quinta-feira, janeiro 27, 2005

Baile de Máscaras


“A ficção consiste não em fazer ver o invisível, mas em fazer ver até que ponto é invisível a invisibilidade do visível”

Michel Foucault



Era por Janeiro e o sol-e-dó de Chopin.

Lucinda, usando a écharpe branca como gaivota de arremesso, acostava ao mascarado à Citizen Kane que com o sorriso largo de velho salteador, entre fumos e babiolages perversas, ia repetindo: Foster, my name is Charles Foster e inquieta-me a concentração. Muito.

Lucinda, arrolando o Kane na secção “patine nostálgica”, dardejaou então o olho verde água para uma peça mais aciganada, o mascarado à Carlos Saúl Menem AKil que, cosidinho de cicatrizes, se esgueirava para uma zona parda do salão.

Vem a pêlo contar, a ponto largo, que esta máscara era de recurso, pois que o mascarado o que queria mesmo era ter vindo à Pierre Elliot Trudeau. Só que os cabedais a tanto não deram e ataviou-se conforme pôde. E, depois, o Menem sempre fora Presidente um ror de anos, curtido nos avatares do peronismo, acabando enredado nuns contrabandos de armas para a Croácia e para o Equador, o que dava um certo toque.

Aliás, tal como a máscara, o mascarado parecia compor uma “personalidad arroladora, pródiga en gestos optimistas y componedores”, o que, mais não seja, ajuda muito à festa.

Lucinda fez uma momice de amuo.

É que, tapando-lhe o Menem, passou na enfiação um mascarado muito travesso. E o pior é que, corvejando, não saía de lá. Da enfiação.

Vinha disfarçado de Carlos Lobo d´Ávila e, como ele, era mexilhão e bulhento.
Gostava de luzes.

Lucinda, desarranjada a perspectiva, deitou o olho, verde água, para a mesa redonda e animou a orelhinha no mesmo sentido.

Dizia o mascarado à Conde de Monte Cristo, sem trair a procedência do extremo sul: Isto não passa de um baile de vultos e fantasmas. Baile a sério, dos que soía, dou eu daqui a um ano. Vou pôr a conversa em rima.

Devastadora de pálpebras, a mascarada à Dorothy Parker, batida de cavaqueiras at the Algonquim Round Table, devolveu-lhe:

Meu caro, eu por mim gosto é de bailes como o do Conde de Orgel, que, como dizia o Radiguet, o nosso Raymond, tinha “romance de amor casto, mas tão escabroso quanto o romance menos casto”.

Monte Cristo, misterioso e predador, redarguiu: Senhora, pois eu, do Raymond, o que lhe digo é que “as manobras inconscientes de uma alma pura são ainda mais singulares que as combinações do vício.”

Do outro lado da mesa, o arreado à Torquemada, mas com óculos grandes, murmurou de si para si: Este gajo é fino como um coral…

Lucinda, ao debuxar a charpente de cada uma das figuras, pensou com os seus enfeites: Gente catita!

E foi-se a ares, ao terraço, onde, ensinara-lhe uma tia de Alfândega da Fé, sempre crocitam corvos de voo menos potente.




Solino

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