terça-feira, outubro 31, 2006

O rumorejar oculto da fonte








Escuto a fonte, meu misterioso desígnio
de cantar o amor.
Da tremenda alegria da carne
deve vir o espírito do canto, da vossa
deslumbrante alegria, ó intensas
criaturas solares.

Tudo o que é como sinal fecundo
da terra, tudo o que se toca
entre comoção e pensamento
deve participar do vosso cântico, ó
corpos apoteóticos, corpos
reconstruídos sobre o frio ascético dos cadáveres.

Vosso é o vinho libertador, a erva
virgem, ó pequenas cabras rituais, a erva
junto à água, junto ao silêncio,
junto à aragem - vosso é o pólen inconspurcado,
o fruto, o dia, a delirante
lua vermelha.

Vindes na simples harmonia da fome
e da mesa
com vossos gestos sexuais de uma graça infantil,
com vosso puro impudor
e a generosidade ingénua
do pecado.

Eu canto as vossas coxas verdes, o antigo
turbilhonar do instinto
que castamente transportais como depósito
no sacrário do sexo,
canto o vosso ventre diurno,
a infinita inocência da vossa entrega
milagrosa.

Humildemente teço minhas palavras gratas
sobre vossa carne, ergo minha taça,
oiço o rumorejar oculto da fonte.
Humildemente dissipo a solidão, aceito vosso apelo de esperma,
mereço a poesia.


Herberto Helder



pindaro

Do silêncio musical







Na sombra cúmplice do quarto,
Ao contacto das minhas mãos lentas
A substância da tua carne
Era a mesma que a do silêncio.
Do silêncio musical, cheio
De sentido místico e grave,
Ferindo a alma de um enleio
Mortalmente agudo e suave.
Ah, tão suave e tão agudo!
Parecia que a morte vinha…
Era o silêncio que diz tudo
O que a intuição mal advinha.
É o silêncio da tua carne.
da tua carne de âmbar, nua,
Quase a espiritualizar-se
Na aspiração de mais ternura.


Manuel Bandeira




Pindaro

Calma






Este silencio,
blanco, ilimitado,
este silencio
del mar tranquilo, inmóvil,

que de pronto
rompen los leves caracoles
por un impulso de la brisa,

Se extiende acaso
de la tarde a la noche, se remansa
tal vez por la arenilla
de fuego,

la infinita
playa desierta,
de manera

que no acaba,
quizás,
este silencio,

nunca?



Eliseo Diego


pindaro

segunda-feira, outubro 30, 2006

Mar sólo

















En ti estás todo, mar, y sin embargo,
qué sin ti estás, qué solo,
qué lejos, siempre, de ti mismo!
Abierto en mil heridas, cada instante,
cual mi frente,
tus olas van, como mis pensamientos,
y vienen, van y vienen,
besándose, apartándose,
en un eterno conocerse,
mar, y desconocerse.
Eres tú, y no lo sabes,
tu corazón te late y no lo siente...
Qué plenitud de soledad, mar sólo!


Juan Ramón Jiménez



pindaro

El horizonte















El horizonte es tu cuerpo,
el horizonte es mi alma.
Llego a tu fin: más arena.
Llegas a mi fin: más agua.


Juan Ramón Jiménez




pindaro

Mar distante







Si no es el mar, sí es su imagen,
su estampa, vuelta, en el cielo.
Si no es el mar, sí es su voz
delgada,
a través del ancho mundo,
en altavoz, por los aires.
Si no es el mar, sí es su nombre
es un idioma sin labios,
sin pueblo,
sin más palabra que ésta:
mar.
Si no es el mar, sí es su idea
de fuego, insondable, limpia;
y yo,
ardiendo, ahogándome en ella.



Pedro Salinas


pindaro

Les traces







Un poète doit laisser des traces de son passage, non des preuves. Seules les traces font revêr.

René Char



pindaro

L`éphémère



Laisse moi me convaincre de l`éphémère qui enchantait hier ses yeux.

René Char



pindaro

domingo, outubro 29, 2006

Mar e céu







Já a vista, pouco e pouco, se desterra
Daqueles pátrios montes, que ficavam;
Ficava o caro Tejo e a fresca serra
De Sintra, e nela os olhos se alongavam;
Ficava-nos também na amada terra
O coração, que as mágoas lá deixavam;
E, já depois que toda se escondeu,
Não vimos mais, enfim, que mar e céu.


Luís de Camões



pindaro

En la paz de estos desiertos





Retirado en la paz de estos desiertos
con pocos, pero doctos libros juntos
vivo con el comercio de difuntos
y con mis ojos oigo hablar los muertos.

Si no siempre entendidos, siempre abiertos
o enmiendan o fecundan mis asuntos
los libros que, en callados contrapuntos,
al músico silencio están despiertos.

Las grandes almas que la muerte ausenta,
de injurias de los años vengadora
restituye, D. Juan, docta la imprenta.

En fuga irrevocable huye la hora;
mas con el mejor cálculo se cuenta
la que en lección y estudio nos mejora.



Francisco Gómez de Quevedo y Santibáñez Villegas


pindaro

Mil imágenes en vuelo



No solo el hoy fragante de tus ojos amo
sino a la niña oculta que allá dentro
mira la vastedad del mundo con redondo
azoro, y amo a la extraña gris que me recuerda
en un rincón del tiempo que el invierno
ampara. La multitud de ti, la fuga de tus horas,
amo tus mil imágenes en vuelo
como un bando de pájaros salvajes.
No solo tu domingo breve de delicias
sino también un viernes trágico, quien
sabe, y un sábado de triunfos y de glorias
que no veré yo nunca, pero alabo.
Niña y muchacha y joven ya mujer,
tu todas, colman mi corazón, y en paz las amo.

Eliseo Diego


pindaro

sábado, outubro 28, 2006

Não é sequer pecar




“Os piratas, esses sim, tinham aplomb e conheciam as sombras”
Solino



É o que se tira da carta à rainha, da pluma de Sir Walter Raleigh:

“Dêem-me a minha concha de silêncio,
O meu bordão de fé, para me amparar,
A minha escritura de júbilo, imortal dieta,
A minha garrafa de salvação,
A minha toga de glória, verdadeiro penhor de esperança,
E então farei a peregrinação.”

O navegante, dominador que era de obscuridades subtis, tinha por certo lido os ensinamentos do grande Giordano Bruno, em “The shadows of ideas”:

“A sombra tempera a luz...As sombras não se dissolvem,
Mas mantêm e protegem a luz que há em nós
E conduzem-nos ao conhecimento e à recordação.”


Mais tarde, Sir Thomas Browne, gourmet de trevas e sombreados, dado a sínteses, dobrou esta esquina bicuda com um simples adágio no imperecível “Urne-Burial & Garden of Cyrus”:

“A noite do tempo supera em muito o dia.”

(Percebe-se a tirada de Virgínia Woolf: “But why fly in the face of facts? Few people love the writings of Sir Thomas Browne, but those who do are of the salt of the Earth.”)

Foi depois que Voltaire, dando moldura às estátuas e aos vultos, arrematou todo o tema das sombras com um belíssimo sinal da cruz:

“ É o escândalo público que faz a ofensa, pecar em segredo não é sequer pecar."


Solino

A recreação dos sentidos


... e, depois de recolhidos, gastaram em o desejo da (noite) que se seguia o mesmo espaço que daquela poupavam; que muitas vezes a recreação dos sentidos vence a necessidade do repouso que os suspende.

Francisco Roíz Lobo


Pindaro

Mas as almas não





Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus — ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.

Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.

Porque os corpos se entendem, mas as almas não.



Manuel Bandeira


pindaro

Te deshojé como una rosa



Te deshojé, como una rosa,
para verte tu alma,
y no la vi.

Mas todo en torno
-horizontes de tierras y de mares-,
todo, hasta el infinito,
se colmó de una esencia
inmensa y viva.

Juan Ramón Jimenez


pindaro

Prontas a procriar






Há pequenas impressões finas como um cabelo e que, uma vez desfeitas na nossa mente, não sabemos aonde elas nos podem levar. Hibernam, por assim dizer, nalgum circuito da memória e um dia saltam para fora, como se acabassem de ser recebidos. Só que, por efeito desse período de gestação profunda, alimentada ao calor do sangue e das aquisições da experiência temperada de cálcio e de ferro e de nitratos, elas aparecem já no estado adulto e prontas a procriar. Porque as memórias procriam como se fossem pessoas vivas.

Agustina Bessa-Luís


pindaro

Eu almo








De longo curso

Minha alma descansa na tua alma,
onde a luz jamais
desativada:
é um navio de longo
curso pela água.

Redonda a luz e nós
atracamos na foz
com o fundo calmo.
Em mim te almas
e te amando, eu almo.


Carlos Nejar



pindaro

Trying to be there


That is where they live:
Not here and now, but where all happened once.
This is why they give
An air of baffled absence, trying to be there
Yet being here.

Philip Larkin



pindaro

sexta-feira, outubro 27, 2006

O louvor da língua aprazível

“...e, levantando-se ele, se despediram todos com muita cortesia, deixando ao senhor da casa magoado de se acabar tão depressa a conversação; que quem sabe estimar a que é tão boa, tem sentimento das horas que dela perde.”
Francisco Roíz Lobo




- Bravamente é apaixonado o senhor D. Júlio (acudiu o Doutor) pelas cousas da nossa Pátria, e tem razão, que é dívida que os nobres devem pagar com maior pontualidade à terra que os criou. E verdadeiramente que não tenho a nossa língua por grosseira, nem por bons os argumentos com que alguns querem provar que é essa; antes é branda para deleitar, grave para engrandecer, eficaz para mover, doce para pronunciar, breve para resolver e acomodada às matérias mais importantes da prática e da escritura.

Para falar é engraçada com um todo senhoril, para cantar é suave com um certo movimento que favorece a música; para pregar é substanciosa, com uma gravidade que autoriza as razões e as sentenças; para escrever cartas nem tem infinita cópia que dane, nem brevidade estéril que a limite; para histórias nem é tão florida que se derrame, nem tão seca que busque o favor das alheias.

A pronunciação não obriga a ferir o céu da boca com aspereza, nem a arrancar as palavras com veemência de gargalo. Escreve-se da maneira que se lê, e assim se fala.
Tem de todas as línguas o melhor: a pronunciação da Latina, a origem da Grega, a familiaridade da Castelhana, a brandura da Francesa, a elegância da Italiana. Tem mais adágios e sentenças que todas as vulgares, em fé da sua antiguidade.

E se à língua Hebreia, pela honestidade das palavras, chamaram santa, certo que não sei eu outra que tanto fuja de palavras claras em matéria descomposta quanto a nossa. E, para que diga tudo, só um mal tem: e é que, pelo pouco que lhe querem os seus naturais, a trazem mais remendada que capa de pedinte.


Francisco Roíz Lobo
Corte na Aldeia




pindaro

Nunca te desconheci







Terra, minha medida!
Com que ternura te encontro
Sempre inteira nos sentidos,
Sempre redonda nos olhos,
Sempre segura nos pés,
Sempre a cheirar a fermento!
Terra amada!
Em qualquer sítio e momento,
Enrugada ou descampada,
Nunca te desconheci!
Berço do meu sofrimento,
Cabes em mim, e eu em ti!



Miguel Torga
Monforte do Alentejo, 1968


pindaro

Wild Flower













To see a World in a Grain of Sand
And a Heaven in a Wild Flower,
Hold Infinity in the Palm of your hand
And Eternity in an hour.

William Blake
"Auguries of Innocence"


pindaro

A ficção



A ficção consiste não em fazer ver o invisível, mas em fazer ver até que ponto é invisível a invisibilidade do visível

Michel Foucault



pindaro

quinta-feira, outubro 26, 2006

Floração da água







Música, levai-me:

Onde estão as barcas?
Onde são as ilhas?



Eugénio de Andrade



pindaro

Son a veces navajas












Dos cuerpos frente a frente
son a veces dos olas
y la noche es océano.

Dos cuerpos frente a frente
son a veces dos piedras
y la noche desierto.

Dos cuerpos frente a frente
son a veces raíces
en la noche enlazadas.

Dos cuerpos frente a frente
son a veces navajas
y la noche relámpago.

Dos cuerpos frente a frente
son dos astros que caen
en un cielo vacío.


Octavio Paz



pindaro

Muere de sed





La ola no tiene forma?
En un instante se esculpe
y en otro se desmorona
en la que emerge, redonda.
Su movimiento es su forma.

Las olas se retiran
ancas, espaldas, nucas?
pero vuelven las olas
pechos, bocas, espumas?.

Muere de sed el mar.
Se retuerce, sin nadie,
en su lecho de rocas.
Muere de sed de aire.


Octavio Paz



pindaro

En tu forma del espejo













Cuánto rato te he mirado
sin mirarte a ti, en la imagen
exacta e inaccesible
que te traiciona el espejo!
«Bésame», dices. Te beso,
y mientras te beso pienso
en lo fríos que serán
tus labios en el espejo.
«Toda el alma para ti»,
murmuras, pero en el pecho
siento un vacío que sólo
me lo llenará ese alma
que no me das.
El alma que se recata
con disfraz de claridades
en tu forma del espejo.

Pedro Salinas


pindaro

Saber templar







You cannot do a kindness too soon, for you never know how soon it will be too late.

Ralph Waldo Emerson


pindaro

Beleza não pensada


Havia nela, sem que o soubesse, a sonoridade dos mistérios, que na sua incessante e confiada inquietude nos enredavam numa toada encantatória, própria dos beijos dados ao lusco-fusco.
Beleza fugaz, não pensada.




Leonardo

Bichos de pêlo e pena






« (...) Uma espécie de percepção interior, de íntima comunhão de amante apaixonado, capaz de identificar o panasco de Alcaria pelo cheiro ou pelo tacto. A caça fora a maneira de se encontrar com as forças elementares do mundo. E nenhuma razão conseguira pelos anos fora desviá-lo desse caminho. A meninice começara-lhe aos grilos e aos pardais, a juventude e a mairoidade passara-as atrás de bichos de pêlo e pena (...) »

Miguel Torga


pindaro

Com ela escrita






trouxeste a frase que nunca antes leras,
o meu corpo a disse, e não reparaste que ficaste com ela escrita


Maria Gabriela Llansol




Pindaro

quarta-feira, outubro 25, 2006

Una margarita


La incertidumbre es una margarita cuyos pétalos no se terminan jamás de deshojar.
Mario Vargas Llosa



pindaro

Rumo sentido



Civilization has been a permanent dialogue between human beings and water.
Paolo Lugari



pindaro

Quando muito, se desfaz







Não faço poemas como quem chora,
nem faço versos como quem morre.
Quem teve esse gosto foi o bardo Bandeira
quando muito moço; achava que tinha
os dias contados pela tísica
e até se acanhava de namorar.

Faço poemas como quem faz amor.
É a mesma luta suave e desvairada
enquanto a rosa orvalhada
se vai entreabrindo devagar.
A gente nem se dá conta, até acha bom,
o imenso trabalho que amor dá para fazer.

Perdão, amor não se faz.
Quando muito, se desfaz.
Fazer amor é um dizer
(a metáfora é falaz)
de quem pretende vestir
com roupa austera a beleza
do corpo da primavera.
O verbo exato é foder.
A palavra fica nua
para todo mundo ver
o corpo amante cantando
a glória do seu poder
.


Thiago de Mello


pindaro

Apenas entressonhando






















Não me inquieta se o caminho
que me coube - por secreto
desígnio - jamais floresce.
Dentro de mim, sei que existe,
oculta, uma rosa branca.
Incólume rosa. E branca.

Não pude colhê-la: mal
nascera e logo perdi-me
nos labirintos do tempo,
onde desde então pervago
apenas entressonhando
aquilo que sou - e vive
no recôncavo da rosa.

Sem conhecer-me, padeço
o mistério de existir
em amargo desencontro
comigo mesmo. No entanto,
pesar tão largo se apaga
quando pressinto: na rosa,
mistério não há. Nenhum.
Sem medo de trair-me a face,
posso morrer amanhã.
Extinto o jugo do tempo,
olhos nem boca haverá
- para a queixa e para a lágrima -
se em vez de rosa, de pétala
cinza de pétala, apenas
existir a escuridão.
O vazio. Nada mais.


Thiago de Mello


pindaro

Guitarra















Punhal de prata já eras,
punhal de prata!
nem foste tu que fizeste
a minha mão insensata.
Vi-te brilhar entre as pedras,
punhal de prata!
- no cabo flores abertas,
no gume, a medida exata,
exata, a medida certa,
punhal de prata,
para atravessar-me o peito
com uma letra e uma data.
A maior pena que eu tenho,
punhal de prata,
não é de me ver morrendo,
mas de saber quem me mata



cecília meireles



Pindaro

Vivo sabor



No banquete do amor, o ciúme é o saleiro, que ao querer verdadeiro empresta vivo sabor. Advirta-se porém ser erro temperar em demasia. O ciúme, por ser só sal, se posto demais no prato, não tempera, antes maltrata.

Tirso de Molina



pindaro

Faze-te sem limites


Não sejas o de hoje.
Não suspires por ontens...
não queiras ser o de amanhã.
Faze-te sem limites no tempo.
Vê a tua vida em todas as origens.
Em todas as existências.
Em todas as mortes.
E sabes que serás assim para sempre.
Não queiras marcar a tua passagem.
Ela prossegue: É a passagem que se continua.
É a tua eternidade.
És tu.

Cecília Meireles




pindaro

terça-feira, outubro 24, 2006

Fleurs de nuit







Oui, des lèvres aussi, des lèvres savoureuses
Mais d'une chair plus tendre et plus fragile encor
Des rêves de chair rose à l'ombre des poils d'or
Qui palpitent légers sous les mains amoureuses.

Des fleurs aussi, des fleurs molles, des fleurs de nuit,
Pétales délicats alourdis de rosée
Qui fléchissent pliés sous la fleur épuisée
Et pleurent le désir, goutte à goutte, sans bruit.

O lèvres, versez-moi les divines salives
La volupté du sang, la vapeur des gencives
Et les frémissements enflammés du baiser.

O fleurs troublantes, fleurs mystiques, fleurs divines
Balancez vers mon coeur sans jamais l'apaiser
L'encens mystérieux des senteurs féminines.


Pierre Louys



pindaro

El ritmo



Tira la piedra de hoy,
olvida y duerme. Si es luz,
mañana la encontrarás
ante la aurora, hecha sol.

Juan Ramón Juarez



pindaro

Conheço o sal


Conheço o sal da tua pele seca
Depois que o estio se volveu inverno
De carne repousada em suor nocturno.

Conheço o sal do leite que bebemos
Quando das bocas se estreitavam lábios
E o coração no sexo palpitava.

Conheço o sal dos teus cabelos negros
Os louros ou cinzentos que se enrolam
Neste dormir de brilhos azulados.

Conheço o sal que resta em minhas mãos
Como nas praias o perfume fica
Quando a maré desceu e se retrai.

Conheço o sal da tua boca, o sal
Da tua língua, o sal de teus mamilos,
E o da cintura se encurvando de ancas.

A todo o sal conheço que é só teu,
Ou é de mim em ti, ou é de ti em mim,
Um cristalino pó de amantes enlaçados.

Jorge de Sena



Pindaro

Duelo de mordiscos y azucenas







Amor de mis entrañas, viva muerte,
en vano espero tu palabra escrita
y pienso, con la flor que se marchita,
que si vivo sin mí quiero perderte.

El aire es inmortal. La piedra inerte
ni conoce la sombra ni la evita.
Corazón interior no necesita
la miel helada que la luna vierte.

Pero yo te sufrí. Rasgué mis venas,
tigre y paloma, sobre tu cintura
en duelo de mordiscos y azucenas.

Llena pues de palabras mi locura
o déjame vivir en mi serena
noche del alma para siempre oscura.


Frederico Garcia Lorca



pindaro

segunda-feira, outubro 23, 2006

Mar
















A terra leva-nos por terra;
mas tu, mar,
levas-nos pelo céu.


Juan Ramón Jimenez


pindaro

Gloutons et gluants






















Les étroits baisers de la jeunesse, savoureux,
gloutons et gluants, s'y collaient autrefois,
et s'y tenaient plusieurs heures après....


Montaigne



pindaro

Desnuda


Y en todo desnuda tú.

He visto la aurora rosa
y la mañana celeste,
he visto la tarde verde
y he visto la noche azul.

Y en todo desnuda tú.

Desnuda en la noche azul,
desnuda en la tarde verde
y en la mañana celeste,
desnuda en la aurora rosa.

Y en todo desnuda tú.


Juan Ramón Jiménez



pindaro

En gracia nítida y feliz



Quisiera que mi vida
se cayera en la muerte,
como este chorro alto de agua bella
en el agua tendida matinal;
ondulado, brillante, sensual, alegre,
con todo el mundo diluido en él,
en gracia nítida y feliz.

Juan Ramón Jiménez



pindaro

Un recuerdo






La rosa, la rosa pura.
Quiero mandarte la pura rosa.
La que no tiene símbolo ni signo.
la que no pese
porque recuerda un recuerdo.


Pedro Salinas



pindaro

Desde que o mundo é mundo






Era a primeira vez que nus os nossos corpos
Apesar da penumbra á vontade se olhavam
Surpresos de saber que tinham tantos olhos
Que podiam ser luz de tantos candelabros
Era a primeira vez cerrados os estores
Só o rumor do mar permanecera em casa
E sabias a sal, e cheiravas a limos
Que tivesses ouvido o canto das cigarras
Havia mais que céu no céu do teu sorriso
Madrugada de tudo em tudo que sonhavas
Em teus braços tocar era tocar os ramos
Que estremecem ao sol desde que o mundo é mundo
É preciso afinal chegar aos cinquenta anos
Para se ver que aos vinte é que se teve tudo.


David Mourão-Ferreira


pindaro

As límpidas cantigas



















Virgens que passais, ao Sol-poente,
Pelas estradas ermas, a cantar!
Eu quero ouvir uma canção ardente,
Que me transporte ao meu perdido lar.

Cantai-me, nessa voz omnipotente,
O sol que tomba, aureolando o Mar
A fartura da seara reluzente,
O vinho, a graça, a formosura, o luar!

Cantai! Cantai as límpidas cantigas!
Das ruínas do meu lar desaterrai
Todas aquelas ilusões antigas

Que eu vi morrer num sonho, como um ai....
Ó suaves e frescas raparigas,
adormecei-me nessa voz...cantai !


António Nobre


pindaro

Todos os demónios



Ah, que melhor alcaiota que a noite! Todos os demónios da sensualidade sairam à uma dos seus tugúrios, do céu, do inferno, da alma e da carne, e reforçaram o seu poder abismal.

Aquilino Ribeiro



pindaro

O seu mistério





Todas as coisas têm o seu mistério e a poesia é o mistério de todas as coisas
frederico garcia lorca



pindaro