“Son mis amores reales”
La devise de D. Juan de Tassis y Peralta, Conde de Villamediana
(“Chevalier de l´arène qui affronttait à pied les taureaux simplement pour qu´étincelle la devise que le mena à mort” – L.M. Dominguin)
O duende, como todo o bom bailador da esquivança, tem pergaminhos difíceis.
O seu campo é um território de labirintos e galerias, para o correr vai-se melhor com explorador. Espanhol e poeta: Federico Garcia Lorca.
O duende, Lorca vai abrindo, é um poder não uma atitude, é uma luta não um conceito, e nenhuma emoção é possível sem a sua mediação.
“Olé! Isto tem duende!”, bradou o bailarino cigano La Malana ao ouvir Brailowski tocar um fragmento de Bach. Agarrara o “é da coisa”, como Goethe quando, falando de Paganini, falava de “um poder misterioso que todos podem sentir e nenhuma filosofia pode explicar.”
O duende fantasia nas interioridades escondidas e, no dizer do explorador, encontra-se “durmiendo en las últimas habitationes de la sangre”.
Ama as fronteiras e as feridas, e aproxima-se dos lugares onde as formas se fundem num anseio superior às suas expressões visíveis. Ser misterioso, meio diabólico meio angélico – os dois ao mesmo tempo – costuma inspirar os que nele crêem.
A sua funda vocação, acrescentaria Henri Thoreau, é a de “sugar o tutano do dia.”
Encanto da região do fogo, demónio furioso e devorador, irmão dos ventos carregados de areia, o duende baila com particular ligeireza por dentro dos cantadores ciganos, dos toureiros e dos poetas.
É ver João Cabral de Mello Neto:
“
(...)
Mas eu vi Manuel Rodriguez
Manolete, o mais deserto,
o toureiro mais agudo
mais mineral e desperto,
(...)
o que à tragédia deu número,
à vertigem geometria
decimais à emoção
e ao susto, peso e medida,
sim, eu vi Manuel Rodriguez,
Manolete, o mais asceta,
não só cultivar sua flor
mas demonstrar aos poetas:
como domar a explosão
com mão serena e contida,
sem deixar que se derrame
a flor que traz escondida.
E como, então, trabalhá-la
com mão certa, pouca e extrema:
sem perfumar sua flor
sem poetizar seu poema.”
“Sueño de una sombra /o sombra de un sueño”, dizia José Bergamin, mas o duende, digo eu, tem um outro dom que é o da impermanência, a arte de dizer adeus com elegância.
Doutor Lívio
domingo, janeiro 30, 2005
quinta-feira, janeiro 27, 2005
Baile de Máscaras
“A ficção consiste não em fazer ver o invisível, mas em fazer ver até que ponto é invisível a invisibilidade do visível”
Michel Foucault
Era por Janeiro e o sol-e-dó de Chopin.
Lucinda, usando a écharpe branca como gaivota de arremesso, acostava ao mascarado à Citizen Kane que com o sorriso largo de velho salteador, entre fumos e babiolages perversas, ia repetindo: Foster, my name is Charles Foster e inquieta-me a concentração. Muito.
Lucinda, arrolando o Kane na secção “patine nostálgica”, dardejaou então o olho verde água para uma peça mais aciganada, o mascarado à Carlos Saúl Menem AKil que, cosidinho de cicatrizes, se esgueirava para uma zona parda do salão.
Vem a pêlo contar, a ponto largo, que esta máscara era de recurso, pois que o mascarado o que queria mesmo era ter vindo à Pierre Elliot Trudeau. Só que os cabedais a tanto não deram e ataviou-se conforme pôde. E, depois, o Menem sempre fora Presidente um ror de anos, curtido nos avatares do peronismo, acabando enredado nuns contrabandos de armas para a Croácia e para o Equador, o que dava um certo toque.
Aliás, tal como a máscara, o mascarado parecia compor uma “personalidad arroladora, pródiga en gestos optimistas y componedores”, o que, mais não seja, ajuda muito à festa.
Lucinda fez uma momice de amuo.
É que, tapando-lhe o Menem, passou na enfiação um mascarado muito travesso. E o pior é que, corvejando, não saía de lá. Da enfiação.
Vinha disfarçado de Carlos Lobo d´Ávila e, como ele, era mexilhão e bulhento.
Gostava de luzes.
Lucinda, desarranjada a perspectiva, deitou o olho, verde água, para a mesa redonda e animou a orelhinha no mesmo sentido.
Dizia o mascarado à Conde de Monte Cristo, sem trair a procedência do extremo sul: Isto não passa de um baile de vultos e fantasmas. Baile a sério, dos que soía, dou eu daqui a um ano. Vou pôr a conversa em rima.
Devastadora de pálpebras, a mascarada à Dorothy Parker, batida de cavaqueiras at the Algonquim Round Table, devolveu-lhe:
Meu caro, eu por mim gosto é de bailes como o do Conde de Orgel, que, como dizia o Radiguet, o nosso Raymond, tinha “romance de amor casto, mas tão escabroso quanto o romance menos casto”.
Monte Cristo, misterioso e predador, redarguiu: Senhora, pois eu, do Raymond, o que lhe digo é que “as manobras inconscientes de uma alma pura são ainda mais singulares que as combinações do vício.”
Do outro lado da mesa, o arreado à Torquemada, mas com óculos grandes, murmurou de si para si: Este gajo é fino como um coral…
Lucinda, ao debuxar a charpente de cada uma das figuras, pensou com os seus enfeites: Gente catita!
E foi-se a ares, ao terraço, onde, ensinara-lhe uma tia de Alfândega da Fé, sempre crocitam corvos de voo menos potente.
Solino
terça-feira, janeiro 25, 2005
A BELEZA DO RUMOR ENTRANHADO
“ O desprazer é já menos, porque toda a cousa que se faz, de que nos não praz, podemos dizer com verdade que nos despraz dela, ainda que seja tão ligeira que não sintamos.”
D. Duarte (Leal Conselheiro)
D. Duarte, Duarte Nunes de Leão, Almeida Garret e Pascoaes, entre outros antigos vultos, tinham a palavra saudade ( soidade para D. Dinis) como um exclusivo pátrio, um termo só da nossa terra, intraduzível.
Dizia mesmo o Visconde João Baptista que “... o sentimento por ele representado, certo que em todos os países o sentem; mas que haja um vocábulo especial para o designar, não sei de nenhuma outra linguagem senão da portuguesa...”
Só mais à frente, século passado adentro, o dogma quase mágico foi removido.
De facto, outras nações têm para a saudade um termo só seu: o galego tem soledades ou soedades; o catalão, anyoransa ou anyoramento; o italiano, desio ou disio; o romeno doru ou dor; o sueco, saknad; o dinamarquês, savn; e o islandês, saknaor.
O filólogo Manuel de Melo abriu o capote a este bicho, com luzimento, em Notas Lexicológicas.
Falando das canções melancólicas dos romenos, Cratiunesco volteava sobre doru:
“Ce mot semble venir du mot latin desiderium, dont il exprime tous les nuances – le regret d´un bien perdu, le chagrin que cause son absence, l´ésperance de le recouvrer, le désir d´un bonheur, que l´on ne connait point encore et l´ivresse que en accompagne la posséssion.”
E, em francês, dava-se ao doru do poeta Alecandri o sentido de “désir mêlé de regret”.
Vamos, ainda, ao Purgatorio, com Dante:
“Era giá l´ora che volge il disio
Ai naviganti, e intenerisci il cuore
Lo di che han ai dolci amici addio;
E che lo nuovo peregrin d´amore
Punge, se ode aquilla di lontano,
Che peja il giorno pianger che si more”
( “C´était déja l´heure qui réveille les regrets
des navigateurs et attendrit leur âmme”, etc.
-Fiorentino)
Saudade, essa palavra para uma “mimosa paixão da alma”
(D. Francisco Manuel de Melo), não é só nossa.
E é de folgar que assim seja.
O contrário seria uma desordenança
Das grandes.
Leonardo
D. Duarte (Leal Conselheiro)
D. Duarte, Duarte Nunes de Leão, Almeida Garret e Pascoaes, entre outros antigos vultos, tinham a palavra saudade ( soidade para D. Dinis) como um exclusivo pátrio, um termo só da nossa terra, intraduzível.
Dizia mesmo o Visconde João Baptista que “... o sentimento por ele representado, certo que em todos os países o sentem; mas que haja um vocábulo especial para o designar, não sei de nenhuma outra linguagem senão da portuguesa...”
Só mais à frente, século passado adentro, o dogma quase mágico foi removido.
De facto, outras nações têm para a saudade um termo só seu: o galego tem soledades ou soedades; o catalão, anyoransa ou anyoramento; o italiano, desio ou disio; o romeno doru ou dor; o sueco, saknad; o dinamarquês, savn; e o islandês, saknaor.
O filólogo Manuel de Melo abriu o capote a este bicho, com luzimento, em Notas Lexicológicas.
Falando das canções melancólicas dos romenos, Cratiunesco volteava sobre doru:
“Ce mot semble venir du mot latin desiderium, dont il exprime tous les nuances – le regret d´un bien perdu, le chagrin que cause son absence, l´ésperance de le recouvrer, le désir d´un bonheur, que l´on ne connait point encore et l´ivresse que en accompagne la posséssion.”
E, em francês, dava-se ao doru do poeta Alecandri o sentido de “désir mêlé de regret”.
Vamos, ainda, ao Purgatorio, com Dante:
“Era giá l´ora che volge il disio
Ai naviganti, e intenerisci il cuore
Lo di che han ai dolci amici addio;
E che lo nuovo peregrin d´amore
Punge, se ode aquilla di lontano,
Che peja il giorno pianger che si more”
( “C´était déja l´heure qui réveille les regrets
des navigateurs et attendrit leur âmme”, etc.
-Fiorentino)
Saudade, essa palavra para uma “mimosa paixão da alma”
(D. Francisco Manuel de Melo), não é só nossa.
E é de folgar que assim seja.
O contrário seria uma desordenança
Das grandes.
Leonardo
segunda-feira, janeiro 24, 2005
O FRIO E O RASGO
“O mundo é a cores, mas a preto e branco é mais realista”
Wim Wenders
Em Cardiff, na Universidade, os “especialistas”de um tal Cliff Arnalls aprontaram uma fórmula (1/8w+ (D-d) 3/8xTQMxNA) que determina o dia 24 de Janeiro, segunda-feira, como o dia mais deprimente do ano.
Tratar-se-á, na verdade, do auge do refluxo das energias positivas e a infelicidade, rebuçada em frios e ressacas, tem, na rasura das coisas, o dia dos seus sentidos.
Nesta história, há que assacar aos factores M (níveis de motivação) e NA (necessidade de agir) um destaque muito especial.
Ora, na nossa terra, esses níveis de motivação não parecem assim tão rasteiros, já que potenciaram apreciavelmente o factor NA, ao ponto de, raiando a madrugada, as caras afectuosas dos candidatos às próximas eleições pompearem, por essa Lisboa fora, um soberbo nariz encarnado. De palhaço.
A “besta de nora”, de que falava Guerra Junqueiro, ainda arquejou, portanto, a “energia dum coice”!
Depois, hoje passa já amanhã.
E afinal, hoje, pelo menos para os lobos, é a véspera de uma grande noite e, como se sabe é de véspera que, frementes as narinas, brota o deleite.
Píndaro
Wim Wenders
Em Cardiff, na Universidade, os “especialistas”de um tal Cliff Arnalls aprontaram uma fórmula (1/8w+ (D-d) 3/8xTQMxNA) que determina o dia 24 de Janeiro, segunda-feira, como o dia mais deprimente do ano.
Tratar-se-á, na verdade, do auge do refluxo das energias positivas e a infelicidade, rebuçada em frios e ressacas, tem, na rasura das coisas, o dia dos seus sentidos.
Nesta história, há que assacar aos factores M (níveis de motivação) e NA (necessidade de agir) um destaque muito especial.
Ora, na nossa terra, esses níveis de motivação não parecem assim tão rasteiros, já que potenciaram apreciavelmente o factor NA, ao ponto de, raiando a madrugada, as caras afectuosas dos candidatos às próximas eleições pompearem, por essa Lisboa fora, um soberbo nariz encarnado. De palhaço.
A “besta de nora”, de que falava Guerra Junqueiro, ainda arquejou, portanto, a “energia dum coice”!
Depois, hoje passa já amanhã.
E afinal, hoje, pelo menos para os lobos, é a véspera de uma grande noite e, como se sabe é de véspera que, frementes as narinas, brota o deleite.
Píndaro
domingo, janeiro 23, 2005
LUA DO LOBO
"Il faro è la vita, il paradiso può attendere."
Perto da lua cheia de 25 de Janeiro, a lua do lobo, de eles andarem à solta, os frios e os mistérios traficantes acercam-se dos caminhos que separam.
Se os braseiros e as lâmpadas esquecidas ainda alumiarem o desenho, bem mordido, da allure cavalheiresca pode ainda acontecer que a honra rija e austera sobreviva.
Porém, o cavername da urdidura não prenuncia nada de bom.
D. Júlio
Perto da lua cheia de 25 de Janeiro, a lua do lobo, de eles andarem à solta, os frios e os mistérios traficantes acercam-se dos caminhos que separam.
Se os braseiros e as lâmpadas esquecidas ainda alumiarem o desenho, bem mordido, da allure cavalheiresca pode ainda acontecer que a honra rija e austera sobreviva.
Porém, o cavername da urdidura não prenuncia nada de bom.
D. Júlio
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