quinta-feira, março 31, 2011
Comprimentos e pontas
Quando erro - e tenho errado muito - pergunto sempre: Poderia eu ter errado melhor?
José Rodrigues Miguéis
pindaro
Repetido o acto mil vezes
A bolota taluda ficara ali muito quieta, muito bem refastelada em virtude do próprio peso, enterrada que nem pelouro de batalha depois de passarem carros e carretas. Que fazer senão deitar-se a dormir?! Dormiu uma hora ou uma vida inteira, quem sabe?! Um laparoto veio lá de cascos de rolha, rapou a terra, fez um toural, aliviou-se, e ela ficou por baixo, sufocada sem poder respirar, em plena escuridão. Estava no fim do fim? Um belisco, e do seu flanco saiu como uma flecha. Era de luz ou de vida? Era uma fonte ou antes um cântico de ave, de água corrente, de vagem a estalar com o sol (... )? Era tudo isto, encarnado no fogo incomburente que lhe lavrava no flanco, verbo que acabou por irradiar do próprio mistério do seu ser.
Do pinhão, que um pé-de-vento arrancou da pinha-mãe, e da bolota, que a ave deixou cair no solo, repetido o acto mil vezes, gerou-se a floresta.
Aquilino Ribeiro
pindaro
Dos laços que Amor arma brandamente
Mas quem pode livrar-se por ventura
Dos laços que Amor arma brandamente
Entre as rosas e a neve humana pura,
O ouro e o alabastro transparente?
Quem de uma peregrina formosura,
De um vulto de Medusa propriamente,
Que o coração converte, que tem preso,
Em pedra não, mas em desejo aceso?
Luis de Camões
pindaro
Se murió el mar una noche
Se murió el mar una noche
de una orilla a la otra orilla
se arrugó, se recogió
como manto que retiran.
Igual que albatros beodo
y que la alimaña huida
hasta el último horizonte
con diez oleajes corría.
Y cuando el mundo robado
volvió a ver la luz del día
él era un cuerno cascado
que al grito no respondía.
Mirada huérfana echaban
acantilados y rías
al cancelado horizonte
que su amor no respondía
y aunque el sueño él volease
el pulpo y la pesadilla
al umbral de nuestras casas
los ahogados escupía.
Gabriela Mistral
pindaro
quarta-feira, março 30, 2011
Amador, não cures delas...
To indicate the horizon
Let us begin with a simple line,
Drawn as a child would draw it,
To indicate the horizon,
More real than the real horizon,
Which is less than line,
Which is visible abstraction, a ratio.
The line ravishes the page with implications
Of white earth, white sky!
The horizon moves as we move,
Making us feel central.
But the horizon is an empty shell—
Strange radius whose center is peripheral.
As the horizon draws us on, withdrawing,
The line draws us in,
Requiring further lines,
Engendering curves, verticals, diagonals,
Urging shades, shapes, figures…
What should we place, in all good faith,
On the horizon? A stone?
An empty chair? A submarine?
Take your time. Take it easy.
The horizon will not stop abstracting us.
James Galvin
pindaro
A gravidade das leis
Aonde leva esta dança
El toreo no engaña
terça-feira, março 29, 2011
Assim como tu és o meu
segunda-feira, março 28, 2011
A coisas só belas
domingo, março 27, 2011
Para gozar nas máximas proporções a vantagem de viver
Com estes olhos que recebemos da Madre Natureza, lestos e sãos, nós podemos apenas distinguir além, através da Avenida, naquela loja, uma vidraça alumiada.
Nada mais! Se eu porém aos meus olhos juntar os dois vidros simples de um binóculo de corridas, percebo, por trás da vidraça, presuntos, queijos, boiões de geléia e caixas de ameixa seca.
Concluo, portanto, que é uma mercearia.
Obtive uma noção: tenho sobre ti, que com os olhos desarmados vês só o luzir da vidraça, uma vantagem positiva.
Se agora, em vez destes vidros simples, eu usasse os de meu telescópio, de composição mais científica, poderia avistar além, no planeta Marte, os mares, as neves, os canais, o recorte dos golfos, toda a geografia de um astro que circula a milhares de léguas dos Campos Elísios.
É outra noção, e tremenda! Tens aqui, pois, o olho primitivo, o da natureza, elevado pela Civilização à sua máxima potência da visão.
E desde já, pelo lado do olho, portanto, eu, civilizado, sou mais feliz que o incivilizado, porque descubro realidades do universo que ele não suspeita e de que está privado.
Aplica esta prova a todos os órgãos e compreende o meu princípio.
Enquanto à inteligência, e à felicidade que dela se tira pela incansável acumulação das noções, só te peço que compares Renan e o Grilo... Claro é, portanto, que nos devemos cercar de Civilização nas máximas proporções para gozar nas máximas proporções a vantagem de viver.
eça de queirós
(A cidade e as serras)
pindaro
sábado, março 26, 2011
sexta-feira, março 25, 2011
Nas mores alegrias mor tristeza
A formosura desta fresca serra,
E a sombra dos verdes castanheiros,
O manso caminhar destes ribeiros,
Donde toda a tristeza se desterra;
O rouco som do mar, a estranha terra,
O esconder do sol pelos outeiros,
O recolher dos gados derradeiros
Das nuvens pelo ar a branda guerra.
Enfim, tudo o que a rara natureza
Com tanta variedade nos ofrece ,
Me está, se não te vejo, magoando.
Sem ti, tudo me enoja e me aborrece;
Sem ti, perpetuamente estou passando
Nas mores alegrias mor tristeza.
Luís de Camões
pindaro
Com desenhos de andar
Aqui está minha vida.
Esta areia tão clara com desenhos de andar dedicados ao vento.
Aqui está minha voz,
esta concha vazia, sombra de som
curtindo seu próprio lamento
Aqui está minha dor,
este coral quebrado,
sobrevivendo ao seu patético momento.
Aqui está minha herança,
este mar solitário
que de um lado era amor e, de outro,
esquecimento.
cecília meireles
pindaro
La música callada del toreo
Pour mieux se ressentir et s'exalter
quinta-feira, março 24, 2011
E a sede infinita
Celle que l'on devine
Princípios sumos da voluptuosidade criadora
De cinta era fina, e no andar, um tudo-nada flexuoso, punha um dengue tão involuntário que se quedava em requebro natural, promissor de temperamento. Pertencia em suma à classe de mulheres que, a começar pelo corpo e a acabar pela alma, se tornam amantes perfeitas. Lianças com elas jamais se rompem. Quem as ama, ama-as até à morte. Quando desaparecem, deixam inextinguível braseiro. É que deram com a sua carne a beber o filtro que não perdoa, onde se concentraram meiguice e enliçamento animal, princípios sumos da voluptuosidade criadora.
Aquilino Ribeiro
pindaro
Suaves como las uvas
Para que tú me oigas
mis palabras
se adelgazan a veces
como las huellas de las gaviotas en las playas.
Collar, cascabel ebrio
para tus manos suaves como las uvas.
Y las miro lejanas mis palabras.
Más que mías son tuyas.
Van trepando en mi viejo dolor como las yedras.
Ellas trepan así por las paredes húmedas.
Eres tú la culpable de este juego sangriento.
Ellas están huyendo de mi guarida oscura.
Todo lo llenas tú, todo lo llenas.
Antes que tú poblaron la soledad que ocupas,
y están acostumbradas más que tú a mi tristeza.
Ahora quiero que digan lo que quiero decirte
para que tú las oigas como quiero que me oigas.
El viento de la angustia aún las suele arrastrar.
Huracanes de sueños aún a veces las tumban.
Escuchas otras voces en mi voz dolorida.
Llanto de viejas bocas, sangre de viejas súplicas.
Ámame, compañera. No me abandones. Sígueme.
Sígueme, compañera, en esa ola de angustia.
Pero se van tiñendo con tu amor mis palabras.
Todo lo ocupas tú, todo lo ocupas.
Voy haciendo de todas un collar infinito
para tus blancas manos, suaves como las uvas.
Pablo Neruda
Pindaro
quarta-feira, março 23, 2011
Me retece e configura
Este amor em meadas e triciclos
que nunca se divide, confluindo
e torna noite este sapato findo
e o firmamento, silencioso ciclo.
Este amor em meadas, infinito.
Em meadas de orvalho, desavindo,
em meadas e quedas, rugas, trincos
e rusgas, trinos, pios e sóis contritos.
Este amor me retece e configura.
Tem pressa de crescer, fogo calado.
Apenas queima, quando não se apura.
Parece interminável, quando tomba.
E só se apura, quando despertado.
Dissolvido me solve em clara onda.
Carlos Nejar
pindaro
terça-feira, março 22, 2011
Cambiador
Enfiamento é a linha fictícia
que une dois ou três pontos situados na terra ou no mar...
Já dizia o padre António Vieira ser "inclinação natural anelar ao negado".
Retira-se de facto sabor acrescido se o alcançado é, antes, recusado.
Melhor ainda, tratando-se de coisa interdita.
E, delícia então, se a coisa é insólita.
O negado mais o proibido mais o insólito casam os cheiros e os sabores por inteiro.
A transgressão, a caça e a guerra amamentam-se disto.
O carácter do pecado navega no encanto da sensibilidade à angústia que fundamenta o interdito, porque transgredir não é negar a proibição, antes é rematá-la, perfazendo-a.
O objecto da dádiva é o descomedimento, soberbo e audaz, e o refluxo das proibições liberta o tumulto da exuberância e a desordem dos clamores e brados.
O paradoxo da tempestade:o rosto anuncia o que o vestido dissimula, o alcance luminoso.
Mas para adivinhar o enigma e ouvir a voz da inacessível solidão tem de se ter bem presente que, como dizia Roíz Lobo, "em ribeiro grande saltar de trás".
D. Júlio
que une dois ou três pontos situados na terra ou no mar...
Já dizia o padre António Vieira ser "inclinação natural anelar ao negado".
Retira-se de facto sabor acrescido se o alcançado é, antes, recusado.
Melhor ainda, tratando-se de coisa interdita.
E, delícia então, se a coisa é insólita.
O negado mais o proibido mais o insólito casam os cheiros e os sabores por inteiro.
A transgressão, a caça e a guerra amamentam-se disto.
O carácter do pecado navega no encanto da sensibilidade à angústia que fundamenta o interdito, porque transgredir não é negar a proibição, antes é rematá-la, perfazendo-a.
O objecto da dádiva é o descomedimento, soberbo e audaz, e o refluxo das proibições liberta o tumulto da exuberância e a desordem dos clamores e brados.
O paradoxo da tempestade:o rosto anuncia o que o vestido dissimula, o alcance luminoso.
Mas para adivinhar o enigma e ouvir a voz da inacessível solidão tem de se ter bem presente que, como dizia Roíz Lobo, "em ribeiro grande saltar de trás".
D. Júlio
La scène érotique
She is always woman-like
I conclude, therefore that, fortune being changeful and mankind steadfast in their ways, so long as the two are in agreement men are successful, but unsuccessful when they fall out.
For my part I consider that it is better to be adventurous than cautious, because fortune is a woman, and if you wish to keep her under it is necessary to beat and ill-use her; and it is seen that she allows herself to be mastered by the adventurous rather than by those who go to work more coldly.
She is, therefore, always, woman-like, a lover of young men, because they are less cautious, more violent, and with more audacity command her.
Nicolo Machiavelli
The Prince
CHAPTER XXV.
-WHAT FORTUNE CAN EFFECT IN HUMAN AFFAIRS AND HOW TO WITHSTAND HER
pindaro
segunda-feira, março 21, 2011
Depois do mais que me dera
Vem aí a Primavera
diz-me sempre a tua boca
depois do mais que me dera
o que vem é coisa pouca
Olha o Verão que já não tarda
diz-me à tarde o teu peito
por mais frutos que ele traga
não há nenhum tão perfeito
Oiço os passos do Outono
dizem-me à noite os teus braços
o que mais ambiciono
é ouvir só os teus passos
O Inverno há-de chegar
diz-me à noite a tua mão
quanto mais a mão esfriar
mais calor no coração
E dia a dia por nós
passam as quatro estações
têm sempre a tua voz
eu respondo-lhes depois
David Mourão-Ferreira
pindaro
A selvagem exalação
Com a Primavera aprendi
domingo, março 20, 2011
Como um amor na boca
sábado, março 19, 2011
Um pouco da virtude do íman
Parecia que entrava nele uma parcela da fascinação amorosa daquela mulher, assim como no ferro entra um pouco da virtude do íman. Tratava-se, verdadeiramente, de uma sensação magnífica de prazer, uma destas sensações agudas e profundas que se experimentam quase que unicamente no inicio de um amor, que parecem não possuir um fundo físico ou espiritual como sucede com todas as outras, mas que se baseiam ao contrário num elemento neutro do nosso ser a que eu chamaria quase intermediário de natureza desconhecida, menos simples do que um espírito e mais subtil do que uma forma, onde a paixão se recolhe como que num receptáculo.
Gabriel d’Annunzio
pindaro
sexta-feira, março 18, 2011
O mais é nada
quinta-feira, março 17, 2011
Uma questão de donaire
Foi ela ou o meu dizer que se afogou?
quarta-feira, março 16, 2011
O espírito da coisa
É vão acreditar-se - escreveu ela - que o amor possa advir de uma comunhão de espíritos, de pensamentos; é a explosão simultânea de dois espíritos empenhados no acto independente de se expandirem. E a sensação é a de que alguma coisa explodiu dentro deles, silenciosamente. Em torno deste acontecimento, assombrado e apreensivo, o apaixonado ou a apaixonada continua a viver examinando a sua propria experiência; apenas a gratidão cria nela a ilusão de que comunica com o seu amigo, mas é falso, porquanto ele nada lhe deu. O objecto amado é, simplesmente, aquele que viveu uma experiência igual no mesmo instante, como um Narciso; e o desejo de estar junto do objecto amado é devido, em primeiro lugar, não à ideia de possuí-lo, mas, simplesmente, de permitir a comparação entre as duas experiências, como a mesma imagem vista em espelhos diferentes. Tudo isto pode preceder o primeiro olhar, o primeiro beijo, o primeiro contacto; preceder a ambição, o orgulho e a cobiça; preceder as primeiras declarações que assinalam o ponto de viragem - pois a partir daqui o amor degenera em hábito, em posse e ... em solidão.
Lawrence Durrel
pindaro
Yo te enseñé a besar con besos míos
Hay besos que pronuncian por sí solos
la sentencia de amor condenatoria,
hay besos que se dan con la mirada
hay besos que se dan con la memoria.
Hay besos silenciosos, besos nobles
hay besos enigmáticos, sinceros
hay besos que se dan sólo las almas
hay besos por prohibidos, verdaderos.
Hay besos que calcinan y que hieren,
hay besos que arrebatan los sentidos,
hay besos misteriosos que han dejado
mil sueños errantes y perdidos.
Hay besos problemáticos que encierran
una clave que nadie ha descifrado,
hay besos que engendran la tragedia
cuantas rosas en broche han deshojado.
Hay besos perfumados, besos tibios
que palpitan en íntimos anhelos,
hay besos que en los labios dejan huellas
como un campo de sol entre dos hielos.
Hay besos que parecen azucenas
por sublimes, ingenuos y por puros,
hay besos traicioneros y cobardes,
hay besos maldecidos y perjuros.
Judas besa a Jesús y deja impresa
en su rostro de Dios, la felonía,
mientras la Magdalena con sus besos
fortifica piadosa su agonía.
Desde entonces en los besos palpita
el amor, la traición y los dolores,
en las bodas humanas se parecen
a la brisa que juega con las flores.
Hay besos que producen desvaríos
de amorosa pasión ardiente y loca,
tú los conoces bien son besos míos
inventados por mí, para tu boca.
Besos de llama que en rastro impreso
llevan los surcos de un amor vedado,
besos de tempestad, salvajes besos
que solo nuestros labios han probado.
¿Te acuerdas del primero...? Indefinible;
cubrió tu faz de cárdenos sonrojos
y en los espasmos de emoción terrible,
llenaron sé de lágrimas tus ojos.
¿Te acuerdas que una tarde en loco exceso
te vi celoso imaginando agravios,
te suspendí en mis brazos... vibró un beso,
y qué viste después...? Sangre en mis labios.
Yo te enseñe a besar: los besos fríos
son de impasible corazón de roca,
yo te enseñé a besar con besos míos
inventados por mí, para tu boca.
Gabriela Mistral
pindaro
terça-feira, março 15, 2011
Dos excelentes dissimuladores não se tem notícia alguma
Dissimular é estender um véu composto de trevas honestas, do qual não se forma o falso mas sim dá algum repouso ao verdadeiro. (...) Nesta vida nem sempre se deve ser de coração aberto, e as verdades que mais nos importam dizem-se sempre até meio.
A dissimulação não é fraude. É uma indústria de não mostrar as coisas como são.E é indústria difícil: para nela ser excelente é preciso que os outros não reconheçam a nossa excelência. Se alguém ficasse célebre pela sua capacidade de camuflar-se, como os actores, todos saberiam que ele não é o que finge ser. Mas dos excelentes dissimuladores, que existiram e existem, não se tem notícia alguma.
Umberto Eco
pindaro
Passam os séculos e gasta-se o mundo
Comprimentos e pontas
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