"...uma Corte que, como bonina do mato, a que falta o cheiro e a brandura das dos jardins, ainda que na aparência e cores a queira contrafazer, é contudo diferente."
frl
"Entre outros homens que naquela companhia se achavam eram nela mais costumados, em anoitecendo, um Letrado que ali tinha um casal e que já tivera honrados cargos de governo da justiça na Cidade, homem prudente, concertado na vida, Doutor na sua profissão e lido nas histórias da humanidade; um Fidalgo mancebo, inclinado ao exercício da caça e muito afeiçoado às coisas da pátria, em cujas histórias estava bem visto; um Estudante de bom engenho, que, entre os seus estudos, se empregava algumas vezes nos da poesia; um velho não muito rico, que tinha servido a um dos Grandes da Corte, com cujo galardão se reparara naquele lugar, homem de boa criação, e, além de bem entendido, notavelmente engraçado no que dizia, e muito natural de uma murmuração que ficasse entre o couro e a carne, sem dar ferida penetrante.
Ao senhor da casa chamavam Leonardo, ao Doutor, Lívio, ao Fidalgo, D. Júlio, ao estudante, Píndaro, ao velho, Solino.
Fora estes havia outros de quem em seus lugares se fará menção, que, assim como os mais, não eram para enjeitar em uma conversação de poucas perfias."
francisco roíz lobo
(Corte na Aldeia)
domingo, agosto 28, 2005
Rosa e limão
Lisboa
Esta névoa sobre a cidade, o rio,
as gaivotas doutros dias, barcos, gente
apressada ou com o tempo todo para perder,
esta névoa onde começa a luz de Lisboa,
rosa e limão sobre o Tejo, esta luz de água,
nada mais quero de degrau em degrau.
eugenio de andrade
pindaro
Esta névoa sobre a cidade, o rio,
as gaivotas doutros dias, barcos, gente
apressada ou com o tempo todo para perder,
esta névoa onde começa a luz de Lisboa,
rosa e limão sobre o Tejo, esta luz de água,
nada mais quero de degrau em degrau.
eugenio de andrade
pindaro
Num doce balanço
Garota de Ipanema
Olha que coisa mais linda
Mais cheia de graça
é ela menina, que vem e que passa
Num doce balanço a caminho do mar
Moça do corpo dourado
Do sol de Ipanema
O seu balançado é mais que um poema
é a coisa mais linda que já vi passar
Ai! Como estou tão sozinho
Ai! Como tudo é tão triste
Ai! A beleza que existe
A beleza que não é só minha
E também passa sozinha
Ai! Se ela soubesse que quando ela passa
O mundo interinho se enche de graça
E fica mais lindo por causa do amor
Só por causa do amor...
Vinicius de Moraes
pindaro
Olha que coisa mais linda
Mais cheia de graça
é ela menina, que vem e que passa
Num doce balanço a caminho do mar
Moça do corpo dourado
Do sol de Ipanema
O seu balançado é mais que um poema
é a coisa mais linda que já vi passar
Ai! Como estou tão sozinho
Ai! Como tudo é tão triste
Ai! A beleza que existe
A beleza que não é só minha
E também passa sozinha
Ai! Se ela soubesse que quando ela passa
O mundo interinho se enche de graça
E fica mais lindo por causa do amor
Só por causa do amor...
Vinicius de Moraes
pindaro
Boca a saber a sol
Charneca em Flor
Enche o meu peito, num encanto mago,
O frémito das coisas dolorosas...
Sob as urzes queimadas nascem rosas...
Nos meus olhos as lágrimas apago...
Anseio! Asas abertas! O que trago
Em mim? Eu oiço bocas silenciosas
Murmurar-me as palavras misteriosas
Que perturbam meu ser como um afago!
E, nesta febre ansiosa que me invade,
Dispo a minha mortalha, o meu bruel,
E já não sou, Amor, Soror Saudade...
Olhos a arder em êxtases de amor,
Boca a saber a sol, a fruto, a mel:
Sou a charneca rude a abrir em flor!
Florbela Espanca
pindaro
Vida à paxá
Eu e ela
Cobertos de folhagem, na verdura,
O teu braço ao redor do meu pescoço,
O teu fato sem ter um só destroço,
O meu braço apertando-te a cintura;
Num mimoso jardim, ó pomba mansa,
Sobre um banco de mármore assentados.
Na sombra dos arbustos, que abraçados,
Beijarão meigamente a tua trança.
Nós havemos de estar ambos unidos,
Sem gozos sensuais, sem más ideias,
Esquecendo para sempre as nossas ceias,
E a loucura dos vinhos atrevidos.
Nós teremos então sobre os joelhos
Um livro que nos diga muitas cousas
Dos mistérios que estão para além das lousas,
Onde havemnos de entrar antes de velhos.
Outras vezes buscando distracção,
Leremos bons romances galhofeiros,
Gozaremos assim dias inteiros,
Formando unicamente um coração.
Beatos ou pagãos, vida à paxá,
Nós leremos, aceita este meu voto,
O Flos-Sanctorum místico e devoto
E o laxo Cavalheiro de Flaublas...
Cesário Verde
pindaro
Cobertos de folhagem, na verdura,
O teu braço ao redor do meu pescoço,
O teu fato sem ter um só destroço,
O meu braço apertando-te a cintura;
Num mimoso jardim, ó pomba mansa,
Sobre um banco de mármore assentados.
Na sombra dos arbustos, que abraçados,
Beijarão meigamente a tua trança.
Nós havemos de estar ambos unidos,
Sem gozos sensuais, sem más ideias,
Esquecendo para sempre as nossas ceias,
E a loucura dos vinhos atrevidos.
Nós teremos então sobre os joelhos
Um livro que nos diga muitas cousas
Dos mistérios que estão para além das lousas,
Onde havemnos de entrar antes de velhos.
Outras vezes buscando distracção,
Leremos bons romances galhofeiros,
Gozaremos assim dias inteiros,
Formando unicamente um coração.
Beatos ou pagãos, vida à paxá,
Nós leremos, aceita este meu voto,
O Flos-Sanctorum místico e devoto
E o laxo Cavalheiro de Flaublas...
Cesário Verde
pindaro
A todos avivente
Eu cantarei de amor tão docemente
Eu cantarei de amor tão docemente,
Por uns termos em si tão concertados,
Que dois mil acidentes namorados
Faça sentir ao peito que não sente.
Farei que amor a todos avivente,
Pintando mil segredos delicados,
Brandas iras, suspiros magoados,
Temerosa ousadia e pena ausente.
Também, Senhora, do desprezo honesto
De vossa vista branda e rigorosa,
Contentar-me-ei dizendo a menor parte.
Porém, pera cantar de vosso gesto
A composição alta e milagrosa
Aqui falta saber, engenho e arte.
Luís de Camões
pindaro
E outras nenhumas não
Flores para Coimbra
Que mil flores desabrochem. Que mil flores
(outras nenhumas) onde amores fenecem
que mil flores floresçam onde só dores
florescem.
Que mil flores desabrochem. Que mil espadas
(outras nenhumas não)
onde mil flores com espadas são cortadas
que mil espadas floresçam em cada mão.
Que mil espadas floresçam
onde só penas são.
Antes que amores feneçam
que mil flores desabrochem. E outras nenhumas não.
Manuel Alegre
pindaro
Que mil flores desabrochem. Que mil flores
(outras nenhumas) onde amores fenecem
que mil flores floresçam onde só dores
florescem.
Que mil flores desabrochem. Que mil espadas
(outras nenhumas não)
onde mil flores com espadas são cortadas
que mil espadas floresçam em cada mão.
Que mil espadas floresçam
onde só penas são.
Antes que amores feneçam
que mil flores desabrochem. E outras nenhumas não.
Manuel Alegre
pindaro
Sugestão de incêndio
CORPO DE MULHER
alvos ramos de algas marinhas
rumores de alucinado cardume
pássaro e peixe em vôo único
e música de vastíssimo oceano
de um mergulho teu corpo age
sua natureza de sal e esponja
gravita sua substância de coral
na ciência submersa de meu corpo
e toda a sua revolta matéria
se acumula na carne e rebenta
em delírio de espuma e maresia
eis o meu fôlego te habitando
cumprindo sua viagem de ondas
sopra o vento em nuvens de areia
e escreve orgasmo na pele do mar
II
corpo de mulher orvalho e mergulho
tua chama engendra sol e continente
abriga orgasmo ventania colisão
e toda a substância que nos aquece
vem de tua fosforescente matéria
de tua severa sugestão de incêndio.
Floriano Martins
pindaro
alvos ramos de algas marinhas
rumores de alucinado cardume
pássaro e peixe em vôo único
e música de vastíssimo oceano
de um mergulho teu corpo age
sua natureza de sal e esponja
gravita sua substância de coral
na ciência submersa de meu corpo
e toda a sua revolta matéria
se acumula na carne e rebenta
em delírio de espuma e maresia
eis o meu fôlego te habitando
cumprindo sua viagem de ondas
sopra o vento em nuvens de areia
e escreve orgasmo na pele do mar
II
corpo de mulher orvalho e mergulho
tua chama engendra sol e continente
abriga orgasmo ventania colisão
e toda a substância que nos aquece
vem de tua fosforescente matéria
de tua severa sugestão de incêndio.
Floriano Martins
pindaro
quinta-feira, agosto 18, 2005
Pecar em segredo
“Os piratas, esses sim, tinham aplomb e conheciam as sombras”
anónimo
É o que se tira da carta à rainha, da pluma de Sir Walter Raleigh:
“Dêem-me a minha concha de silêncio,
O meu bordão de fé, para me amparar,
A minha escritura de júbilo, imortal dieta,
A minha garrafa de salvação,
A minha toga de glória, verdadeiro penhor de esperança,
E então farei a peregrinação.”
O navegante, dominador que era de obscuridades subtis, tinha por certo lido os ensinamentos do grande Giordano Bruno em “The shadows of ideas”:
“A sombra tempera a luz...As sombras não se dissolvem,
Mas mantêm e protegem a luz que há em nós
E conduzem-nos ao conhecimento e à recordação.”
Mais tarde, Sir Thomas Browne, gourmet de trevas e sombreados, dado a sínteses, dobrou esta esquina bicuda com um simples adágio no imperecível “Urne-Burial & Garden of Cyrus”:
“A noite do tempo supera em muito o dia.”
(Percebe-se a tirada de Virgínia Woolf: “But why fly in the face of facts? Few people love the writings of Sir Thomas Browne, but those who do are of the salt of the Earth.”)
Foi depois que Voltaire, dando moldura às estátuas e aos vultos, arrematou todo o tema das sombras com um belíssimo sinal da cruz:
“É o escândalo público que faz a ofensa, pecar em segredo não é sequer pecar.”
Solino
anónimo
É o que se tira da carta à rainha, da pluma de Sir Walter Raleigh:
“Dêem-me a minha concha de silêncio,
O meu bordão de fé, para me amparar,
A minha escritura de júbilo, imortal dieta,
A minha garrafa de salvação,
A minha toga de glória, verdadeiro penhor de esperança,
E então farei a peregrinação.”
O navegante, dominador que era de obscuridades subtis, tinha por certo lido os ensinamentos do grande Giordano Bruno em “The shadows of ideas”:
“A sombra tempera a luz...As sombras não se dissolvem,
Mas mantêm e protegem a luz que há em nós
E conduzem-nos ao conhecimento e à recordação.”
Mais tarde, Sir Thomas Browne, gourmet de trevas e sombreados, dado a sínteses, dobrou esta esquina bicuda com um simples adágio no imperecível “Urne-Burial & Garden of Cyrus”:
“A noite do tempo supera em muito o dia.”
(Percebe-se a tirada de Virgínia Woolf: “But why fly in the face of facts? Few people love the writings of Sir Thomas Browne, but those who do are of the salt of the Earth.”)
Foi depois que Voltaire, dando moldura às estátuas e aos vultos, arrematou todo o tema das sombras com um belíssimo sinal da cruz:
“É o escândalo público que faz a ofensa, pecar em segredo não é sequer pecar.”
Solino
Luz de relâmpagos agrupados
"A ausência está para o amor como o vento para o fogo: apaga o pequeno, ateia o grande."
Os prazeres de amor são males que se fazem desejar, deslizantes como segredos, e a sua linguagem é a do fluxo das marés.
Coisas de naufrágios, portanto, onde se sentem bem os náufragos.
Um deles, Giovan Battista Marino, bem dizia:
“Ahi, ch´altro non risponde, che il mormorar de l´onde!”,
e uma outra, Ayn Rand, percebeu, nas luzes da noite, que ninguém consegue escapar à necessidade de uma filosofia e que a única variação é se sua filosofia é escolhida por si próprio ou pelo acaso...
Ressemantizadas as frases, do que se trata é de fingir de verdade, como uma luz de relâmpagos agrupados, sabendo que - outro náufrago, Scott Fitzgerald – toda a boa escrita é nadar debaixo de água com a respiração suspensa.
Afinal, quem mareou ao redor da ilha do dia antes, sabe que há pessoas que nunca se apaixonariam se não tivessem ouvido falar do amor...
solino
Os prazeres de amor são males que se fazem desejar, deslizantes como segredos, e a sua linguagem é a do fluxo das marés.
Coisas de naufrágios, portanto, onde se sentem bem os náufragos.
Um deles, Giovan Battista Marino, bem dizia:
“Ahi, ch´altro non risponde, che il mormorar de l´onde!”,
e uma outra, Ayn Rand, percebeu, nas luzes da noite, que ninguém consegue escapar à necessidade de uma filosofia e que a única variação é se sua filosofia é escolhida por si próprio ou pelo acaso...
Ressemantizadas as frases, do que se trata é de fingir de verdade, como uma luz de relâmpagos agrupados, sabendo que - outro náufrago, Scott Fitzgerald – toda a boa escrita é nadar debaixo de água com a respiração suspensa.
Afinal, quem mareou ao redor da ilha do dia antes, sabe que há pessoas que nunca se apaixonariam se não tivessem ouvido falar do amor...
solino
Nusquama (nenhures)
"Navegavam sem o mapa que faziam"
sophia de melo breyner
O deslumbramento e a nostalgia da errância vão discorrendo por entre as emboscadas das horas.
É voltar a soltar amarras, é voltar a peregrinar o sul dos encantos, que só o incessante rumor da distância nos redime.
Leonardo
sophia de melo breyner
O deslumbramento e a nostalgia da errância vão discorrendo por entre as emboscadas das horas.
É voltar a soltar amarras, é voltar a peregrinar o sul dos encantos, que só o incessante rumor da distância nos redime.
Leonardo
Língua aprazível
“...e, levantando-se ele, se despediram todos com muita cortesia, deixando ao senhor da casa magoado de se acabar tão depressa a conversação; que quem sabe estimar a que é tão boa, tem sentimento das horas que dela perde.”
F.R.L
“(...)- Bravamente é apaixonado o senhor D. Júlio (acudiu o Doutor) pelas cousas da nossa Pátria, e tem razão, que é dívida que os nobres devem pagar com maior pontualidade à terra que os criou.
E verdadeiramente que não tenho a nossa língua por grosseira, nem por bons os argumentos com que alguns querem provar que é essa; antes é branda para deleitar, grave para engrandecer, eficaz para mover, doce para pronunciar, breve para resolver e acomodada às matérias mais importantes da prática e da escritura.
Para falar é engraçada com um todo senhoril, para cantar é suave com um certo movimento que favorece a música; para pregar é substanciosa, com uma gravidade que autoriza as razões e as sentenças; para escrever cartas nem tem infinita cópia que dane, nem brevidade estéril que a limite; para histórias nem é tão florida que se derrame, nem tão seca que busque o favor das alheias.
A pronunciação não obriga a ferir o céu da boca com aspereza, nem a arrancar as palavras com veemência de gargalo.
Escreve-se da maneira que se lê, e assim se fala.
Tem de todas as línguas o melhor: a pronunciação da Latina, a origem da Grega, a familiaridade da Castelhana, a brandura da Francesa, a elegância da Italiana.
Tem mais adágios e sentenças que todas as vulgares, em fé da sua antiguidade.
E se à língua Hebreia, pela honestidade das palavras, chamaram santa, certo que não sei eu outra que tanto fuja de palavras claras em matéria descomposta quanto a nossa.
E, para que diga tudo, só um mal tem: e é que, pelo pouco que lhe querem os seus naturais, a trazem mais remendada que capa de pedinte.(...)“
Francisco Roíz Lobo
pindaro
F.R.L
“(...)- Bravamente é apaixonado o senhor D. Júlio (acudiu o Doutor) pelas cousas da nossa Pátria, e tem razão, que é dívida que os nobres devem pagar com maior pontualidade à terra que os criou.
E verdadeiramente que não tenho a nossa língua por grosseira, nem por bons os argumentos com que alguns querem provar que é essa; antes é branda para deleitar, grave para engrandecer, eficaz para mover, doce para pronunciar, breve para resolver e acomodada às matérias mais importantes da prática e da escritura.
Para falar é engraçada com um todo senhoril, para cantar é suave com um certo movimento que favorece a música; para pregar é substanciosa, com uma gravidade que autoriza as razões e as sentenças; para escrever cartas nem tem infinita cópia que dane, nem brevidade estéril que a limite; para histórias nem é tão florida que se derrame, nem tão seca que busque o favor das alheias.
A pronunciação não obriga a ferir o céu da boca com aspereza, nem a arrancar as palavras com veemência de gargalo.
Escreve-se da maneira que se lê, e assim se fala.
Tem de todas as línguas o melhor: a pronunciação da Latina, a origem da Grega, a familiaridade da Castelhana, a brandura da Francesa, a elegância da Italiana.
Tem mais adágios e sentenças que todas as vulgares, em fé da sua antiguidade.
E se à língua Hebreia, pela honestidade das palavras, chamaram santa, certo que não sei eu outra que tanto fuja de palavras claras em matéria descomposta quanto a nossa.
E, para que diga tudo, só um mal tem: e é que, pelo pouco que lhe querem os seus naturais, a trazem mais remendada que capa de pedinte.(...)“
Francisco Roíz Lobo
pindaro
Zona de contacto
“Senhor de San Patrizio – disse Mazarino aproximando um prato de lavagantes vivos que pareciam cozidos de um de lavagantes cozidos que pareciam vivos…”
Umberto Eco
Servem-se por agora não a aboborinha com alho e hortelã e os espetinhos de moela, mas, à guisa de petisco d´alma, sabores espirituais entremeados segundo a sabida regra de Iriarte, que, epigramas, queria-os como abelhas:
“A la abeja semejante
para que cause placer,
el epigrama há de ser
pequeno, dulce e punzante.”
Pensamentos de talher, servidos sem guarnição pelos vateis maiores da santa terrinha.
A esmo, os relances de Camilo, Eça e Fialho:
“Consta que ele foi typographo em Coimbra para pagar os estudos.Não havia de gastar muito se pagou o que sabe”
“…esses apenas produzem vegetalidades de folhagem amarellada, e alguns tortulhos bravos de espécie venenosa, rajados pela peçonha das velhas inépcias.”
“Trajava com elegância, vestia luva gema de ovo todos os dias, e aos domingos alugava cavalo.”
“Naquele tempo até as mulheres de espírito ruim me pareciam boas.”
“Diz adeus às tuas cabrinhas que eu volto já, filha…”
“Tinha a dose de velhacaria que a natureza concede a cada tolo maior de marca.”
Ccb
“Tinha muita lição de livro mau donde sacava virtuosas parvoiçadas, mas habitava nele um gosto depravado pelo fadinho e um justo amor pelo bacalhau de cebolada.”
“Nesse momento estalavam foguetes ao longe, Lembrei-me que era domingo, dia de touros: de repente uma visão rebrilhou, flamejou, atraindo-me deliciosamente:
- era a tourada vista de um camarote; depois um jantar com champagne; à noite, a orgia, como uma iniciação!Corri à mesa. Atulhei as algibeiras de letras sobre Londres. Descia rua com um furor de abutre fendendo o ar contra a presa.Uma caleche passava, vazia. Detive-a, berrei:
- Aos touros! “
EdQ
“Duas horas de sala de armas, alguns minutos de cabeleireiro e de clube, um bom alfaiate, uma ponta de desdém, e certo ar fatigado de quem esperdiça a vida sem lhe saborear dos proveitos, bastarão para dar o elegante.”
“Gosto do Parlamento como gosto dos toiros, para me estontear um instante na mancha ondeante das cabeças, nos borborinhos d´entrada, e de sahida, e finalmente, no investir do primeiro bicho.”
“…só aguardam, para bem servir o Estado, que o Estado lhes sirva a eles coito onde amozendem a preguiça gososa que os derranca.”
“Homem, isso não é música, é um boi que saltou a trincheira do sol!Ora queira embolar-se, amigo Pratas, e fazer o favor de seguir o que lá está.”
FdA,
E depois, mesmo a esmo, as citações, já contava Benjamim, são como ladrões de estradas, que fazem um ataque armado e aliviam um ocioso das suas convicções.
Doutor Lívio
Umberto Eco
Servem-se por agora não a aboborinha com alho e hortelã e os espetinhos de moela, mas, à guisa de petisco d´alma, sabores espirituais entremeados segundo a sabida regra de Iriarte, que, epigramas, queria-os como abelhas:
“A la abeja semejante
para que cause placer,
el epigrama há de ser
pequeno, dulce e punzante.”
Pensamentos de talher, servidos sem guarnição pelos vateis maiores da santa terrinha.
A esmo, os relances de Camilo, Eça e Fialho:
“Consta que ele foi typographo em Coimbra para pagar os estudos.Não havia de gastar muito se pagou o que sabe”
“…esses apenas produzem vegetalidades de folhagem amarellada, e alguns tortulhos bravos de espécie venenosa, rajados pela peçonha das velhas inépcias.”
“Trajava com elegância, vestia luva gema de ovo todos os dias, e aos domingos alugava cavalo.”
“Naquele tempo até as mulheres de espírito ruim me pareciam boas.”
“Diz adeus às tuas cabrinhas que eu volto já, filha…”
“Tinha a dose de velhacaria que a natureza concede a cada tolo maior de marca.”
Ccb
“Tinha muita lição de livro mau donde sacava virtuosas parvoiçadas, mas habitava nele um gosto depravado pelo fadinho e um justo amor pelo bacalhau de cebolada.”
“Nesse momento estalavam foguetes ao longe, Lembrei-me que era domingo, dia de touros: de repente uma visão rebrilhou, flamejou, atraindo-me deliciosamente:
- era a tourada vista de um camarote; depois um jantar com champagne; à noite, a orgia, como uma iniciação!Corri à mesa. Atulhei as algibeiras de letras sobre Londres. Descia rua com um furor de abutre fendendo o ar contra a presa.Uma caleche passava, vazia. Detive-a, berrei:
- Aos touros! “
EdQ
“Duas horas de sala de armas, alguns minutos de cabeleireiro e de clube, um bom alfaiate, uma ponta de desdém, e certo ar fatigado de quem esperdiça a vida sem lhe saborear dos proveitos, bastarão para dar o elegante.”
“Gosto do Parlamento como gosto dos toiros, para me estontear um instante na mancha ondeante das cabeças, nos borborinhos d´entrada, e de sahida, e finalmente, no investir do primeiro bicho.”
“…só aguardam, para bem servir o Estado, que o Estado lhes sirva a eles coito onde amozendem a preguiça gososa que os derranca.”
“Homem, isso não é música, é um boi que saltou a trincheira do sol!Ora queira embolar-se, amigo Pratas, e fazer o favor de seguir o que lá está.”
FdA,
E depois, mesmo a esmo, as citações, já contava Benjamim, são como ladrões de estradas, que fazem um ataque armado e aliviam um ocioso das suas convicções.
Doutor Lívio
VARIAÇÕES SOBRE UM CORPO
Dá a surpresa de ser.
É alta, de um louro escuro.
Faz bem só pensar em ver
Seu corpo meio maduro.
Seus seios altos parecem
(Se ela estivesse deitada)
Dois montinhos que amanhecem
Sem ter que haver madrugada.
E a mão do seu braço branco
Assenta em palmo espalhado
Sobre a saliência do flanco
Do seu relevo tapado.
Apetece como um barco.
Tem qualquer coisa de gomo.
Meu Deus, quando é que eu embarco?
Ó fome, quando é que eu como?
Fernando Pessoa
Variações sobre um corpo
pindaro
É alta, de um louro escuro.
Faz bem só pensar em ver
Seu corpo meio maduro.
Seus seios altos parecem
(Se ela estivesse deitada)
Dois montinhos que amanhecem
Sem ter que haver madrugada.
E a mão do seu braço branco
Assenta em palmo espalhado
Sobre a saliência do flanco
Do seu relevo tapado.
Apetece como um barco.
Tem qualquer coisa de gomo.
Meu Deus, quando é que eu embarco?
Ó fome, quando é que eu como?
Fernando Pessoa
Variações sobre um corpo
pindaro
Nesta curva tão terna
"Nos teus olhos altamente perigosos
vigora ainda o mais rigoroso amor
a luz de ombros puros e a sombra
de uma angústia já purificada
(...)
Nesta curva tão terna e lancinante
que vai ser que já é o teu desaparecimento
digo-te adeus e como um adolescente
tropeço de ternura
por ti."
Alexandre O´Neill
pindaro
vigora ainda o mais rigoroso amor
a luz de ombros puros e a sombra
de uma angústia já purificada
(...)
Nesta curva tão terna e lancinante
que vai ser que já é o teu desaparecimento
digo-te adeus e como um adolescente
tropeço de ternura
por ti."
Alexandre O´Neill
pindaro
segunda-feira, agosto 15, 2005
Que não se muda já como soía
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.
O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.
E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.
Luís de Camões
pindaro
domingo, agosto 14, 2005
Um farol ou um molinete
Compraste uma tanga cara
Com um toiro nos pintelhos:
Assim, abaixas a cara
Ao matador de joelhos.
E quando todos esperavam
Um farol ou um molinete,
Sua ruína em praça cavam
à bicha para o ...... .
....
Trocaste o teu biquini
Com um toiro a meio galho
Por um boné Liberty
Prá cabeça do .......
O troféu, dos mais gabados
Reservaste-o ( «merde, alors!» )
Para o moço de forcados
Que tenha a piça maior.
vitorino nemésio
Com um toiro nos pintelhos:
Assim, abaixas a cara
Ao matador de joelhos.
E quando todos esperavam
Um farol ou um molinete,
Sua ruína em praça cavam
à bicha para o ...... .
....
Trocaste o teu biquini
Com um toiro a meio galho
Por um boné Liberty
Prá cabeça do .......
O troféu, dos mais gabados
Reservaste-o ( «merde, alors!» )
Para o moço de forcados
Que tenha a piça maior.
vitorino nemésio
pindaro
Dóceis ao rito
SOBE O PANO
Onde se solta estrangulado grito
Humaniza-se a vida e sobe o pano.
Chegam aparições dóceis ao rito
Vindas do fosso mais fundo do humano.
Ilumina-se a cena e é soberano,
no palco, o real oculto no conflito.
É tragédia? É comédia? É, por engano,
O sequestro de um deus num barro aflito?
É o teatro: a magia que descobre
O rosto que a cara do homem cobre,
E reflectidos no teu espelho - o actor -
Os teus fantasmas levam-te para onde
O tempo puro que te corresponde
Entre horas ardidas está em flor.
Natália Correia
pindaro
Tristezas leva-as o vento
CANÇAO DA NÉVOA
Tristezas leva-as o vento;
Vão no vento; andam no ar...
Anda a espuma à tona de água
E à flor da noite o luar...
Vindes dum peito que sofre?
De uma folha a estiolar?
Donde vindes, donde vindes,
Tristezas que andais no ar?
Eflúvios, emanações,
Saídas da terra e do mar,
Sois nevoeiros de lágrimas
Que o vento espalha, no ar...
Suspiros brandos e leves
De avezinhas a expirar;
Ermas sombras de canções
Que ficaram por cantar!
Brancas tristezas subindo
Das fontes, que vão secar!
E das sombras que, à noitinha,
Ouve a gente murmurar.
Saudades, melancolias,
Que o Poeta vai aspirar...
Melancolias e mágoas,
Que são almas a voar.
E o Poeta solitário
Fica a cismar, a cismar...
Todo embebido em tristezas,
Levadas na onda do ar...
E o Poeta se transfigura,
É a voz do mundo a falar!
E aquela voz também vai
No vento que anda no ar...
Teixeira de Pascoaes
pindaro
Tristezas leva-as o vento;
Vão no vento; andam no ar...
Anda a espuma à tona de água
E à flor da noite o luar...
Vindes dum peito que sofre?
De uma folha a estiolar?
Donde vindes, donde vindes,
Tristezas que andais no ar?
Eflúvios, emanações,
Saídas da terra e do mar,
Sois nevoeiros de lágrimas
Que o vento espalha, no ar...
Suspiros brandos e leves
De avezinhas a expirar;
Ermas sombras de canções
Que ficaram por cantar!
Brancas tristezas subindo
Das fontes, que vão secar!
E das sombras que, à noitinha,
Ouve a gente murmurar.
Saudades, melancolias,
Que o Poeta vai aspirar...
Melancolias e mágoas,
Que são almas a voar.
E o Poeta solitário
Fica a cismar, a cismar...
Todo embebido em tristezas,
Levadas na onda do ar...
E o Poeta se transfigura,
É a voz do mundo a falar!
E aquela voz também vai
No vento que anda no ar...
Teixeira de Pascoaes
pindaro
Andanças do mesmo todo
LIVRO DE HORAS
Aqui, diante de mim,
Eu, pecador, me confesso
De ser assim como sou.
Me confesso o bom e o mau
Que vão ao leme da nau
Nesta deriva em que vou.
Me confesso
Possesso
Das virtudes teologais,
Que são três,
E dos pecados mortais,
Que são sete,
Quando a terra não repete
Que são mais.
Me confesso
O dono das minhas horas.
O das facadas cegas e raivosas
E o das ternuras lúcidas e mansas.
E de ser de qualquer modo
Andanças
Do mesmo todo.
Me confesso de ser charco
E luar de charco, à mistura.
De ser a corda do arco
Que atira setas acima
E abaixo da minha altura.
Me confesso de ser tudo
Que possa nascer em mim.
De ter raízes no chão
Desta minha condição.
Me confesso de Abel e de Caim.
Me confesso de ser Homem.
De ser um anjo caído
Do tal céu que Deus governa;
De ser um monstro saído
Do buraco mais fundo da caverna.
Me confesso de ser eu.
Eu, tal e qual como vim
Para dizer que sou eu
Aqui, diante de mim!
Miguel Torga
pindaro
Aqui, diante de mim,
Eu, pecador, me confesso
De ser assim como sou.
Me confesso o bom e o mau
Que vão ao leme da nau
Nesta deriva em que vou.
Me confesso
Possesso
Das virtudes teologais,
Que são três,
E dos pecados mortais,
Que são sete,
Quando a terra não repete
Que são mais.
Me confesso
O dono das minhas horas.
O das facadas cegas e raivosas
E o das ternuras lúcidas e mansas.
E de ser de qualquer modo
Andanças
Do mesmo todo.
Me confesso de ser charco
E luar de charco, à mistura.
De ser a corda do arco
Que atira setas acima
E abaixo da minha altura.
Me confesso de ser tudo
Que possa nascer em mim.
De ter raízes no chão
Desta minha condição.
Me confesso de Abel e de Caim.
Me confesso de ser Homem.
De ser um anjo caído
Do tal céu que Deus governa;
De ser um monstro saído
Do buraco mais fundo da caverna.
Me confesso de ser eu.
Eu, tal e qual como vim
Para dizer que sou eu
Aqui, diante de mim!
Miguel Torga
pindaro
O Longe e a Miragem
CÂNTICO NEGRO
"Vem por aqui" - dizem-me alguns com olhos doces,
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho os com olhos lassos,
(Há nos meus olhos ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha Mãe.
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde,
Porque me repetis: "Vem por aqui"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?
Corre nas vossas veias sangue velho dos avós.
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátrias, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios.
Eu tenho a minha Loucura!
Levanto-a como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou,
- Sei que não vou por aí!
José Régio
pindaro
sexta-feira, agosto 12, 2005
Tienes líneas de luna
"Por qué se me vendrá todo el amor de golpe
cuando me siento triste, y te siento lejana ..."
DESNUDA
Desnuda eres tan simple como una de tus manos:
lisa, terrestre, mínima, redonda, transparente.
Tienes líneas de luna, caminos de manzana.
Desnuda eres delgada como el trigo desnudo.
Desnuda eres azul como la noche en Cuba:
tienes enredaderas y estrellas en el pelo.
Desnuda eres redonda y amarilla
como el verano en una iglesia de oro.
Desnuda eres pequeña como una de tus uñas:
curva, sutil, rosada hasta que nace el día
y te metes en el subterráneo del mundo
como en un largo túnel de trajes y trabajos:
tu claridad se apaga, se viste, se deshoja
y otra vez vuelve a ser una mano desnuda.
Pablo Neruda
pindaro
cuando me siento triste, y te siento lejana ..."
DESNUDA
Desnuda eres tan simple como una de tus manos:
lisa, terrestre, mínima, redonda, transparente.
Tienes líneas de luna, caminos de manzana.
Desnuda eres delgada como el trigo desnudo.
Desnuda eres azul como la noche en Cuba:
tienes enredaderas y estrellas en el pelo.
Desnuda eres redonda y amarilla
como el verano en una iglesia de oro.
Desnuda eres pequeña como una de tus uñas:
curva, sutil, rosada hasta que nace el día
y te metes en el subterráneo del mundo
como en un largo túnel de trajes y trabajos:
tu claridad se apaga, se viste, se deshoja
y otra vez vuelve a ser una mano desnuda.
Pablo Neruda
pindaro
El corazón en su latido
NOCHE DE VERANO
Pulsas, palpas el cuerpo de la noche,
verano que te bañas en los ríos,
soplo en el que se ahogan las estrellas,
aliento de una boca,
de unos labios de tierra.
Tierra de labios, boca
donde un infierno agónico jadea,
labios en donde el cielo llueve
y el agua canta y nacen paraísos.
Se incendia el árbol de la noche
y sus astillas son estrellas,
son pupilas, son pájaros.
Fluyen ríos sonámbulos.
Lenguas de sal incandescente
contra una playa oscura.
Todo respira, vive, fluye:
la luz en su temblor,
el ojo en el espacio,
el corazón en su latido,
la noche en su infinito.
Un nacimiento oscuro, sin orillas,
nace en la noche de verano,
en tu pupila nace todo el cielo.
Octavio Paz
pindaro
Pulsas, palpas el cuerpo de la noche,
verano que te bañas en los ríos,
soplo en el que se ahogan las estrellas,
aliento de una boca,
de unos labios de tierra.
Tierra de labios, boca
donde un infierno agónico jadea,
labios en donde el cielo llueve
y el agua canta y nacen paraísos.
Se incendia el árbol de la noche
y sus astillas son estrellas,
son pupilas, son pájaros.
Fluyen ríos sonámbulos.
Lenguas de sal incandescente
contra una playa oscura.
Todo respira, vive, fluye:
la luz en su temblor,
el ojo en el espacio,
el corazón en su latido,
la noche en su infinito.
Un nacimiento oscuro, sin orillas,
nace en la noche de verano,
en tu pupila nace todo el cielo.
Octavio Paz
pindaro
Abre bahías
EL MAR, EL MAR Y TÚ...
El mar, el mar y tú, plural espejo,
el mar de torso perezoso y lento
nadando por el mar, del mar sediento:
el mar que muere y nace en un reflejo.
El mar y tú, su mar, el mar espejo:
roca que escala el mar con paso lento,
pilar de sal que abate el mar sediento,
sed y vaivén y apenas un reflejo.
De la suma de instantes en que creces,
del círculo de imágenes del año,
retengo un mes de espumas y de peces,
y bajo cielos líquidos de estaño
tu cuerpo que en la luz abre bahías
al oscuro oleaje de los días.
Octavio Paz
pindaro
Incendiada epidermis
"Te escalaré en silencio, exhausta de anhelarte
y seremos dos leños nutriendo el mismo fuego"
AMANTES
Ascendente marea creciendo en lenta fiebre
los amantes se buscan y enlazan dulcemente,
como árboles que avanzan,
cumpliendo su destino de incendiada epidermis.
De pie son dos espadas que luchan tercamente
por distraer la muerte,tendidos son dos ríos fluyendo hacia el instante
que anula la sellada consigna del olvido.
Y si el mundo, impaciente,
se sale de sus goznes, estalla o se disuelve,
los amantes lo ignoran, apenas necesitan
el canto de su sangre,
su vida recobrada en húmedas batallas
y las pequeñas muertes en cada despedida.
Flor Alba Uribe
pindaro
quinta-feira, agosto 11, 2005
Lambarice
Entrada, peixe, fruta e doce
A ostra voraz.
A pera empinada,
fremente o bico.
O morango encarnado,
namoro fugaz
de boca.
Leva-me na tua garoupa
até ao leite de creme.
D. Júlio
Y navego en cada resonancia
"He aquí que el silencio fue integrado
por el total de la palabra humana,
y no hablar es morir entre los seres:
se hace lenguaje hasta la cabellera,
habla la boca sin mover los labios,
los ojos de repente son palabras......
Yo tomo la palabra y la recorro
como si fuera sólo
forma humana,
me embelesan sus líneas
y navego
en cada resonancia del idioma..."
Pablo Neruda
pindaro
Tinge de beijos a minha fome
OUTRO
Um par abraça-se e tinge
De beijos a minha fome
De Marga, que me consome
Num beijo até à laringe.
Como a um toureiro de nome
Um sátiro vibra a siringe…
Mas só a poesia o finge.
vitorino nemésio
pindaro
Que eu amo o amor é verdade
Mulher, Poesia, Música
- Vinícius, acho que vamos conversar sobre mulheres, poesia e música. Sobre mulheres porque corre a fama de que você é um grande amante. Sobre poesia porque você é um dos nossos grandes poetas. Sobre música porque você é o nosso menestrel. Vinícius, você amou realmente alguém na vida? Telefonei para uma das mulheres com quem você casou, e ela disse que você ama tudo, a tudo você se dá inteiro: a crianças, a mulheres, a amizades. Então me veio a idéia de que você ama o amor, e nele inclui as mulheres.
- Que eu amo o amor é verdade. Mas por esse amor eu compreendo a soma de todos os amores, ou seja, o amor de homem para mulher, de mulher para homem, o amor de mulher por mulher, o amor de homem para homem e o amor de ser humano pela comunidade de seus semelhantes.
Eu amo esse amor mas isso não quer dizer que eu não tenha amado as mulheres que tive. Tenho a impressão que, àquelas que amei realmente, me dei todo.
- Acredito, Vinícius. Acredito mesmo. Embora eu também acredite que quando um homem e uma mulher se encontram num amor verdadeiro, a união é sempre renovada, pouco importam as brigas e os desentendimentos: duas pessoas nunca são permanentemente iguais e isso pode criar no mesmo par novos amores.
- É claro, mas eu ainda acho que o amor que constrói para a eternidade é o amor paixão, o mais precário, o mais perigoso, certamente o mais doloroso. Esse amor é o único que tem a dimensão do infinito.
- Você já amou desse modo?
- Eu só tenho amado desse modo.
- Você acaba um caso porque encontra outra mulher ou porque se cansa da primeira?
- Na minha vida tem sido como se uma mulher me depositasse nos braços de outra. Isso talvez porque esse amor paixão pela sua própria intensidade não tem condições de sobreviver. Isso acho que está expresso com felicidade no dístico final do meu soneto "Fidelidade":
"que não seja imortal posto que é chama / mas que seja infinito enquanto dure".
- Você sabe que é um ídolo para a juventude? Será que agora que apareceu o Chico, as mocinhas trocaram de ídolo, as mocinhas e os mocinhos?
- Acho que é diferente. A juventude procura em mim o pai amigo, que viveu e que tem uma experiência a transmitir. Chico não, é ídolo mesmo, trata-se de idolatria.
- Você suporta ser ídolo? Eu não suportaria.
- Às vezes fico mal-humorado. Mas uma dessas moças explicou: é que você, Vinícius, vive nas estantes dos nossos livros, nas canções que todo mundo canta, na televisão. Você vive conosco, em nossa casa.
- Qual é a artista de cinema que você amaria?
- Marilyn Monroe. Foi um dos seres mais lindos que já nasceram. Se só exisitisse ela, já justificaria a existência dos Estados Unidos. Eu casaria com ela e certamente não daria certo porque é difícil amar uma mulher tão célebre. Só sou ciumento fisicamente, é o ciúme de bicho, não tenho outro.
- Fale-me sobre sua música.
- Não falo de mim como músico, mas como poeta. Não separo a poesia que está nos livros da que está nas canções.
- Vinícius, você já se sentiu sozinho na vida? Já sentiu algum desamparo?- Acho que sou um homem bastante sozinho. Ou pelo menos eu tenho um sentimento muito agudo da solidão.
- Isso explicaria o fato de você amar tanto, Vinícius.
- O fato de querer me comunicar tanto.
- Você sabe que admiro muito seus poemas, e, mais do que gostar, eu os amo. O que é a poesia para você?
- Não sei, eu nunca escrevo poemas abstratos, talvez seja o modo de tornar a realidade mágica aos meus próprios olhos. De envolvê-la com esse tecido que dá uma dimensão mais profunda e conseqüentemente mais bela.-
Reflita um pouco e me diga qual é a coisa mais importante do mundo, Vinícius?
- Para mim é a mulher, certamente.
- Você quer falar sobre sua música? Estou esperando.
- Dizem, na minha família, que eu cantei antes de falar. E havia uma cançãozinha que eu repetia e que tinha um leve tema de sons. Fui criado no mundo da música, minha mãe e minha avó tocavam piano, eu me lembro de como me machucavam aquelas valsas antigas.
- Meu pai também tocava violão, cresci ouvindo música. Depois a poesia fez o resto. (Fizemos uma pausa. Ele continuou:)
- Tenho tanta ternura pela sua mão queimada...(Emocionei-me e entendi que este homem envolve uma mulher de carinho.) Vinícius disse, tomando um gole de uísque:
- É curioso, a alegria não é um sentimento nem uma atmosfera de vida nada criadora. Eu só sei criar na dor e na tristeza, mesmo que as coisas que resultem sejam alegres. Não me considero uma pessoa negativa, quer dizer, eu não deprimo o ser humano. É por isso que acho que estou vivendo num momento de equilíbrio infecundo do qual estou tentando me libertar. O paradigma máxima para mim seria: a calma no seio da paixão. Mas realmente não sei se é um ideal humanamente atingível.
- Como é que você se deu dentro da vida diplomática, você que é o antiformal por excelência, você que é livre por excelência?
- Acontece que detesto tudo o que oprime o homem, inclusive a gravata. Ora, é notório que o diplomata é um homem que usa gravata. Dentro da diplomacia fiz bons amigos até hoje. Depois houve outro fato: as raízes e o sangue falaram mais alto. Acho muito difícil um homem que não volta ao seu quintal, para chegar ou pelo menos aproximar-se do conhecimento de si mesmo.- Como pessoa, Vinícius, o que é que desejaria alcançar?
- Eu desejaria alcançar outra coisa. Isso de calma no seio da paixão. Mas desejaria alcançar uma tal capacidade de amar que me pudesse fazer útil aos meus semelhantes.
- Quero lhe pedir um favor: faça um poema agora mesmo. Tenho certeza de que não será banal. Se você quiser, Menestrel, fale o seu poema.
- Meu poema é em duas linhas: você escreve uma palavra em cima e outra em baixo porque é um verso.É assim:Clarice Lispector
- Acho lindo o teu nome, Clarice.
- Você poderia me dizer quais as maiores emoções que já teve? Eu, por exemplo, tive tantas e tantas, boas e péssimas, que não ousaria falar delas.
- Minhas maiores emoções foram ligadas ao amor. O nascimento de filhos, as primeiras posses e os últimos adeuses. Mesmo tendo duas experiências de quase morte - desastre de avião e de carro - mesmo essa experiência de quase morte nem de longe se aproximou dessas emoções de que te falei.
- Você se sente feliz? Essa, Vinícius, é uma pergunta idiota, mas que eu gostaria que você respondesse.
- Se a felicidade existe, eu só sou feliz enquanto me queimo e quando a pessoa se queima não é feliz. A própria felicidade é dolorosa.Meditamos um pouco, conversamos mais ainda, Vinícius saiu. Então telefonei para cada uma das esposas de Vinícius.
- Como é que você se sente casada com Vinícius?Ela respondeu com aquela voz que é um murmúrio de pássaro:
- Muito bem. Ele me dá muito. E mais importante do que isso, ele me ajuda a viver, a conhecer a vida, a gostar das pessoas. Depois conversei com uma mocinha inteligente:
- A música de Vinícius, disse ela, fala muito de amor e a gente se identifica sempre com ela.- Você teria um 'caso' com ele?-
Não, porque apesar de achar Vinícius amorável, eu amo um outro homem. E Vinícius me revela ainda mais que eu amo aquele homem. A música dele faz a gente gostar ainda mais do amor. E "de repente, não mais que de repente", ele se transforma em outro: e é o nosso poetinha como o chamamos.
Eis pois alguns segredos de uma figura humanagrande e que vive a todo risco. Porque há grandeza em Vinícius de Morais.
clarice lispector/vinicius de morais
(Copyright © 2001 Klickescritores)
pindaro
Com o gládio erguido
A Tumba de Edgar Poe
Tal que a Si-mesmo enfim a Eternidade o guia,
Poeta suscita com o gládio erguido
Seu século espantado por não ter sabido
Que nessa estranha voz a morte se insurgia!
Vil sobressalto de hidra ante o anjo que urgia
Um sentido mais puro às palavras da tribo,
Proclamaram bem alto o sortilégio atribu-
Ído à onda sem honra de uma negra orgia.
Do solo e céu hostis, ó dor! Se o que descrevo
- A idéia sob - não esculpir baixo-relevo
Que ao túmulo de Poe luminescente indique,
Calmo bloco caído de um desastre obscuro,
Que este granito ao menos seja eterno dique
Aos vôos da Blasfêmia esparsos no futuro.
Stephane Mallarmé
pindaro
sexta-feira, agosto 05, 2005
Um não querer mais que bem querer
Amor é um fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.
É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.
Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?
luis vaz de camões
pindaro
Penso por dentro das palavras
"O ensino não é mera informação do saber mas norma de humanidade, testemunho do autêntico. Uma sociedade que só instituísse informações teóricas aplicáveis ao êxito rentável teria a civilização moribunda. É o grande risco da nossa."
"Toda a vida estudei de tudo e o mais que podia, para o que desse e viesse. Não me preparava dia a dia para amanhã e depois ou racionando, como a formiga, do Verão propício ao Inverno rigoroso.
Mas talvez não fosse apenas leviano, como a cigarra, pois nunca tive de dançar no Inverno e cantei sempre."
"Nisto de fabulário (...) cheguei a pensar em escrever eu mesmo a minha fábula, que seria O Rouxinol e o Mocho, para tentar tirar a limpo o que seria a moral da minha passagem por este mundo: pois já nos bons tempos de Coimbra eu era, entre os sábios aquiescentes, um poeta extraviado, e entre os poetas maliciosos um sábio enganado no número da porta..."
"Sessenta anos de letras fizeram de mim uma espécie de corrente contínua da fala - penso em acto, e como que já nem posso fazer funcionar o interruptor, esperar a caridade de um pouco de vida vegetativa, que os velhos tanto apreciam à imagem e esfíngica semelhança dos Gatos de Baudelaire, texto que por acaso não saltei nas minhas negligências de ofício...
"Como sou filólogo, linguista à antiga, penso por dentro das palavras e, aqui, recorro a Virgílio: Exerceo diem."
Vitorino Nemésio
(dezembro de 1971
ultima lição)
brventa
"Toda a vida estudei de tudo e o mais que podia, para o que desse e viesse. Não me preparava dia a dia para amanhã e depois ou racionando, como a formiga, do Verão propício ao Inverno rigoroso.
Mas talvez não fosse apenas leviano, como a cigarra, pois nunca tive de dançar no Inverno e cantei sempre."
"Nisto de fabulário (...) cheguei a pensar em escrever eu mesmo a minha fábula, que seria O Rouxinol e o Mocho, para tentar tirar a limpo o que seria a moral da minha passagem por este mundo: pois já nos bons tempos de Coimbra eu era, entre os sábios aquiescentes, um poeta extraviado, e entre os poetas maliciosos um sábio enganado no número da porta..."
"Sessenta anos de letras fizeram de mim uma espécie de corrente contínua da fala - penso em acto, e como que já nem posso fazer funcionar o interruptor, esperar a caridade de um pouco de vida vegetativa, que os velhos tanto apreciam à imagem e esfíngica semelhança dos Gatos de Baudelaire, texto que por acaso não saltei nas minhas negligências de ofício...
"Como sou filólogo, linguista à antiga, penso por dentro das palavras e, aqui, recorro a Virgílio: Exerceo diem."
Vitorino Nemésio
(dezembro de 1971
ultima lição)
brventa
quinta-feira, agosto 04, 2005
Pura semidéia
Transforma-se o amador na coisa amada,
Por virtude do muito imaginar;
Não tenho logo mais que desejar,
Pois em mim tenho a parte desejada.
Se nela está minha alma transformada,
Que mais deseja o corpo de alcançar?
Em si somente pode descansar,
Pois consigo tal alma está ligada.
Mas esta linda e pura semidéia,
Que, como o acidente em seu sujeito,
Assim como a alma minha se conforma,
Está no pensamento como idéia;
O vivo e puro amor de que sou feito,
Como a matéria simples busca a forma.
luis de camões
pindaro
Transbordamento de carícias
Eu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidos
Das horas que passei à sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentado
Pela graça indizível dos teus passos eternamente fugindo
Trago a doçura dos que aceitam melancolicamente.
E posso te dizer que o grande afeto que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas nem a fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras dos véus da alma...
É um sossego, uma unção, um transbordamento de carícias
E só te pede que te repouses quieta, muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite encontrem sem fatalidade o olhar extático da aurora.
Vinicius de Moraes
pindaro
quarta-feira, agosto 03, 2005
E traga o lume e a lenha
Venha o anjo da visita e do poema,
e traga o lume e a lenha
o incêndio pedido.
(...)
Mas o fruto humilhante da falência
Tem um azedo gosto que me excita
(...) Junquem de flores o chão do velho mundo:
Vem o futuro aí!
(...)
(...) este tormento Quotidiano;
(....) este lume secreto que nos queima
E que, mesmo apagado ou dominado, teima.
(...)
Canto como quem usa
Os versos em legitima defesa.
Canto, sem perguntar à Musa
Se o canto é de terror ou de beleza.
miguel torga
pindaro
A idade perigosa dos poetas é a dos versos
Se depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia,
Não há nada mais simples.Tem só duas datas - a da minha nascença e a da minha morte.
Entre uma e outra todos os dias são meus.
alberto caeiro
FERNANDO PESSOA - O POETA PORTUGUÊS
por José de Almada-Negreiros
(Publicado no Diário de Lisboa,em 6 de Dezembro de 1935,
em homenagem póstuma.)
Não tenho uma carta de Fernando Pessoa. A nossa convivência de vinte cinco anos foi exclusivamente feita pela Arte.
E faz-me crer que Fernando Pessoa não manteve, fora da sua família, intimidade de outra espécie com ninguém. Ou de Arte ou nenhuma.
Na dedicatória da "Cena do Ódio" escrevi: "A Álvaro de Campos com a dedicação intensa de todos os meus avatares".
Por seu lado, na mesma época (1915) Fernando Pessoa dedicava-me "A passagem das horas" com estas palavras:
"Almada-Negreiros, você não imagina como eu lhe agradeço o facto de você existir".
Estas dedicatórias são as das nossas próprias obras. Nunca eu admirei mais a alguém, e nunca ninguém soube ser tão francamente generoso para comigo!
Ao entregar-lhe um exemplar do nº 1 dos meus cadernos SW, escrevi esta linha:
"A Fernando Pessoa, ao melhor companheiro literário que um autor possa alguma vez encontrar".
Fiz a citação destas dedicatórias para que melhor se veja como apenas a Arte é o bastante para fornecer a amizade.
Quero lembrar-me nas nossas conversas de alguma coisa que melhor sirva de seu retrato para hoje, e recordo estas palavras de Fernando Pessoa:
"Você não me verá nunca escrever sobre quem quer que seja senão literariamente acerca do literato. O espírito crítico afasta-se da convivência com os que conhecemos mais perto e chegamos a estimar. É indispensável que alguém fique de fora para julgar. Ficar fora do que se sabe que fica lá dentro é ser crítico. À parte isto, há outros sobre os quais nunca escreverei: aqueles que têm voz própria.
Acho que juntar mais uma opinião à de um autor que já a tem, não é fazer crítica, é querer ser crítico. São bem raros aqueles que puseram o dedo em si próprios, e a crítica não pode ir mais longe do que isto.
Mas quanto um poeta nasce nos seus próprios versos, devemos querê-lo através de tudo; e o crítico, sem deixar de o ser, cede espaço ao arauto. Porque a idade perigosa dos poetas é a dos versos.
Quantos poetas morreram nos seus próprios versos! Quantos versos ficaram sem o seu poeta.
Não conheci exemplo igual ao de Fernando Pessoa: o do homem substituído pelo poeta!
Esta sobreposição do poeta ao homem, outro que não Fernando Pessoa poderia tê-la feito mal.
Mas ele tinha posto efectivamente toda a sua vida na Poesia; ele é exactamente o poeta dos seus versos.
A esta cedência do homem ao poeta, chamem-lhe renúncia, convento, morfina, clausura, segredo de resistir, chame-lhe o que quiser, mas Fernando Pessoa fê-lo bem, com inteireza, com altura e com as suas próprias posses.
E até que um dia de 1935 o poeta foi pessoalmente enterrar o corpo que o acompanhou toda a vida. Ficou só o poeta, aceso em olhos perenes de Portugal, do Mundo e do Futuro. Ficou só o poeta, o único poeta que não viu as suas próprias aventuras naturais de homem. [...]
É nestas circunstâncias que reconheço em Fernando Pessoa o melhor exemplo do português de hoje, e o menos passageiro. Um exemplo de português no mundo e no futuro, aqui no Portugal de hoje. Foram também assim desta maneira todos os melhores exemplos na História Portuguesa e nas outras.
Mas se por ventura Portugal é uma terra de Poetas, oficialmente não o é: O heroísmo da independência espiritual do homem, só um poeta o saberá ver noutro poeta. Mais ninguém! Os portugueses parece estarem ainda no momento de não suporem a independência senão quanto à sua nacionalidade, isto é, ainda não supõem a independência da nossa nacionalidade.
Em todo o caso eu, que sou pelo menos tão português como qualquer outro, tenho a honra de publicar que não fomos nunca nós, os seus companheiros, que, em nenhuma circunstância da vida, lhe negámos o seu primeiro lugar!
Os mortos têm uma paz que chega a ser a inveja dos vivos. Dessa paz ergue-se o silêncio que fala a quem o escute. Aos que me possam crer aqui lhes juro ter ouvido o silêncio dizer:
"A grande diferença entre Arte e Política é a de que a Arte não tem ódios."
E não haja confusões, senhores! Fernando Pessoa foi exclusivamente poeta: o poeta português Fernando Pessoa. "
(Artigo retirado de Fernando Pessoa - O Rosto e As Máscaras Antologia de David Mourão-Ferreira Edições Ática Lisboa, 2ª edição - muito aumentada, 1978 Exemplares disponíveis nas bibliotecas municipais)
pindaro
Não há nada mais simples.Tem só duas datas - a da minha nascença e a da minha morte.
Entre uma e outra todos os dias são meus.
alberto caeiro
FERNANDO PESSOA - O POETA PORTUGUÊS
por José de Almada-Negreiros
(Publicado no Diário de Lisboa,em 6 de Dezembro de 1935,
em homenagem póstuma.)
Não tenho uma carta de Fernando Pessoa. A nossa convivência de vinte cinco anos foi exclusivamente feita pela Arte.
E faz-me crer que Fernando Pessoa não manteve, fora da sua família, intimidade de outra espécie com ninguém. Ou de Arte ou nenhuma.
Na dedicatória da "Cena do Ódio" escrevi: "A Álvaro de Campos com a dedicação intensa de todos os meus avatares".
Por seu lado, na mesma época (1915) Fernando Pessoa dedicava-me "A passagem das horas" com estas palavras:
"Almada-Negreiros, você não imagina como eu lhe agradeço o facto de você existir".
Estas dedicatórias são as das nossas próprias obras. Nunca eu admirei mais a alguém, e nunca ninguém soube ser tão francamente generoso para comigo!
Ao entregar-lhe um exemplar do nº 1 dos meus cadernos SW, escrevi esta linha:
"A Fernando Pessoa, ao melhor companheiro literário que um autor possa alguma vez encontrar".
Fiz a citação destas dedicatórias para que melhor se veja como apenas a Arte é o bastante para fornecer a amizade.
Quero lembrar-me nas nossas conversas de alguma coisa que melhor sirva de seu retrato para hoje, e recordo estas palavras de Fernando Pessoa:
"Você não me verá nunca escrever sobre quem quer que seja senão literariamente acerca do literato. O espírito crítico afasta-se da convivência com os que conhecemos mais perto e chegamos a estimar. É indispensável que alguém fique de fora para julgar. Ficar fora do que se sabe que fica lá dentro é ser crítico. À parte isto, há outros sobre os quais nunca escreverei: aqueles que têm voz própria.
Acho que juntar mais uma opinião à de um autor que já a tem, não é fazer crítica, é querer ser crítico. São bem raros aqueles que puseram o dedo em si próprios, e a crítica não pode ir mais longe do que isto.
Mas quanto um poeta nasce nos seus próprios versos, devemos querê-lo através de tudo; e o crítico, sem deixar de o ser, cede espaço ao arauto. Porque a idade perigosa dos poetas é a dos versos.
Quantos poetas morreram nos seus próprios versos! Quantos versos ficaram sem o seu poeta.
Não conheci exemplo igual ao de Fernando Pessoa: o do homem substituído pelo poeta!
Esta sobreposição do poeta ao homem, outro que não Fernando Pessoa poderia tê-la feito mal.
Mas ele tinha posto efectivamente toda a sua vida na Poesia; ele é exactamente o poeta dos seus versos.
A esta cedência do homem ao poeta, chamem-lhe renúncia, convento, morfina, clausura, segredo de resistir, chame-lhe o que quiser, mas Fernando Pessoa fê-lo bem, com inteireza, com altura e com as suas próprias posses.
E até que um dia de 1935 o poeta foi pessoalmente enterrar o corpo que o acompanhou toda a vida. Ficou só o poeta, aceso em olhos perenes de Portugal, do Mundo e do Futuro. Ficou só o poeta, o único poeta que não viu as suas próprias aventuras naturais de homem. [...]
É nestas circunstâncias que reconheço em Fernando Pessoa o melhor exemplo do português de hoje, e o menos passageiro. Um exemplo de português no mundo e no futuro, aqui no Portugal de hoje. Foram também assim desta maneira todos os melhores exemplos na História Portuguesa e nas outras.
Mas se por ventura Portugal é uma terra de Poetas, oficialmente não o é: O heroísmo da independência espiritual do homem, só um poeta o saberá ver noutro poeta. Mais ninguém! Os portugueses parece estarem ainda no momento de não suporem a independência senão quanto à sua nacionalidade, isto é, ainda não supõem a independência da nossa nacionalidade.
Em todo o caso eu, que sou pelo menos tão português como qualquer outro, tenho a honra de publicar que não fomos nunca nós, os seus companheiros, que, em nenhuma circunstância da vida, lhe negámos o seu primeiro lugar!
Os mortos têm uma paz que chega a ser a inveja dos vivos. Dessa paz ergue-se o silêncio que fala a quem o escute. Aos que me possam crer aqui lhes juro ter ouvido o silêncio dizer:
"A grande diferença entre Arte e Política é a de que a Arte não tem ódios."
E não haja confusões, senhores! Fernando Pessoa foi exclusivamente poeta: o poeta português Fernando Pessoa. "
(Artigo retirado de Fernando Pessoa - O Rosto e As Máscaras Antologia de David Mourão-Ferreira Edições Ática Lisboa, 2ª edição - muito aumentada, 1978 Exemplares disponíveis nas bibliotecas municipais)
pindaro
Cantar alentejano
(Para os cantadores de Montes Velhos)
A ribeira do Xacafre
Vai rasa dos meus cuidados:
No escuro das águas tristes,
Há laivos ensanguentados...
Ó meus olhos, ó meus olhos,
- Noite e dia - que estais vendo?
A ribeira do Xacafre,
Da minha alma discorrendo!
Na ribeira do Xacafre,
Uma voz suspira fundo:
A voz da minha saudade,
A despedir-se do mundo!
Aldeia de Montes Velhos,
Não posso querer-te mais:
És a luz do sol-nascente,
Abrindo, em flor, nos meus ais!
Aldeia de Montes Velhos
És sempre luz de Alvorada
És sempre rosa de altar
Da chama de uma queimada!
Eu hei-de florir na urze,
Arder no vento suão,
Lá, na Charneca das Naves,
- Mar alto da Solidão!
mario beirão
pindaro
Num mar de seda e renda
Vesperal
Se eu te pintasse, posta na tardinha,
pintava-te num fundo cor de olaia,
na mão suspensa, nessa mão que é minha,
o lenço fino acompanhando a saia!
Vejo-te assim, ó asa de andorinha,
em ar de infanta que perdeu a aia,
envolta numa luz que te acarinha,
na luz que desfalece e que desmaia!
Com teu encanto os dias me adamasques,
linda menina ingénua de Velásquez
a flutuar num mar de seda e renda.
Deixa cair dos lábios de medronho
a perfumada voz do nosso sonho,
mas tão baixinho que só eu entenda.
Antonio Sardinha
pindaro
Entre a água e o céu
BARTOLOMEU MARINHEIRO
Era uma vez
um capitão português
chamado Bartolomeu
que venceu
um gigante enorme e antigo.
Bartolomeu, em menino
pequenino,
ia para o pé do mar...
e ficava a olharo mar...
E Bartolomeu cismava...
Ó que lindo, ó que lindo,
o mar, e a sua voz profunda e bela!
Uma nuvem no céu, era uma caravela
que novos céus andava descobrindo...
Ó que lindo, os navios,
que vão suspensos entre a água e o céu,
com velas brancas e mastros esguios,
e com bandeiras de todas as cores!
Bartolomeu cismava
porque ouvia
tudo o que o mar contava
e lhe dizia.
Afonso Lopes Vieira
(1912)
pindaro
Era uma vez
um capitão português
chamado Bartolomeu
que venceu
um gigante enorme e antigo.
Bartolomeu, em menino
pequenino,
ia para o pé do mar...
e ficava a olharo mar...
E Bartolomeu cismava...
Ó que lindo, ó que lindo,
o mar, e a sua voz profunda e bela!
Uma nuvem no céu, era uma caravela
que novos céus andava descobrindo...
Ó que lindo, os navios,
que vão suspensos entre a água e o céu,
com velas brancas e mastros esguios,
e com bandeiras de todas as cores!
Bartolomeu cismava
porque ouvia
tudo o que o mar contava
e lhe dizia.
Afonso Lopes Vieira
(1912)
pindaro
segunda-feira, agosto 01, 2005
Valor metafísico
Meu pai contava que antigamente — questão de séculos, de anos? — a lotaria na Babilônia era um jogo de carácter plebeu.
Referia (ignoro se com verdade) que os barbeiros trocavam por moedas de cobre, rectangulos de osso ou de pergaminho adornados de símbolos.
Em pleno dia verificava-se um sorteio: os contemplados recebiam, sem outra confirmação da sorte, moedas cunhadas de prata.
O procedimento era elementar, como os senhores vêem.
Naturalmente, essas "lotarias" fracassaram.
A sua virtude moral era nula.
Não se dirigiam a todas as faculdades do homem: unicamente à sua esperança.
Diante da indiferença pública, os mercadores que fundaram essas lotarias venais começaram a perder dinheiro.
Alguém esboçou uma reforma: a intercalação de alguns números adversos no censo dos números favoráveis.
Mediante essa reforma, os compradores de rectangulos numerados expunham-se ao duplo risco de ganhar uma soma e de pagar uma multa, às vezes vultosa.
Esse leve perigo (em cada trinta números favoráveis havia um número aziago) despertou, como é natural, o interesse do público.
Os babilônios entregaram-se ao jogo.
O que não adquiria sortes era considerado um pusilânime, um apoucado.
Com o tempo esse desdém justificado duplicou-se.
Eram desprezados aqueles que não jogavam, mas também o eram os que perdiam e abonavam a multa.
A Companhia (assim começou então a ser chamada) teve que velar pelos ganhadores, que não podiam cobrar os prêmios se nas caixas faltasse a importância quase total das multas.
Propôs uma ação judicial contra os perdedores: o juiz condenou-os a pagar a multa original e as custas, ou a uns dias de prisão.
Todos optaram pelo cárcere, para defraudar a Companhia.
Dessa bravata de uns poucos nasce todo o poder da Companhia: o seu valor eclesiástico, metafísico.
Pouco depois, as informações dos sorteios omitiram as referências de multas e limitaram-se a publicar os dias de prisão que designava cada número adverso.
Esse laconismo, quase inadvertido a seu tempo, foi de capital importância.
Foi o primeiro aparecimento, na lotaria, de elementos não pecuniários.
O êxito foi grande. Instada pelos jogadores, a Companhia viu-se obrigada a aumentar os números adversos."
jorge luis borges
pindaro
Humana ladradura
Porque há desejo em mim, é tudo cintilância.
Antes, o cotidiano era um pensar alturas
Buscando Aquele Outro decantado
Surdo à minha humana ladradura.
Visgo e suor, pois nunca se faziam.
Hoje, de carne e osso, laborioso, lascivo
Tomas-me o corpo. E que descanso me dás
Depois das lidas. Sonhei penhascos
Quando havia o jardim aqui ao lado.
Pensei subidas onde não havia rastros.
Extasiada, fodo contigo
Ao invés de ganir diante do Nada.
Se eu disser que vi um pássaro
Sobre o teu sexo, deverias crer?
E se não for verdade, em nada mudará o Universo.
Se eu disser que o desejo é Eternidade
Porque o instante arde interminável
Deverias crer? E se não for verdade
Tantos o disseram que talvez possa ser.
No desejo nos vêm sofomanias, adornos
Impudência, pejo. E agora digo que há um pássaro
Voando sobre o Tejo. Por que não posso
Pontilhar de inocência e poesia
Ossos, sangue, carne, o agora
E tudo isso em nós que se fará disforme?
Existe a noite, e existe o breu.
Noite é o velado coração de Deus
Esse que por pudor não mais procuro.
Breu é quando tu te afastas ou dizes
Que viajas, e um sol de gelo
Petrifica-me a cara e desobriga-me
De fidelidade e de conjura. O desejo
Este da carne, a mim não me faz medo.
Assim como me veio, também não me avassala.
Sabes por quê? Lutei com Aquele.
E dele também não fui lacaia.
Hilda Hist
pindaro
Por mais que me tanjas perto
Ó sino da minha aldeia,
Dolente na tarde calma,
Cada tua badalada
Soa dentro de minha alma.
E é tão lento o teu soar,
Tão como triste da vida,
Que já a primeira pancada
Tem o som de repetida.
Por mais que me tanjas perto
Quando passo, sempre errante,
És para mim como um sonho.
Soas-me na alma distante.
A cada pancada tua,
Vibrante no céu aberto,
Sinto mais longe o passado,
Sinto a saudade mais perto.
fernando pessoa
pindaro
Dolente na tarde calma,
Cada tua badalada
Soa dentro de minha alma.
E é tão lento o teu soar,
Tão como triste da vida,
Que já a primeira pancada
Tem o som de repetida.
Por mais que me tanjas perto
Quando passo, sempre errante,
És para mim como um sonho.
Soas-me na alma distante.
A cada pancada tua,
Vibrante no céu aberto,
Sinto mais longe o passado,
Sinto a saudade mais perto.
fernando pessoa
pindaro
Morder como quem beija
Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!
É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!
É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!
E é amar-te, assim perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!
florbela espanca
pindaro
A palavra secreta
Meu Deus do céu, não tenho nada a dizer. O som de minha máquina é macio.
Que é que eu posso escrever? Como recomeçar a anotar frases? A palavra é o meu meio de comunicação. Eu só poderia amá-la. Eu jogo com elas como se lançam dados: acaso e fatalidade. A palavra é tão forte que atravessa a barreira do som. Cada palavra é uma idéia. Cada palavra materializa o espírito. Quanto mais palavras eu conheço, mais sou capaz de pensar o meu sentimento.
Devemos modelar nossas palavras até se tornarem o mais fino invólucro dos nossos pensamentos. Sempre achei que o traço de um escultor é identificável por um extrema simplicidade de linhas. Todas as palavras que digo - é por esconderem outras palavras.
Qual é mesmo a palavra secreta? Não sei é porque a ouso? Não sei porque não ouso dizê-la? Sinto que existe uma palavra, talvez unicamente uma, que não pode e não deve ser pronunciada. Parece-me que todo o resto não é proibido. Mas acontece que eu quero é exatamente me unir a essa palavra proibida. Ou será? Se eu encontrar essa palavra, só a direi em boca fechada, para mim mesma, senão corro o risco de virar alma perdida por toda a eternidade. Os que inventaram o Velho Testamento sabiam que existia uma fruta proibida. As palavras é que me impedem de dizer a verdade.
Simplesmente não há palavras.
O que não sei dizer é mais importante do que o que eu digo. Acho que o som da música é imprescindível para o ser humano e que o uso da palavra falada e escrita são como a música, duas coisas das mais altas que nos elevam do reino dos macacos, do reino animal, e mineral e vegetal também. Sim, mas é a sorte às vezes.
Sempre quis atingir através da palavra alguma coisa que fosse ao mesmo tempo sem moeda e que fosse e transmitisse tranqüilidade ou simplesmente a verdade mais profunda existente no ser humano e nas coisas. Cada vez mais eu escrevo com menos palavras. Meu livro melhor acontecerá quando eu de todo não escrever. Eu tenho uma falta de assunto essencial. Todo homem tem sina obscura de pensamento que pode ser o de um crepúsculo e pode ser uma aurora.
Simplesmente as palavras do homem.
Clarice Lispector
pindaro
Por sob a lua gitana
Verde que te quero verde.
Verde vento. Verdes ramas.
O barco vai sobre o mar
e o cavalo na montanha.
Com a sombra pela cintura
ela sonha na varanda,
verde carne, tranças verdes,
com olhos de fria prata.
Verde que te quero verde.
Por sob a lua gitana,
as coisas estão mirando-a
e ela não pode mirá-las.
Verde que te quero verde.
Grandes estrelas de escarcha
nascem com o peixe de sombra
que rasga o caminho da alva.
A figueira raspa o vento
a lixá-lo com as ramas,
e o monte, gato selvagem,
eriça as piteiras ásperas.
(...)
Federico Garcia Lorca
(trad.-A.Felix de Sousa)
pindaro
Verde vento. Verdes ramas.
O barco vai sobre o mar
e o cavalo na montanha.
Com a sombra pela cintura
ela sonha na varanda,
verde carne, tranças verdes,
com olhos de fria prata.
Verde que te quero verde.
Por sob a lua gitana,
as coisas estão mirando-a
e ela não pode mirá-las.
Verde que te quero verde.
Grandes estrelas de escarcha
nascem com o peixe de sombra
que rasga o caminho da alva.
A figueira raspa o vento
a lixá-lo com as ramas,
e o monte, gato selvagem,
eriça as piteiras ásperas.
(...)
Federico Garcia Lorca
(trad.-A.Felix de Sousa)
pindaro
Para caçar suspiros
A guitarra
faz soluçar os sonhos.
O soluço das almas
perdidas
foge por sua boca
redonda.
E, assim como a tarântula,
tece uma grande estrela
para caçar suspiros
que bóiam no seu negro
abismo de madeira.
Federico Garcia Lorca
(trad de A. Felix de Sousa)
pindaro
faz soluçar os sonhos.
O soluço das almas
perdidas
foge por sua boca
redonda.
E, assim como a tarântula,
tece uma grande estrela
para caçar suspiros
que bóiam no seu negro
abismo de madeira.
Federico Garcia Lorca
(trad de A. Felix de Sousa)
pindaro
Como um seixo no leito de um rio
"Mélanie tinha vinte e cinco anos, era de Plancus, na Provença, mas apenas conservava daquela quente região, onde o sangue arde, o olhar negro, desejoso, e os movimentos elásticos e ondulantes do corpo alto e magro.
Paris, onde ela, rolara como um seixo no leito de um rio, tinha desbastado, polido, afinado, apurado, a mocetona que outrora viera do seu povo, fugida com um catalão e chorando ciúme.
Tinha agora o nariz mais delgado, móbil, atrevido, os beicinhos sempre secos que humedecia com a língua, os quadris de um esguio masculino, o pé rápido, vivo e pronto.
A sua vida era complicada: do catalão passara a um carlista, depois, a um brasileiro; fora criada, muitos anos, no triste Hotel Português do Meio-Dia de Pernambuco, na Rua Lafayette; depois, perdera-se no fundo de Paris, onde vivera, de trapeira em trapeira, dançando furiosamente nos bailes públicos, paga por uns, batida com prazer por outros.'
Eça de Queirós
pindaro
Paris, onde ela, rolara como um seixo no leito de um rio, tinha desbastado, polido, afinado, apurado, a mocetona que outrora viera do seu povo, fugida com um catalão e chorando ciúme.
Tinha agora o nariz mais delgado, móbil, atrevido, os beicinhos sempre secos que humedecia com a língua, os quadris de um esguio masculino, o pé rápido, vivo e pronto.
A sua vida era complicada: do catalão passara a um carlista, depois, a um brasileiro; fora criada, muitos anos, no triste Hotel Português do Meio-Dia de Pernambuco, na Rua Lafayette; depois, perdera-se no fundo de Paris, onde vivera, de trapeira em trapeira, dançando furiosamente nos bailes públicos, paga por uns, batida com prazer por outros.'
Eça de Queirós
pindaro
Que se enristava
'E, oh, maravilha!, diante de Adão, e como despegado dele, estava outro Ser a ele semelhante, mas mais esbelto, suavemente coberto de um pêlo mais sedoso, que o contemplava com largos olhos lustrosos e líquidos.
Uma coma ruiva, de um ruivo tostado, rolava, em espessas ondas, até às suas ancas arredondadas numa plenitude harmoniosa e fecunda.
De entre os braços peludinhos, que cruzara, surdiam, abundantes e gordos, os dois peitos da cor do medronho, com uma penugem crespa orlando o bico, que se enristava, entumecido.
E roçando, num roçar lento, num roçar muito doce, os joelhos pelados, todo aquele sedoso e tenro Ser se ofertava com uma submissão pasmada e lasciva.
Era Eva... eras tu, Mãe, venerável!"
Eça de Queirós
pindaro
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