domingo, outubro 31, 2010

É para contar uma história



























Se tens algo a dizer ou uma mensagem a comunicar, escreve uma carta. Um romance é para contar uma história.
Jorge Luis Borges

pindaro

A gravidade das leis




























Nul homme n'est hypocrite dans ses plaisirs
Albert Camus

pindaro

sábado, outubro 30, 2010

O sentimento da música




























Onde encontrarmos algo que se pareça com a música devemos deter-nos; na vida não existe nada que valha mais a pena alcançar do que o sentimento da música, o sentimento de ressonância e de uma vida com ritmo, da justificação harmónica da existência. Onde houver tudo isto, poderá haver ainda coisas por explicar; a verdade é que ainda há muito por explicar em todos nós.

Hermann Hesse

pindaro

sexta-feira, outubro 29, 2010

Uma selva selvagem






A pele dela era a sua fronteira. Por detrás havia um mundo obscuro, cruel, uma selva selvagem e misteriosa. Ela, como todos os territórios inexplorados, atraía e assustava ao mesmo tempo. Fui eu que a descobri, mas a sua exploração(nunca fui capaz de falar de conquista)foi custosa. Só me salvou o meu instinto de conservação.

Guillermo Cabrera Infante

pindaro

quinta-feira, outubro 28, 2010

Fazendo a indiferença




























Viverás a mais bela das vidas se fores indiferente às coisas indiferentes

Marco Aurélio

pindaro

A melhor parte da nossa memória





























As recordações em amor não constituem uma excepção às leis gerais da memória, também ela regida pelas leis do hábito. Como esta enfraquece tudo, o que mais nos faz lembrar uma pessoa é justamente aquilo que havíamos esquecido por ser insignificante e a que assim devolvemos toda a sua força.
A melhor parte da nossa memória está deste modo fora de nós. Está num ar de chuva, num cheiro a quarto fechado ou no de um primeiro fogaréu, seja onde for que de nós mesmos encontemos aquilo que a nossa inteligência pusera de parte, a última reserva do passado, a melhor...

Marcel Proust

pindaro

quarta-feira, outubro 27, 2010

Te deshojé, como una rosa






























Te deshojé, como una rosa,
para verte tu alma,
y no la vi.

Mas todo en torno
-horizontes de tierras y de mares-,
todo, hasta el infinito,
se colmó de una esencia
inmensa y viva.

Juan Ramón Jimenez


pindaro

terça-feira, outubro 26, 2010

Os nossos demónios pessoais...




























Platão escrevia que víamos no rosto de quem amamos a imagem do deus que nos governa.
Convém acrescentar que também nele apercebemos os nossos demónios pessoais...


solino

Se elevaba hacia la luna































Todas las rosas blancas de la luna caían,
por la ventana abierta, en el cuerpo desnudo ...
Mirando aquellas carnes blandas que florecían,
hundido entre mis sueños, yo estaba absorto y mudo.

Oh su sexo con luna! ¡Esencia indefinible
de su sexo con luna! Hervían los blancores
de la carne, y el rostro, perdido en lo invisible
de la penumbra, lánguido, cerraba sus colores.

Era el enervamiento del dolor ... Y cual una
rosa de treinta años, opulenta y desierta,
el cuerpo blanco se elevaba hacia la luna
frío, espectral, azul, como una pompa muerta ...


Juan Ramón Jiménez



pindaro

segunda-feira, outubro 25, 2010

A gravidade das leis






Quanto da beleza é a sabedoria do véu

Solino

domingo, outubro 24, 2010

Das coisas não alcançáveis





























Perfume das coisas não alcançáveis, doçura das felicidades imerecidas, beleza das verdades que o nosso pensamento não criou.
Jeanne de Vietinghoff

pindaro

sábado, outubro 23, 2010

O valor de segredo e do perigo próximo




























O prestígio da nudez devia necessariamente resultar do valor de segredo e do perigo próximo que lhe é conferido pela sua qualidade de revelação nefasta e de meio mortal de sedução.

Paul Valery

pindaro

A presa























A mulher não é um predador, pelo contrário, é a presa que faz uma emboscada ao seu predador.
j. ortega y gasset

pindaro

If there is any reaction



























The meeting of two personalities is like the contact of two chemical substances: if there is any reaction, both are transformed.
Carl Jung

pindaro

sexta-feira, outubro 22, 2010

Friável diamante



















Se o ciúme nasce do intenso amor, quem não sente ciúmes pela amada não é amante, ou ama de coração ligeiro, de modo que se sabe de amantes os quais, temendo que o seu amor se atenue, o alimentam procurando a todo o custo razões de ciúme.
Portanto o ciumento (que porém quer ou queria a amada casta e fiel) não quer nem pode pensá-la senão como digna de ciúme, e portanto culpada de traição, atiçando assim no sofrimento presente o prazer do amor ausente. Até porque pensar em nós que possuímos a amada longe - bem sabendo que não é verdade - não nos pode tornar tão vico o pensamento dela, do seu calor, dos seus rubores, do seu perfume, como o pensar que desses mesmos dons esteja afinal a gozar um Outro: enquanto da nossa ausência estamos seguros, da presença daquele inimigo estamos, se não certos, pelo menos não necessariamente inseguros.
O contacto amoroso, que o ciumento imagina, é o único modo em que pode representar-se com verosimilhança um conúbio de outrem que, se não indubitável, é pelo menos possível, enquanto o seu próprio é impossível.
Assim o ciumento não é capaz, nem tem vontade, de imaginar o oposto do que teme, aliás só pode obter o prazer ampliando a sua própria dor, e sofrer pelo ampliado prazer de que se sabe excluído. Os prazeres do amor são males que se fazem desejar, onde coincidem a doçura e o martírio, e o amor é involuntária insânia, paraíso infernal e inferno celeste - em resumo, concórdia de ambicionados contrários, riso doloroso e friável diamante.

Umberto Eco


pindaro

Mulheres, poesia e música










- Vinícius, acho que vamos conversar sobre mulheres, poesia e música. Sobre mulheres porque corre a fama de que você é um grande amante. Sobre poesia porque você é um dos nossos grandes poetas. Sobre música porque você é o nosso menestrel. Vinícius, você amou realmente alguém na vida? Telefonei para uma das mulheres com quem você casou, e ela disse que você ama tudo, a tudo você se dá inteiro: a crianças, a mulheres, a amizades. Então me veio a idéia de que você ama o amor, e nele inclui as mulheres.

- Que eu amo o amor é verdade. Mas por esse amor eu compreendo a soma de todos os amores, ou seja, o amor de homem para mulher, de mulher para homem, o amor de mulher por mulher, o amor de homem para homem e o amor de ser humano pela comunidade de seus semelhantes.
Eu amo esse amor mas isso não quer dizer que eu não tenha amado as mulheres que tive. Tenho a impressão que, àquelas que amei realmente, me dei todo.

- Acredito, Vinícius. Acredito mesmo. Embora eu também acredite que quando um homem e uma mulher se encontram num amor verdadeiro, a união é sempre renovada, pouco importam as brigas e os desentendimentos: duas pessoas nunca são permanentemente iguais e isso pode criar no mesmo par novos amores.

- É claro, mas eu ainda acho que o amor que constrói para a eternidade é o amor paixão, o mais precário, o mais perigoso, certamente o mais doloroso. Esse amor é o único que tem a dimensão do infinito.

- Você já amou desse modo?

- Eu só tenho amado desse modo.

- Você acaba um caso porque encontra outra mulher ou porque se cansa da primeira?

- Na minha vida tem sido como se uma mulher me depositasse nos braços de outra. Isso talvez porque esse amor paixão pela sua própria intensidade não tem condições de sobreviver. Isso acho que está expresso com felicidade no dístico final do meu soneto "Fidelidade":

"que não seja imortal posto que é chama / mas que seja infinito enquanto dure".

- Você sabe que é um ídolo para a juventude? Será que agora que apareceu o Chico, as mocinhas trocaram de ídolo, as mocinhas e os mocinhos?

- Acho que é diferente. A juventude procura em mim o pai amigo, que viveu e que tem uma experiência a transmitir. Chico não, é ídolo mesmo, trata-se de idolatria.

- Você suporta ser ídolo? Eu não suportaria.

- Às vezes fico mal-humorado. Mas uma dessas moças explicou: é que você, Vinícius, vive nas estantes dos nossos livros, nas canções que todo mundo canta, na televisão. Você vive conosco, em nossa casa.

- Qual é a artista de cinema que você amaria?

- Marilyn Monroe. Foi um dos seres mais lindos que já nasceram. Se só exisitisse ela, já justificaria a existência dos Estados Unidos. Eu casaria com ela e certamente não daria certo porque é difícil amar uma mulher tão célebre. Só sou ciumento fisicamente, é o ciúme de bicho, não tenho outro.

- Fale-me sobre sua música.

- Não falo de mim como músico, mas como poeta. Não separo a poesia que está nos livros da que está nas canções.

- Vinícius, você já se sentiu sozinho na vida? Já sentiu algum desamparo?- Acho que sou um homem bastante sozinho. Ou pelo menos eu tenho um sentimento muito agudo da solidão.

- Isso explicaria o fato de você amar tanto, Vinícius.

- O fato de querer me comunicar tanto.

- Você sabe que admiro muito seus poemas, e, mais do que gostar, eu os amo. O que é a poesia para você?

- Não sei, eu nunca escrevo poemas abstratos, talvez seja o modo de tornar a realidade mágica aos meus próprios olhos. De envolvê-la com esse tecido que dá uma dimensão mais profunda e conseqüentemente mais bela.-

Reflita um pouco e me diga qual é a coisa mais importante do mundo, Vinícius?

- Para mim é a mulher, certamente.

- Você quer falar sobre sua música? Estou esperando.

- Dizem, na minha família, que eu cantei antes de falar. E havia uma cançãozinha que eu repetia e que tinha um leve tema de sons. Fui criado no mundo da música, minha mãe e minha avó tocavam piano, eu me lembro de como me machucavam aquelas valsas antigas.

- Meu pai também tocava violão, cresci ouvindo música. Depois a poesia fez o resto. (Fizemos uma pausa. Ele continuou:)

- Tenho tanta ternura pela sua mão queimada...(Emocionei-me e entendi que este homem envolve uma mulher de carinho.) Vinícius disse, tomando um gole de uísque:

- É curioso, a alegria não é um sentimento nem uma atmosfera de vida nada criadora. Eu só sei criar na dor e na tristeza, mesmo que as coisas que resultem sejam alegres. Não me considero uma pessoa negativa, quer dizer, eu não deprimo o ser humano. É por isso que acho que estou vivendo num momento de equilíbrio infecundo do qual estou tentando me libertar. O paradigma máxima para mim seria: a calma no seio da paixão. Mas realmente não sei se é um ideal humanamente atingível.

- Como é que você se deu dentro da vida diplomática, você que é o antiformal por excelência, você que é livre por excelência?

- Acontece que detesto tudo o que oprime o homem, inclusive a gravata. Ora, é notório que o diplomata é um homem que usa gravata. Dentro da diplomacia fiz bons amigos até hoje. Depois houve outro fato: as raízes e o sangue falaram mais alto. Acho muito difícil um homem que não volta ao seu quintal, para chegar ou pelo menos aproximar-se do conhecimento de si mesmo.- Como pessoa, Vinícius, o que é que desejaria alcançar?

- Eu desejaria alcançar outra coisa. Isso de calma no seio da paixão. Mas desejaria alcançar uma tal capacidade de amar que me pudesse fazer útil aos meus semelhantes.

- Quero lhe pedir um favor: faça um poema agora mesmo. Tenho certeza de que não será banal. Se você quiser, Menestrel, fale o seu poema.

- Meu poema é em duas linhas: você escreve uma palavra em cima e outra em baixo porque é um verso.É assim:Clarice Lispector
- Acho lindo o teu nome, Clarice.

- Você poderia me dizer quais as maiores emoções que já teve? Eu, por exemplo, tive tantas e tantas, boas e péssimas, que não ousaria falar delas.

- Minhas maiores emoções foram ligadas ao amor. O nascimento de filhos, as primeiras posses e os últimos adeuses. Mesmo tendo duas experiências de quase morte - desastre de avião e de carro - mesmo essa experiência de quase morte nem de longe se aproximou dessas emoções de que te falei.

- Você se sente feliz? Essa, Vinícius, é uma pergunta idiota, mas que eu gostaria que você respondesse.

- Se a felicidade existe, eu só sou feliz enquanto me queimo e quando a pessoa se queima não é feliz. A própria felicidade é dolorosa.Meditamos um pouco, conversamos mais ainda, Vinícius saiu. Então telefonei para cada uma das esposas de Vinícius.

- Como é que você se sente casada com Vinícius?Ela respondeu com aquela voz que é um murmúrio de pássaro:

- Muito bem. Ele me dá muito. E mais importante do que isso, ele me ajuda a viver, a conhecer a vida, a gostar das pessoas. Depois conversei com uma mocinha inteligente:

- A música de Vinícius, disse ela, fala muito de amor e a gente se identifica sempre com ela.- Você teria um 'caso' com ele?-

Não, porque apesar de achar Vinícius amorável, eu amo um outro homem. E Vinícius me revela ainda mais que eu amo aquele homem. A música dele faz a gente gostar ainda mais do amor. E "de repente, não mais que de repente", ele se transforma em outro: e é o nosso poetinha como o chamamos.

Eis pois alguns segredos de uma figura humanagrande e que vive a todo risco. Porque há grandeza em Vinícius de Morais.



clarice lispector/vinicius de morais

quinta-feira, outubro 21, 2010

Pequenas suposições em falso




























É espantoso como o ciúme, que passa o tempo a fazer pequenas suposições em falso, tem pouca imaginação quando se trata de descobrir a verdade.
Marcel Proust

PINDARO

quarta-feira, outubro 20, 2010

São-no os afectos




























A Pátria não é a terra; não é o bosque, o rio, o vale, a montanha, a árvore, a bonina: são-no os afectos que esses objectos nos recordam na história da vida....
Alexandre Herculano

pindaro

O significado não está no interior





























O significado não está no interior do livro, mas à volta dele.
Joseph Conrad

pindaro

terça-feira, outubro 19, 2010

Há lugares no coração







Há lugares no coração do homem que não têm existência ainda; e neles penetra o sofrimento, para que possam tê-la.
Léon Bloy


pindaro

Sem se enredar nelas




























Espírito é o dom de penetrar as coisas sem se enredar nelas.
Ernest Bersot

pindaro

segunda-feira, outubro 18, 2010

Templando



"(...)
Mas eu vi Manuel Rodriguez
Manolete, o mais deserto,
o toureiro mais agudo
mais mineral e desperto,
(...)
o que à tragédia deu número,
à vertigem geometria
decimais à emoção
e ao susto, peso e medida,

sim, eu vi Manuel Rodriguez,
Manolete, o mais asceta,
não só cultivar sua flor
mas demonstrar aos poetas:

como domar a explosão
com mão serena e contida,
sem deixar que se derrame
a flor que traz escondida.

E como, então, trabalhá-la
com mão certa, pouca e extrema:
sem perfumar sua flor
sem poetizar seu poema.”


João Cabral de Mello Neto


pindaro

domingo, outubro 17, 2010

Qué dios detrás de Dios la trama empieza?























En su grave rincón, los jugadores
Rigen las lentas piezas. El tablero
Los demora hasta el alba en su severo
Ámbito en que se odian dos colores.

Adentro irradian mágicos rigores
Las formas: torre homérica, ligero
Caballo, armada reina, rey postrero,
Oblicuo alfil y peones agresores.

Cuando los jugadores se hayan ido
Cuando el tiempo los haya consumido,
Ciertamente no habrá cesado el rito.

En el oriente se encendió esta guerra
Cuyo anfiteatro es hoy toda la tierra,
Como el otro, este juego es infinito.

II

Tenue rey, sesgo alfil, encarnizada
Reina, torre directa y peón ladino
Sobre lo negro y blanco del camino
Buscan y libran su batalla armada.

No saben que la mano señalada
Del jugador gobierna su destino,
No saben que un rigor adamantino
Sujeta su albedrío y su jornada.

También el jugador es prisionero
(La sentencia es de Omar) de otro tablero
De negras noches y de blancos días.

Dios mueve al jugador y éste, la pieza.
¿Qué dios detrás de Dios la trama empieza
De polvo y tiempo y sueño y agonía?

Jorge Luis Borges


pindaro

sábado, outubro 16, 2010

Tem muitos ângulos






(...)
Não, nisto de alguém se interrogar ao espelho, olhos nos olhos, é consoante. Tem muitos ângulos - e tu estás aí, que não me deixas mentir. Vários ângulos. Há quem procure, santa inocência, fazer um discurso de silêncio capaz de estilhaçar o vidro e há quem espere receber, por reflexo da própria imagem, algum calor animal que desconhece. Seja como for, o que dói, e assusta, e é triste e desastradamente cómico neste exercício, é o pleonasmo de si mesma em que a pessoa se transforma. Repete-se. Se bem que com feroz independência (todo o seu esforço é esse) repete-se em imagens controversas que a possam explicar.
(...)
Tudo isto, já te disse, tem de ser encarado a vários ângulos. Sempre a vários ângulos, não te esqueças, porque, segundo alguns, os personagens deste tipo são de visagem errante. Como toda a gente? Como toda a gente, possível. Só que esse que tens diante de ti nunca na vida soube administrar a sua imagem pública, como se pode depreender logo à primeira abordagem. Porquê, não se sabe; as razões podem ser muitas. Pudor, impaciência, falta de traquejo, sei lá. Há também a independência, a independência... demasiado impeditiva, sempre foi, mas por essa ou por outras razões, a verdade é que esse talento nunca ele teve. E não se julgue que a lacuna não é grave porque a imagem de marca que os corretores das Letras e os lobbies da Opinião põem a circular no mercado a cotações de estarrecer. Ah, os lobbies, ah, os lobbies. Ah, perfumadas sacristias onde o livro em branco, antes de ser livro, já foi condenado ou marcado com uma pétala seca na página da eternidade.
(...)
Aqui tens, José, o homem que te interroga. Que te fuma e te duvida. Que te acredita.
E com esta me despeço, adeus até outro dia, e que a terra nos seja leve por muitos anos e bons neste lugar e nesta companhia.
Pá, apaga-me essas rugas. Riscam o espelho, não vês?


José Cardoso Pires


pindaro

sexta-feira, outubro 15, 2010

Comprimentos e pontas






É o comer que faz a fome
Eça de Queiroz

pindaro

quinta-feira, outubro 14, 2010

A far and distant sea













“…e quando entrávamos no bar um homem, sempre o mesmo, voltava-se no banco alto e, trazendo o seu copo, vinha sentar-se connosco numa mesa.


E era difícil dizer de que tempo ele vinha; pois das personagens das histórias dum tempo antigo ele tinha a voz, o olhar e os gestos, mas não o destino nem a vida vivida.

Era mesmo como se ele tivesse rejeitado todo o destino, toda a vida vivida, como uma coisa alheia, exterior e falsa, e lhe bastasse aquele momento, aquele bar, aquela conversa, aquele copo.
Era como se ele tivesse querido guardar o seu ser à margem do vivido, por não haver na vida acto nenhum onde o ser pudesse ser cumprido e a existência concreta fosse apenas deturpação, falsificação, profanação.

E assim ele tinha resolvido usar a sua própria vida como não sendo dele, usá-la como os músicos da orquestra usavam os seus fatos alugados...

E o homem que se tinha vindo sentar junto de nós falava misturando as suas palavras com o tempo, com a noite, com o barulho do mar, com o respirar da brisa nas folhagens.

E das suas palavras nascia uma grande imagem que se ia abrindo e desdobrando em inumeráveis espaços.

A sua sensibilidade era tão perfeita que até na própria madeira da mesa a sua mão pousava com ternura.

Enquanto falava abria espantosamente os seus olhos, que eram azuis como o azul duma chama de álcool.

E o seu olhar era desmedido e impessoal como se para além de nós ele olhasse outra coisa.

Talvez:
A memória longínqua duma pátria
Eterna mas perdida e não sabemos
Se é passado ou futuro onde a perdemos

E à medida que ia falando, a imagem que nascia das suas palavras ia-se tornando interior à alma daqueles que o escutavam, como um mito.

Ele era como um limite como um marco que dissesse: Daqui em diante o mar não é mais navegável.

No entanto ele não se confundia com um deus.

Nos deuses ser e existir estão unidos.

Nele a vida vivida nem sequer era serva do ser, nem sequer era o chão que o ser pisava, mas apenas acaso sem nexo, desencontro, acidente sem forma e sem verdade, acidente desprezado.

… esteve um longo tempo calado.
Depois debruçou-se sobre a mesa e disse:


There is a sea,
A far and distant sea
Beyond the farthest line,
Where all my ships that went astray
Where all my dreams of yesterday
Are mine.

(...) "

Sophia de Mello Breyner
("Contos Exemplares"- personagem inspirado em D. José Maria Gonçalves Zarco da Camara, 11º conde da Ribeira Grande)


pindaro

quarta-feira, outubro 13, 2010

As boas cores

























A felicidade no amor dá tudo, até as boas cores.
Eça de Queiroz

pindaro

El sabroso oficio



























el sabroso oficio
del dulce mirar

Góngora

pindaro

A arte da respiração




























Se os outros me abandonam é porque devo estar a aproximar-me do essencial.
Casimiro Brito

pindaro

No país das maravilhas




























Não se entra no país das maravilhas,
pois ele fica do lado de fora,
não do lado de dentro.
Se há saídas
que dão nele, estão certamente à orla
iridescente do meu pensamento,
jamais no centro vago do meu eu.


António Cícero

pindaro

As coisas findas





























Amar o perdido
deixa confundido
este coração.
Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.
As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.
Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão.


Carlos Drummond de Andrade

pindaro

La mer est ton miroir























Homme libre, toujours tu chériras la mer!
La mer est ton miroir, tu contemples ton âme
Dans le déroulement infini de sa lame
Et ton esprit n'est pas un gouffre moins amer.

Tu te plais a plonger au sein de ton image;
Tu l'embrasses des yeux et des bras, et ton coeur
Se distrait quelquefois de sa propre rumeur
Au bruit de cette plainte indomptable et sauvage.

Vous êtes tous les deux ténébreux et discrets;
Homme, nul n'a sondé le fond de tes abîmes;
O mer, nul ne connaît tes richesses intimes,
Tant vous êtes jaloux de garder vos secrets!

Et cependant voilà des siècles innombrables
Que vous vous combattez sans pitié ni remords,
Tellement vous aimez le carnage et la mort,
O lutteurs éternels, O frères implacables!

Charles Baudelaire

pindaro

terça-feira, outubro 12, 2010

Desde los mares



















a quién
desde los mares
ahora
esperas?


Pablo Neruda

pindaro

segunda-feira, outubro 11, 2010

Es tan largo el olvido























Es tan corto el amor y tan largo el olvido.
Pablo Neruda

pindaro

domingo, outubro 10, 2010

Uma terceira coisa




























Entre o viver e o sonhar
Há uma terceira coisa
Adivinha-a.

Antonio Machado
pindaro

Cada uno de nosotros
























...Cada uno de nosotros es sucesivamente, no uno, sino muchos. Y estas personalidades sucesivas, que emergen las unas de las otras, suelen ofrecer entre sí los más raros y asombrosos contrastes.
José Enrique Rodó

pindaro

sábado, outubro 09, 2010

Rien ne vas plus



























O verdadeiro homem quer duas coisas:o perigo e o jogo. Por isso quer a mulher: o jogo mais perigoso.
Friedrich Nietzsche

pindaro

Rememberings




















There are some things one remembers even though they may never have happened.
Harold Pinter


pindaro

sexta-feira, outubro 08, 2010

Sorrisos de esquecer





No teu olhar eu leio
Um lúbrico vagar.
Dorme no sonho de existir
E na ilusão de amar.

Tudo é nada, e tudo
Um sonho finge ser.
O espaço negro é mudo.
Dorme, e, ao adormecer,
Saibas do coração sorrir
Sorrisos de esquecer.
Dorme sobre o meu seio,
Sem mágoa nem amor...


No teu olhar eu leio
O íntimo torpor
De quem conhece o nada-ser
De vida e gozo e dor.

Fernando Pessoa


pindaro

quinta-feira, outubro 07, 2010

La incertidumbre





























La incertidumbre es una margarita cuyos pétalos no se terminan jamás de deshojar.
Mario Vargas Llosa

pindaro

Llena los vacíos




























La literatura ayuda a vivir, llena los vacíos e insuficiencias de la vida.
Mario Vargas Llosa

pindaro

Es el mundo de la perfección.






El mundo de la literatura, el mundo del arte, es el mundo de la perfección.
Es el mundo donde la belleza, que es lo que en última instancia le da su independencia, su verdad, su autenticidad, nos enfrenta a la acabado, a lo absolutamente abarcable con el conocimiento, con la conciencia además con una visón esférica que jamás llegamos a tener. Entonces, cuando nosotros regresamos de una gran novela, de ese mundo de ilusión, de ese espejismo, deslumbrante que es el de una ficción lograda que se nos impone como una verdad irresistible a este mundo nuestro, cuál es la reacción natural? El cotejo es inevitable. Y la conclusión de ese cotejo es el de que pequeño es este mundo comparado con ese mundo tan grande, tan rico del que acabamos de salir. Y que feo, mediocre y sórdido es este mundo comparado con ese mundo donde todo aprecia tan bello, incluso las peores aspectos de la condición humana, las manifestaciones más sombrías, tétricas, crueles de lo que es el hombre tenia un encanto que el escritor, el creador había conseguido impregnarle, que a nosotros nos lo hacia aceptable, incluso emocionante y por lo tanto bello.


Mario Vargas Llosa

pindaro

quarta-feira, outubro 06, 2010

La hermosa máscara











Es el amor. Tendré que ocultarme o que huir.
Crecen los muros de su cárcel, como en un sueño atroz.
La hermosa máscara ha cambiado, pero como siempre es la única.
¿De qué me servirán mis talismanes: el ejercicio de las letras,
la vaga erudición, el aprendizaje de las palabras que usó el áspero Norte para cantar sus mares y sus espadas,
la serena amistad, las galerías de la biblioteca, las cosas comunes,
los hábitos, el joven amor de mi madre, la sombra militar de mis muertos, la noche intemporal, el sabor del sueño?
Estar contigo o no estar contigo es la medida de mi tiempo.
Ya el cántaro se quiebra sobre la fuente, ya el hombre se
levanta a la voz del ave, ya se han oscurecido los que miran por las ventanas, pero la sombra no ha traído la paz.
Es, ya lo sé, el amor: la ansiedad y el alivio de oír tu voz, la espera y la memoria, el horror de vivir en lo sucesivo.
Es el amor con sus mitologías, con sus pequeñas magias inútiles.
Hay una esquina por la que no me atrevo a pasar.
Ya los ejércitos me cercan, las hordas.
(Esta habitación es irreal; ella no la ha visto.)
El nombre de una mujer me delata.
Me duele una mujer en todo el cuerpo.


Jorge Luís Borges

pindaro

En mi serena noche del alma




















Amor de mis entrañas, viva muerte,
en vano espero tu palabra escrita
y pienso, con la flor que se marchita,
que si vivo sin mí quiero perderte.

El aire es inmortal. La piedra inerte
ni conoce la sombra ni la evita.
Corazón interior no necesita
la miel helada que la luna vierte.

Pero yo te sufrí. Rasgué mis venas,
tigre y paloma, sobre tu cintura
en duelo de mordiscos y azucenas.

Llena pues de palabras mi locura
o déjame vivir en mi serena
noche del alma para siempre oscura.


Frederico Garcia Lorca

pindaro

terça-feira, outubro 05, 2010

Nostalgia



























Na verdade, a filosofia é nostalgia, o desejo de se sentir em casa em qualquer lugar.

Novalis

pindaro

segunda-feira, outubro 04, 2010

É solitário e vai







O poema é solitário.É solitário e vai
a caminho.Quem o escreve torna-se parte integrante dele.


Paul Celan

pindaro

A função da luz























Uma lamparina de azeite nunca se apaga. É uma luz que realiza sempre a função da luz – extrair objectos iluminados dos objectos apagados.
Maria Gabriela Llansol


pindaro

domingo, outubro 03, 2010

O tempo não tem praias























Gozemos da hora fugitiva!
O homem não tem porto,
o tempo não tem praias;
corre e nós passamos.
Alphonse Lamartine

pindaro