domingo, maio 14, 2006
Depois as sensaborias tartamudas
Passados momentos, Ifigénia, contemplando, sem as ver, umas figuras chinesas do seu leque, disse:
-De maneira que esta aparição imprevista de uma mulher desafortunada, se deu lugar à expansão, também foi causa a uma dor de V. Exa.!...
Calisto entrelaçou os dedos em postura suplicante, e exclamou:
-Chovam-lhe os arcanjos do Senhor quantas felicidades a bem-aventurança encerra! Nunca uma nuvem escura lhe enegreça os seus sonhos de felicidade! Multipliquem-se em alegrias eternas para V. Exa. estes instantes de ventura que me deu, minha misericordiosa amiga!
Nenhuma paixão súbita estalou ainda com estrondos deste tamanho. A gente compreende como estas coisas acontecem; casos se podem ter dado connosco da mesma natureza, mas o que nós fizemos nunca, se o amor nos assaltou de improviso, foi falar assim, romper tão depressa em veemências de entusiasmo. Nós, homens criados mais ou menos por salas, afeitos a subordinar o sentimento às práticas de civilidade, desafogamos em êxtases e suspiros, contemplamos embelezados a mulher que nos endoudeceu, respondemos com frioleiras gagas a uma pergunta, que nos ela faz com toda a presença do seu espírito. Toda a lástima é pouca para os ridiculíssimos trejeitos que fazemos então.
O morgado da Agra de Freimas não falaria daquele modo, nem tão do íntimo da alma apaixonada, se tivesse experiência dos usos da boa sociedade. Os bons usos ordenam que o homem se declare à mulher que ama, depois que as impressões repetidas de vê-la e ouvi-la hajam desfalcado o vigor do sentimento. A praxe requer primeiro o êxtase, depois as sensaborias tartamudas, ultimamente a declaração, com intervalo de três meses ao êxtase.
Camilo Castelo Branco
pindaro
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