

Manipulação da espiral





“Freedom isn´t knowing your limits,
but realizing you have none.”




“Influência da espiral:
John Arnold foi o primeiro fabricante de relógios de bolso de precisão.
Descobriu o método de manipulação da espiral, reduzindo, assim, as imprecisões derivadas das várias amplitudes do balanço.”


george daniels
(La montre: príncipes et méthodes de fabrication)

pindaro

sábado, maio 21, 2005

Pela densidade folhuda do parreiral





A ramada suspensa em esteios de pedra formava o enfolhado docel do tanque.

Pendiam já dourados os enormes cachos de ferral.

Alguma folha escarlate, outra amarelecida pelo queimar do sol, realçavam, variegando as cores, a abóbada afestoada.

Nos rebordos da bica rústica por onde a água derivava, grogolejando nas algas, verdejavam vegetações filamentosas pendentes como meadas de esmeraldas, e miniaturas de relvedos, onde os insectos se pousavam n'um ruflar deleitoso de asas, no regalo da frescura, oscilando as antenas.

Duas galinhas com as suas ninhadas esgaravatavam na leiva húmida, a cacarejarem a cada grânulo ou insecto que bicavam, e deixavam cair e retomavam de novo, com umas negaças, para ensinar os pintainhos que se disputavam a posse do cibato em corrimaças impetuosas azoratadas.

De vez em quando, à tona d'água, rente com o combro de cantaria afofado de musgos verdes, emergia a cabeça glauca de uma rã que pinchava para a alfombra, coaxava o seu diálogo interrompido com outra rã do beiral fronteiro, e ambas a um tempo, mergulhavam de pincho, quando Cacilda batia a roupa na pedra esconsa do lavadouro.

Estava o sol a pino; mas pela densidade folhuda do parreiral apenas coavam umas lucilações a laminarem tremulamente a água ondulosa e escumada de sabão.



camilo castelo branco
(cacilda)

Dos tempos que já lá vão

A breve distância da vila de Barcelos, nas faldas da Franqueira, alveja ao longe um convento de Franciscanos.

Aprazível é o sítio, sombreado de velhas árvores.

Sentem-se ali o murmurar das águas e a bafagem suave do vento, harmonia da natureza, que quebra o silencio daquela solidão, a qual, para nos servirmos de uma expressão de Fr. Bernardo de Brito, com a saudade de seus horizontes parece encaminhar e chamar o espírito à contemplação das coisas celestes.

O monte que se alevanta acima do humilde convento é formoso, mas áspero e severo, como quase todos os montes do Minho.

Da sua coroa descobre-se ao longe o mar, semelhante a mancha azul entornada na face da terra.

O espectador colocado no cimo daquela eminência volta-se para um e outro lado, e as povoações e os rios, os prados e as fragas, os soutos e os pinhais apresentam-lhe o panorama variadíssimo que se descobre de qualquer ponto elevado da província de Entre Douro e Minho.

Este monte, ora ermo, silencioso e esquecido, já se viu regado de sangue; já sobre ele se ouviram gritos de combatentes, ânsias de moribundos, estridor de habitações incendiadas, sibilar de setas e estrondo de máquinas de guerra.

Claros sinais de que aí viveram homens: porque é com estas balizas que eles costumam deixar assinalados os sítios que escolheram para habitar na terra.

O castelo de Faria, com suas torres e ameias, com a sua barbacã e fosso, com seus postigos e alçapões ferrados, campeou aí como dominador dos vales vizinhos.

Castelo real da Idade Média, a sua origem some-se nas trevas dos tempos que já lá vão há muito; mas a febre lenta que costuma devorar os gigantes de mármore e de granito, o tempo, coou-lhe pelos membros, e o antigo alcácer das eras dos reis de Leão desmoronou-se e caiu.

Ainda no século dezassete parte da sua ossada estava dispersa por aquelas encostas; no século seguinte já nenhuns vestígios dele restavam, segundo o testemunho de um historiador nosso. Um cemitério, fundado pelo célebre Egas Moniz, era o único eco do passado que aí restava.

Na ermida servia de altar uma pedra trazida de Ceuta pelo primeiro duque de Bragança, D. Afonso.

Era esta lájea a mesa em que costumava comer Salat-Ibn-Salat, último senhor de Ceuta.

D. Afonso, que seguira seu pai D. João I na conquista daquela cidade, trouxe esta pedra entre os despojos que lhe pertenceram, levando-a consigo para a vila de Barcelos, cujo conde era.

De mesa de banquetes mouriscos converteu-se essa pedra em ara do Cristianismo. Se ainda existe, quem sabe qual será o seu futuro destino?



alexandre herculano
(O alcaide do castelo de faria-Lendas e narrativas)


pindaro

Ourivesaria dos ensaios



"Mas a exposição feita por Borges em um francês polido, fantasiando por que alguns criadores se tornam símbolos de uma cultura - Dante, da italiana; Cervantes, da espanhola; Goethe, da alemã - e sobre como Shakespeare se eclipsou para que seus personagens fossem mais nítidos e livres, seduziu por sua originalidade e sutileza."
mvl




"(...)
Para encontrar outro prosador tão inteligente como ele é preciso retroceder até Quevedo, escritor que Borges amou e do qual fez uma preciosa antologia comentada.

Pois bem, na prosa de Borges, por excesso de razão e de idéias, de contenção intelectual, há, também, como na de Quevedo, algo de desumano.

É uma prosa que lhe serviu maravilhosamente para escrever seus fulgurantes relatos fantásticos, a ourivesaria de seus ensaios que transmutavam em literatura toda a existência, e seus poemas arrazoados.

Mas com sua prosa seria tão impossível escrever novelas como com a de T.S. Elliot, outro extraordinário estilista cujo excesso de inteligência também entremeou sua percepção da vida.

Porque a novela é o território da experiência humana totalizada, da vida integral, da imperfeição.

Nela se mesclam o intelecto e as paixões, o conhecimento e o instinto, a sensação e a intuição, a matéria desigual e poliédrica, que as idéias, por si sós, não bastam para expressar.

Por isso, os grandes novelistas nunca são prosadores perfeitos. Esta é, sem dúvida, a razão da antipatia pertinaz que Borges sentia pelo gênero novelesco, que definiu, em outra de suas frases célebres, como "desvario laborioso e empobrecedor".

As brincadeiras e o humor sempre rondaram seus textos e suas declarações e causaram inúmeros mal-entendidos.

Quem carece de senso de humor não entende Borges.

Ele foi um esteta provocador, na sua juventude. Embora logo se tenha retratado pelo "equívoco radical" (falava em "equivocación ultraísta") dos anos de sua mocidade, nunca deixou de levar consigo, escondido, o insolente vanguardista que se divertia soltando impertinências.

Estranho que entre os infinitos livros que foram publicados sobre ele não tenha aparecido nenhum que reúna uma boa coleção das impertinências que disse - como chamar Lorca de "um andaluz profissional", falar do "poeirento Machado", alterar o título de uma novela de Mallea (Todo Leitor Perecerá) e homenagear Sábato dizendo que sua obra "pode ser posta em mãos de qualquer um sem nenhum perigo".

Durante a Guerra das Malvinas, disse outra frase, mais arriscada e não menos divertida:
"Esta é a disputa dos calvos por um pente."

São faíscas de humor que mostram gratidão, que revelam que no interior desse ser "corrompido pela literatura" havia picardia, malícia, vida."




mario vargas llosa


pindaro

Não é apenas

pátria


A pátria não é apenas
um corpo de bailador.
Não são duas mãos morenas
Nem mesmo um beijo de amor
Mais do que os livros que lemos,
Mais que os amigos que temos,
Mais até que a mocidade,
A pátria, realidade,
Vive em nós, porque vivemos.



Pedro Homem de Melo



pindaro

La aurora del fruto

La lluvia tiene un vago secreto de ternura,
algo de soñolencia resignada y amable,
una música humilde se despierta con ella
que hace vibrar el alma dormida del paisaje.



frederico garcia lorca

pindaro

Galopa la noche

Inclinado en las tardes



Inclinado en las tardes tiro mis tristes redes
A tus ojos oceánicos.

Alli se estira y arde en la más alta hoguera
mi soledad que da vueltas los brazos como un
náufrago.

Hago rojas señales sobre tus ojos ausentes
que olean como el mar a la orilla de un faro.

Sólo guardas tinieblas, hembra distante y mia,
de tu mirada emerge a veces la costa del espanto.

Inclinado en las tardes echo mis tristes redes
a ese mar que sacude tus ojos oceánicos.

Los pájaros nocturnos picotean las primeras estrellas
que centelleam como mi alma cuando te amo.

Galopa la noche en su yegua sombria
desparramando espigas azules sobre el campo.


pablo neruda


pindaro

De tempo e água

Olhar o rio que é de tempo e água
E recordar que o tempo é outro rio,
Saber que nos perdemos como o rio
E que os rostos passam como a água.



jorge luis borges



pindaro

Cidade, cidade minha

marcha fúnebre


Vinham dois, vinham quarenta,
Vinham já cem mil talvez...
E uma poeira sangrenta
Cobre o solo português

De Este a Oeste, Norte a Sul,
Tais como as ondas do mar
Olhar negro, ontem azul
Vinham deitar-se a afogar.

Vinham mudos e sombrios
Como a noite na garganta
Vinham cegos como os rios
Como a sede quando espanta

Vinham sem saber onde iam
Mergulhando o corpo todo
Nas próprias veias que abriam
Como quem se afunda em lodo.

Eram eles a fronteira
Da pátria sem pensamento
Como escravos sem bandeira
Tendo por bandeira o vento.

Cidade, cidade minha,
Quem o havia de dizer?
Atrás dum mais outro vinha...
E vinha para morrer!..



pedro homem de melo

A sua saia é curta

estrangeira


Seu busto é longo
A sua saia é curta
Seu peso é nu...
Sua balança é o vento...

Como fugir,
A tempo,
A quem nos furta
A paz
O sangue,
E o próprio pensamento?

Deixai-a, pois,
Indiferente e bela
Sendo mulher,
De nós,
O que sabe ela?



pedro homem de melo


pindaro

Ave de silêncio


melodia


Corpo delgado.
Aragem doce.
Passa tão leve
Na minha mão
(Ave de pluma
E de silêncio!)
Como se fosse
Uma canção...


pedro homem de melo


pindaro

Assim

revelação


Respiro.
E sei,
assim,
Que já vieste!

-Há uma rosa
Na manhã agreste...


pedro homem de melo


pindaro

Um só bosque



Ilha


Deitada és uma ilha e raramente
surgem ilhas no mar tão alongadas
com tão prometedoras enseadas
um só bosque no meio florescente

promontórios a pique e de repente
na luz de duas gémeas madrugadas
o fulgor das colinas acordadas
o pasmo da planície adolescente

Deitada és uma ilha que percorro
descobrindo-lhe as zonas mais sombrias
Mas nem sabes se grito por socorro

ou se te mostro só que me inebrias
Amiga amor amante amada eu morro
da vida que me dás todos os dias



david mourao ferreira

Movimentos de amor

o mar


Ondas que descansam no seu gesto nupcial
abrem-se caem
amorosamente sobre os próprios lábios
e a areia
ancas verdes violetas na violência viva
rumor do ilimite na gravidez da água
sussurros gritos minerais inércia magnífica
volúpia de agonia movimentos de amor
morte em cada onda sublevação inaugural
abre-se o corpo que ama na consciência nua
e o corpo é o instante nunca mais e sempre
ó seios e nuvens que na areia se despenham
ó vento anterior ao vento ó cabeças espumosas
ó silêncio sobre o estrépito de amorosas explosões
ó eternidade do mar ensimesmado unânime
em amor e desamor de anónimos amplexos
múltiplo e uno nas suas baixelas cintilantes
ó mar ó presença ondulada do infinito
ó retorno incessante da paixão frigidíssima
ó violenta indolência sempre longínqua sempre ausente
ó catedral profunda que desmoronando-se permanece!


antonio ramos rosa


pindaro

Famintos beijos

Idílios Amorosos


Ó que famintos beijos na floresta,
E que mimoso choro que soava!
Que afagos tão suaves, que ira honesta,
Que em risinhos alegres se tornava!
O que mais passam na manhã, e na sesta,
Que Vênus com prazeres inflamava,
Melhor é experimentá-lo que julgá-lo,
Mas julgue-o quem não pode experimentá-lo.



luis de camoes


pindaro

domingo, maio 15, 2005

Pérolas a montes



"O nosso ínclito rei D. Manuel, de feliz recordação, quando se viu dominador dos reinos do Oriente (de sorte que podíamos dizer que as asas do Sol se mediam com o seu Império, e que aqueles povos infiéis se não confederavam contra a potência das suas armas mais que para ser delas triunfo e ouvir os anúncios da palavra evangélica), então folgou de submeter toda esta grandeza aos pés do Sumo Pontífice Leão X, por seus embaixadores particulares tributando-lhe juntamente as primícias das riquezas do Oriente.

O principal delas era Tristão da Cunha, a quem faziam lados outros dois, a saber: Diogo Pacheco e João de Faria, desembargadores, e outros cinquenta cavaleiros. E era em todos tanta a riqueza e lustre, que havia selas, freios, peitorais e estribos de ouro de martelo, com pedraria fina e pérolas a montes.

Todos os embaixadores dos príncipes cristãos, que se achavam em Roma, e o governador da mesma cidade, e muitos bispos, e famílias dos cardeais, e outra inumerável nobreza, deram nobres aumentos a esta pompa, e o mesmo papa quis lograr o vistoso desta entrada, desde o Castelo de Sto. Angelo.

Levavam-lhe um presente com um grande e preciosíssimo cofre, coberto com pano de ouro e nele debuxadas as reais quinas posto sobre um elefante, o qual tanto que avistou ao Sumo Pontífice, ajoelhou três vezes, ensinado pelo naire que de cima o governava, e logo, metendo a tromba em um grande vaso de água que ali estava prevenido, borrifou os cardeais e outras pessoas que estavam pelas janelas, e o mesmo sinal de festa usou com o mais povo que estava apinhado pelas ruas."



manuel bernardes

(EMBAIXADA DE D. MANUEL AO PAPA LEÃO X)

pindaro

Os amores no coração




"Os amores no coração fazem mais rijo e continuado sentimento que outra benquerença, por estas razões:

Primeira, por a contrariedade do entender que os contradiz, mostrando de uma parte quanto mal por eles se faz, defendendo que se não faça, e doutra o desejo que muito com eles reina, requerendo com grande afincamento que persevere no que há começado, fazem uma porfia que continuadamente dá grã pena de espírito, afã e cuidado, do que mui amiúde os namorados se queixam, a qual se não pode passar sem rijos sentimentos.

Segunda, porque rijo, desordenado e continuado desejo, ciúmes e vanglória fazem no coração grande sentimento. E porquanto estes reinam mais com amores que com outra benquerença, porém fazem maior sentido.

Terceira, porque assim como dizem as cousas costumadas não fazerem tanto sentir, por esse fundamento aquelas que se abalam convém que o acrescentem.

E pois que os amores nunca dão repouso por fazerem contentar de mui pequeno bem, assim como de uma boa maneira de olhar, gracioso rir, ledo falar, amoroso e favorável jeito, e de tal contrário se assanham, tomam suspeita, caem em tristeza, filhando tão rijo cuidado por uma cousa de nada, como se tocasse a todo seu bom estado, que o não deixa enquanto dura pensar em al livremente, mas como aquele que tem véu posto ante os olhos vê as cousas, dessa guisa ele pensa em todas outras fora do seu fundamento por cima daquele cuidado que lhe faz parecer todas as folganças nada, não havendo aquela que mais deseja.

E se a cobrasse, que tristeza nunca sentiria, o que é tão errado pensamento como bem demonstram muitos exemplos, os quais não quer consentir que se creiam, posto que claramente de demonstrem, pensando que nunca semelhante como ele sentiu que o contrário pudesse sentir, o que adiante as mais das vezes se demonstra mui desvairado do que parece.

E por aqui se pode bem conhecer, posto que não caia em outro erro, quanto perigo é trazer um tal cuidado assim reinante em ele, que o não deixe pensar em cousa livremente sem haver dele lembramento, e como constrangido cuidar em qualquer outro feito por pesado que seja, para o coração no que tais amores lhe mandam quer embargar seu sentido, desamparando todos os outros por necessários que sejam.

E por estas razões convém que traga e faça maiores sentimentos que outra maneira de amar."


d. duarte
Leal Conselheiro


pindaro

frágoa que devora



Amor é um arder, que se não sente;
É ferida, que dói, e não tem cura;
É febre, que no peito faz secura;
É mal, que as forças tira de repente.

É fogo, que consome ocultamente;
É dor, que mortifica a Criatura;
É ânsia a mais cruel, e a mais impura;
É frágoa, que devora o fogo ardente.

É um triste penar entre lamentos,
É um não acabar sempre penando;
É um andar metido em mil tormentos.

É suspiros lançar de quando, em quando;
É quem me causa eternos sentimentos:
É quem me mata, e vida me está dando.



paulino antonio cabral, abade de jazente

pindaro

Os vícios que se cobrem com tão ricos vestidos





"Ao estilo sublime contrapomos o estilo simples ou humilde.

Assim como as coisas grandes devem explicar-se magnificamente, assim o que é humilde deve-se dizer com estilo mui simples e modo de exprimir mui natural.

As expressões do estilo simples são tiradas dos modos mais comuns de falar a língua; e isto não se pode fazer sem perfeito conhecimento da dita língua.

Esta é, segundo os mestres da arte, a grande dificuldade do estilo simples.

Fácil coisa é a um homem de alguma literatura ornar o discurso com figuras; antes todos propendemos para isso, não só porque o discurso se encurta, mas porque talvez nos explicamos melhor com uma figura do que com muitas palavras.

Pelo contrário, para nos explicarmos naturalmente e sem figura, é necessário buscar o termo próprio, que exprima o que se quer, o qual nem sempre se acha, ou, ao menos, não sem dificuldade, e sempre se quer perfeita inteligência da língua para o executar.

Além disto, as figuras encantam o leitor e impedem-lhe penetrar é descobrir os vícios que se cobrem com tão ricos vestidos.

Não assim no estilo simples, o qual, como não faz pompa de ornamemtos, deixa considerar miudamente os pensamentos do escritor..."



luis antonio verney


pindaro

De poucas perfias

"...uma Corte que, como bonina do mato, a que falta o cheiro e a brandura das dos jardins, ainda que na aparência e cores a queira contrafazer, é contudo diferente."
frl



"Entre outros homens que naquela companhia se achavam eram nela mais costumados, em anoitecendo, um Letrado que ali tinha um casal e que já tivera honrados cargos de governo da justiça na Cidade, homem prudente, concertado na vida, Doutor na sua profissão e lido nas histórias da humanidade: um Fidalgo mancebo, inclinado ao exercício da caça e muito afeiçoado às coisas da pátria, em cujas histórias estava bem visto; um Estudante de bom engenho, que, entre os seus estudos, se empregava algumas vezes nos da poesia; um velho não muito rico, que tinha servido a um dos Grandes da Corte, com cujo galardão se reparara naquele lugar, homem de boa criação, e, além de bem entendido, notavelmente engraçado no que dizia, e muito natural de uma murmuração que ficasse entre o couro e a carne, sem dar ferida penetrante. Ao senhor da casa chamavam Leonardo, ao Doutor, Lívio, ao Fidalgo, D. Júlio, ao estudante, Píndaro, ao velho, Solino. Fora estes havia outros de quem em seus lugares se fará menção, que, assim como os mais, não eram para enjeitar em uma conversação de poucas perfias."



francisco roíz lobo
(Corte na Aldeia)

Que mulheres, são mulheres

MOTE

Coração, olha o que queres:
Que mulheres, são mulheres...


VOLTAS

Tão tirana e desigual
Sustentam sempre a vontade,
Que a quem lhes quer de verdade
Confessam que querem mal;
Se Amor para elas não val,
Coração, olha o que queres:
Que mulheres, são mulheres...

Se algüa tem afeição
Há-de ser a quem lha nega,
Porque nenhüa se entrega
Fora desta condição;
Não lhe queiras, coração,
E senão, olha o que queres:
Que mulheres, são mulheres...

São tais, que é melhor partido
Para obrigá-las e tê-las,
Ir sempre fugindo delas,
Que andar por elas perdido;
E pois o tens conhecido,
Coração, que mais lhe queres?
Que, em fim, todas as mulheres!




Primavera, Praias do Tejo, Floresta Terceira

francisco roíz lobo



pindaro

sábado, maio 14, 2005

Dei causa



Erros meus, má fortuna, amor ardente



Erros meus, má fortuna, amor ardente
Em minha perdição se conjuraram;
Os erros e a fortuna sobejaram,
Que pera mim bastava amor somente.

Tudo passei; mas tenho tão presente
A grande dor das cousas que passaram,
Que as magoadas iras me ensinaram
A não querer já nunca ser contente.

Errei todo o discurso de meus anos;
Dei causa [a] que a Fortuna castigasse
As minhas mal fundadas esperanças.

De amor não vi senão breves enganos.
Oh! quem tanto pudesse, que fartasse
Este meu duro Génio de vinganças!



Luís de Camões



píndaro

sexta-feira, maio 13, 2005

Foguete de três respostas


"Quem sonha de dia tem consciência de muitas coisas que escapam a quem sonha só de noite."
edgar allan poe



"Vais ler, baptizadas com um título simbólico, algumas páginas de circunstância.

Fogo preso é, como sabes, e expressiva designação de um género de pirotecnia em que toda a inventiva se processa ao rés-do-chão.

Ao invés da girândola, de morteiro ou do simples foguete de três respostas, que são delírios soltos, aqui a fantasia arde, roda, faísca, estoira, mas não voa.

Amarrado, o engenho do artífice não tem licença para subir ao céu de nenhuma ilusão e desprender-se de lá, no fim da vertigem, numa lágrima de colorida melancolia."


miguel torga

pindaro

Brisa nua




lettera amorosa


Respiro o teu corpo:
sabe a lua-de-água
ao amanhecer,
sabe a cal molhada,
sabe a luz mordida,
sabe a brisa nua,
ao sangue dos rios,
sabe a rosa louca,
ao cair da noite
sabe a pedra amarga,
sabe à minha boca.



eugenio de andrade

pindaro

Em tudo toda segredo




É quando estás de joelhos...


É quando estás de joelhos
que és toda bicho da Terra
toda fulgente de pêlos
toda brotada de trevas
toda pesada nos beiços
de um barro que nunca seca
nem no cântico dos seios
nem no soluço das pernas
toda raízes nos dedos
nas unhas toda silvestre
nos olhos toda nascente
no ventre toda floresta
em tudo toda segredo
se de joelhos me entregas
sempre que estás de joelhos
todos os frutos da Terra.


david mourão ferreira


pindaro

De sonhar



"Deus é existirmos e isto não ser tudo", até porque, valha a verdade,
"de sonhar ninguém se cansa, porque sonhar é esquecer, e esquecer não pesa e é um sono sem sonhos em que estamos despertos."

É por estas, e por outras, que é bem achado dizer que "o homem é um ser que se criou a si próprio ao criar uma linguagem. Pela palavra, o homem é uma metáfora de si próprio"


Bernardo Soares
Octavio Paz

solino

Barcos ou beijos


as palavras


São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.

Secretas vêm, cheias de memória
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.

Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luze são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.

Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?


eugenio de andrade


pindaro

quinta-feira, maio 12, 2005

Numa taça de sombra



paraíso

Deixa ficar comigo a madrugada,
para que a luz do Sol me não constranja.
Numa taça de sombra estilhaçada,
deita sumo de lua e de laranja.

Arranja uma pianola, um disco, um posto,
onde eu ouça o estertor de uma gaivota...
Crepite, em derredor, o mar de Agosto...
E o outro cheiro, o teu, à minha volta!

Depois, podes partir. Só te aconselho
acendas, para tudo ser perfeito,
à cabeceira a luz do teu joelho,
entre os lençóis o lume do teu peito...

Podes partir.
De nada mais preciso
para a minha ilusão do Paraíso.


david mourão ferreira

Penedos, urze e mato

Ali, onde há penedos, urze e mato,
Pela primeira vez te vi bailar!
E, em certo corpo esguio de regato,
Ali, onde há penedos urze e mato,
Coube a verdade estranha do luar.

Aquela saia curta, mas redonda!
Aquela cinta frágil, mas comprida!
Ali, naquela dança, como em onda
(Seria curta a saia, mas redonda...)
Senti crescer, multiplicar-se a vida!

Sem que tentasse alguém, sequer, prendê-las,
Bailaram, rosas, cruzes, arrecadas.
Buliram, sob os olhos das estrelas,
Minhas bodas, vermelhas como estrelas,
E, como elas, distantes, ignoradas...

Intacto e nu, trago o meu corpo inteiro,
Maior que o céu, maior do que o pecado!
Pinhal do monte brusco e verdadeiro!
Mais vale, em pé, um único pinheiro,
Que todo o azul do mar sem fim, deitado!

O amor foi breve e rijo como um fruto.
O vinho leve e fresco foi exacto.
Deixá-las vir as nuvens com seu luto!
Um minuto de Sol. Basta um minuto
Ali, onde há penedos, urze e mato.


pedro homem de melo


píndaro

Um olhar de novo brilho




gaivota


Se uma gaivota viesse
trazer-me o céu de Lisboa
no desenho que fizesse,
nesse céu onde o olhar
é uma asa que não voa,
esmorece e cai no mar.

Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.

Se um português marinheiro,
dos sete mares andarilho,
fosse quem sabe o primeiro
a contar-me o que inventasse,
se um olhar de novo brilho
no meu olhar se enlaçasse.

Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.

Se ao dizer adeus à vida
as aves todas do céu,
me dessem na despedida
o teu olhar derradeiro,
esse olhar que era só teu,
amor que foste o primeiro.

Que perfeito coração
no meu peito morreria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde perfeito
bateu o meu coração.


alexandre o´neill


pindaro

O verde secreto

A meu favor
Tenho o verde secreto dos teus olhos
Algumas palavras de ódio algumas palavras de amor
O tapete que vai partir para o infinito
Esta noite ou uma noite qualquer

A meu favor
As paredes que insultam devagar
Certo refúgio acima do murmúrio
Que da vida corrente teime em vir
O barco escondido pela folhagem
O jardim onde a aventura recomeça.


alexandre o´neill


pindaro

segunda-feira, maio 09, 2005

Com frutos e pecado




Inscrição Sobre As Ondas

Mal fora iniciada a secreta viagem,
Um deus me segredou que eu não iria só.

Por isso a cada vulto os sentidos reagem,
Supondo ser a luz que o deus me segredou.



A Secreta Viagem


No barco sem ninguém, anónimo e vazio,
ficámos nós os dois, parados, de mão dada…
Como podem só dois governar um navio?
Melhor é desistir e não fazermos nada!

Sem um gesto sequer, de súbito esculpidos,
Tornamo-nos reais, e de Madeira, à proa…
Que figuras de lenda! Olhos vagos, perdidos…
Por entre nossas mãos, o verde mar se escoa…

Aparentes senhores de um barco abandonado,
nós olhamos, sem ver, a longínqua miragem…
Aonde iremos ter? – Com frutos e pecado,
Se justifica, enflora, a secreta viagem!

Agora sei que és tu quem me fora indicada.
O resto passa, passa…alheio aos meus sentidos.
-Desfeitos num rochedo ou salvos na enseada,
A eternidade é nossa, em Madeira esculpidos!




david mourao ferreira


píndaro

A mancha mais escura



Casa


Tentei fugir da mancha mais escura
que existe no teu corpo, e desisti.
Era pior que a morte o que antevi:
era a dor de ficar sem sepultura.

Bebi entre os teus flancos a loucura
de não poder viver longe de ti:
és a sombra da casa onde nasci,
és a noite que à noite me procura.

Só por dentro de ti há corredores
e em quartos interiores o cheiro a fruta
que veste de frescura a escuridão…

Só por dentro de ti rebentam flores.
Só por dentro de ti a noite escuta
o que sem voz me sai do coração.



david mourão ferreira


pindaro

À oressa salina

Cutty Sark


A ideia do capitão John Willis era construir um navio mais rápido que o Thermopylae.

Contactou o jovem desenhador Hércules Linton, mostrou-lhe as formas do melhor veleiro que ao tempo possuía, o Tweed, e fecharam contracto para a construção de um barco melhor e mais veloz, em Dumbarton, na Escócia, tendo como referência um preço de 16.150 libras por tonelada.

Em 16 de Fevereiro de 1870 a Cutty Sark largou para a sua primeira viagem, rumo a Xangai, onde chegou ao fim de 104 dias.

Cutty Sark quer dizer literalmente pequena camisa ou camisola.

O nome foi-lhe dado por Mrs George Moodie, mulher do seu primeiro comandante,
que se terá inspirado no seu poema favorito, Tam O´Shanter, de Robert Burns, cuja figura central é a bruxa Nannie.

“Whene´r to drink you are inclined
Or Cutty Sarks run in your mind
Think: you may buy the joys ower dear,
Remember Tam O´Shanter´s mare”

Ela, a bruxa Nannie, em escultura de Robert Hellyer, foi colocada como figura de proa do navio, com o decote muito largo, peito despido à oressa salina.




a. dias gonçalves
C/
Solino

domingo, maio 08, 2005

Como un caballo

en el fondo del mar profundo
en la noche de largas listas
como un caballo cruza corriendo
tu callado callado nombre

pablo neruda
Madrigal escrito en Invierno, I, p.179


pindaro

A onda

a onda anda
aonde anda
a onda?
a onda ainda
ainda onda
ainda anda
aonde?
aonde?
a onda a onda



manuel bandeira


pindaro

sábado, maio 07, 2005

Cada um como quem é

"Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no desconhecido, como eu mergulhei. Não se preocupe em entender: a vida ultrapassa qualquer entendimento."
Clarice Lispector




"Pequei mais que o número das areias do mar.

Porém, Senhor, as vossas misericórdias não têm número.

Em vós ponho toda a minha esperança: não padecerei confusão eterna.

Eu a pecar; vós, Senhor, a perdoar-me.

Eu a fazer-vos injúrias; vós a fazer-me benefícios.

O certo é, Senhor, que cada um obra como quem é.

Bendita seja vossa paciência, que tanto me esperou.

Muito agravado estais de mim, e vos sobra razão.

Oh, quem para aplacar-vos tivera as lágrimas de uma Madalena, as penitências de uma Egipcíaca, os gemidos de um Agostinho, a compunção de um S. Pedro! "


Manuel Bernardes


pindaro

sexta-feira, maio 06, 2005

O serpentário


"Dissimulador é aquele que ora censura, ora recomenda uma mesma atitude, conforme lhe vem ou cai melhor"
G. Mazzarino - Breviário dos políticos (Carnets)





RICHELIEU/MAZZARINO


Recorrendo-se ao seu pequeno breviário aos políticos (Breviario dei politici), um folheto de 100 páginas atribuídas a sua pena - intitulado Carnets e publicado por obra de Victor Cousin somente em 1854 - não se evita uma certa frustração.

Há uma razoável distância entre o homem político que ele foi, dotado de enorme censo da grandeza do Estado, e o conselheiro um tanto velhaco, um matreiro amante da intriga, que ele transpareceu ser no seu escrito.

De facto, trata-se de um manual de sobrevivência na Corte, da arte do cortesão em tentar evitar deixar-se ser mortalmente picado pelo serpentário que cerca o poder.

Mazzarino, como êmulo menor de Maquiavel, vê a política como um atividade amoral, baseada em duas máscaras:

a da simulação e a da dissimulação.

Para tanto, ao empunhá-las, o praticante deve esvaziar-se de si mesmo, expurgar a autenticidade, evitar denunciar-se pela emoção, porque "quase sempre os sentimentos mais profundos do coração se estabelecem em claras notas pintadas no semblante."

O Cardeal Richelieu, mestre de Mazzarino, trazia a grandeza no sangue.

Promove, no lugar da ética, o ardil, a astúcia e o cinismo.

A palavra é um florete.

Fina e flexível, se estocada no coração mata, mas também serve para desviar o golpe.

Perante os poderosos é bom que seja pronunciada num tom que não revele adulação, nem que o faça passar por um bajulador.

Deve limitar-se ao sinuoso e escorregadio espaço que separa a lisonja do respeito.

A amizade dos grandes pode ser obtida com servidão ou dinheiro, e mantida com ciúme e favores, "obséquios" como prefere o cardeal.

A humilhação excessiva frente aos mandões, diz ele, não é recomendável.

Ela - a humilhação - pode ser virtude entre irmãos franciscanos, não entre cortesãos ambiciosos.

Ao príncipe, pondera que se cerque de conselheiros de temperamento diverso, assim sempre terá uma média do que se poderia chamar de "opinião pública" bem próxima de si.

Num parágrafo curioso, reitera que se mantenha um diário contábil, formado por quatro colunas onde o governante deve registrar, pacienciosamente, os custos e os benefícios da relação com cada um dos seus auxiliares e, também, dos presentes deles recebidos.

Uma advertência ao rei Luís XIV, ainda bem jovem, captou o sentido de majestade do trono.

Revelador da sua opinião sobre os políticos em geral, é uma deliciosa passagem onde indica como eles devem proceder para... fugir da prisão!

O interessante sobre a história desse homem, verdadeiro cardeal-nababo, é que ele tenha sido indicado pelo cardeal Richelieu, que, em seu "testamento político", advertia o monarca exatamente contra o tipo de religioso que Mazzarino era, alguém que, "para fazer fortuna", importuna a corte a fim de "obter o que não poderiam obter por mérito próprio".

Mazzarino morreu bilionário! Em seu leito de morte recomendou a Luís XIV, provavelmente num dos seus raros momentos de sinceridade, e, talvez, a título de autocrítica, que não nomeasse nenhum primeiro-ministro, conselho que o jovem rei prontamente acatou, pois adonou-se inteiramente do cenário palaciano, tornando-se o Rei Sol.



solino



quinta-feira, maio 05, 2005

Levantavam as saias

"Pois logo a mim, tão cheia de garras e sonhos, coubera arrancar de seu coração a flecha farpada"
clarice lispector



"Amaram o amor urgente
As bocas salgadas pela maresia
As costas lanhadas pela tempestade
Naquela cidade
Distante do mar
Amaram o amor serenado
Das nocturnas praias
Levantavam as saias
E se enluaravam de felicidade
Naquela cidade
Que não tem luar
Amavam o amor proibido
Pois hoje é sabido
Todo o mundo conta
Grávida de lua
E outra andava nua
Ávida de mar..."

chico buarque de holanda



pindaro