sábado, setembro 30, 2006
Aquele mover de olhos excelente
Aquele mover de olhos excelente,
aquele vivo espírito inflamado
do cristalino rosto transparente;
aquele gesto imoto e repousado,
que, estando na alma propriamente escrito,
não pode ser em verso trasladado;
aquele parecer, que é infinito
para se compreender de engenho humano,
o qual ofendo enquanto tenho dito,
me inflama o coração dum doce engano.
me enleva e engrandece a fantasia,
que não vi maior glória que meu dano.
Oh, bem-aventurado seja o dia
em que tomei tão doce pensamento,
que de todos os outros me desvia!
E bem-aventurado o sofrimento
que soube ser capaz de tanta pena,
vendo que o foi da causa o entendimento!
Luís de Camões
pindaro
As sombras das ideias
Amor e esquecimento
Aqui está minha vida.
Esta areia tão clara com desenhos de andar dedicados ao vento.
Aqui está minha voz,
esta concha vazia, sombra de som
curtindo seu próprio lamento
Aqui está minha dor,
este coral quebrado,
sobrevivendo ao seu patético momento.
Aqui está minha herança,
este mar solitário
que de um lado era amor e, de outro,
esquecimento.
cecília meireles
pindaro
Tanto pior para ele
Os homens mais novos não entendem o... como é que vocês dizem?... o erotismo.
Até aos quarenta, caímos sempre no mesmo erro, não sabemos libertar-nos do amor: um homem que, em vez de pensar numa mulher como complemento de um sexo, pensa no sexo como complemento de uma mulher, está pronto para o amor: tanto pior para ele.
André Malraux
A Estrada Real
pindaro
Uma mulher atravessando-o
A sua água
De tal ordem é
Ilusión marina
sexta-feira, setembro 29, 2006
Sê-me flor
Dum trago ou não
Só quem da vida bebeu todo o vinho,
Dum trago ou não, mas sendo até o fundo,
Sabe (mas sem remédio) o bom caminho;
Conhece o tédio extremo da desgraça
Que olha estupidamente o nauseabundo
Cristal inútil da vazia taça.
fernando pessoa
pindaro
With his eyes open
He's dreaming with his eyes open, and those that dream with their eyes open are dangerous, for they do not know when their dreams come to an end.
Hugo Pratt
pindaro
De baixo para cima
Não te amo mais.
Estarei mentindo dizendo que
Ainda te quero como sempre quis.
Tenho certeza que
Nada foi em vão.
Sinto dentro de mim que
Você não significa nada.
Não poderia dizer jamais que
Alimento um grande amor.
Sinto cada vez mais que
Já te esqueci!
E jamais usarei a frase
EU TE AMO!
Sinto, mas tenho que dizer a verdade
É tarde demais...
Clarice Lispector
pindaro
Só tu me limparás
Bateu amor à porta da loucura.
"Deixe-me entrar - pediu - sou teu irmão.
Só tu me limparás da larva escura
a que me conduziu minha paixão".
Carlos Drummond de Andrade
pindaro
Mal rompe
Lutar com palavras é uma luta vã.
Enquanto lutamos mal rompe a manhã.
Carlos Drummond de Andrade
pindaro
Affairs of love
Friendship is constant in all things
Save in the office and affairs of love.
W. Shakespeare
pindaro
Puro e salgado
A minha vida é um barco abandonado
Infiel, no ermo porto, ao seu destino.
Por que não ergue ferro e segue o atino
De navegar, casado com o seu fado ?
Ah! falta quem o lance ao mar, e alado
Torne seu vulto em velas; peregrino
Frescor de afastamento, no divino
Amplexo da manhã, puro e salgado.
Morto corpo da ação sem vontade
Que o viva, vulto estéril de viver,
Boiando à tona inútil da saudade.
Os limos esverdeiam tua quilha,
O vento embala-te sem te mover,
E é para além do mar a ansiada Ilha
Fernando Pessoa
pindaro
Polpuda e licorosa
Génio da noite
Espírito que passas, quando o vento
Adormece no mar e surge a Lua,
Filho esquivo da noite que flutua,
Tu só entendes bem o meu tormento...
Como um canto longínquo, triste e lento
Que voga e subtilmente se insinua,
Sobre o meu coração, que tumultua,
Tu vertes pouco a pouco o esquecimento...
A ti confio o sonho em que me leva
Um instinto de luz, rompendo a treva,
Buscando, entre visões, o eterno Bem.
E tu entendes o meu mal sem nome,
A febre de Ideal, que me consome,
Tu só, Génio da Noite, e mais ninguém!
Antero de Quental
pindaro
Toda a música é minha
Entre os teus lábios
é que a loucura acode,
desce à garganta,
invade a água.
No teu peito
é que o pólen do fogo
se junta à nascente,
alastra na sombra.
Nos teus flancos
é que a fonte começa
a ser rio de abelhas,
rumor de tigre.
Da cintura aos joelhos
é que a areia queima,
o sol é secreto,
cego o silêncio.
Deita-te comigo.
Ilumina meus vidros.
Entre lábios e lábios
toda a música é minha.
Eugénio de Andrade
pindaro
quinta-feira, setembro 28, 2006
Demónios pessoais
Platão escreveu que víamos no rosto de quem amamos a imagem do deus que nos governa.
Convém acrescentar, que também nele apercebemos os nossos demónios pessoais...
solino
Palavras nuas
Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca.
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.
Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto;
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.
De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas inesperadas
Como a poesia ou o amor.
(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído
No papel abandonado)
Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.
Alexandre O´Neill
pindaro
Forever
He was my North, my South, my East and West,
My working week and my Sunday rest,
My noon, my midnight, my talk, my song;
I thought that love would last for ever; I was wrong.
Wystan Hugh Auden
pindaro
Para contá-la
A vida não é a que cada um viveu, mas a que recorda e como a recorda para contá-la.
Gabriel Garcia Marquez
pindaro
quarta-feira, setembro 27, 2006
A solidão espelho por espelho
No Palácio Mocenigo onde viveu sozinho
Lord Byron usava as grandes salas
Para ver a solidão espelho por espelho
E a beleza das portas quando ninguém passava
Escutava os rumores marinhos do silêncio
E o eco perdido de passos num corredor longínquo
Amava o liso brilhar do chão polido
E os tectos altos onde se enrolam as sombras
E embora se sentasse numa só cadeira
Gostava de olhar vazias as cadeiras
Sem dúvida ninguém precisa de tanto espaço vital
Mas a escrita exige solidões e desertos
E coisas que se vêem como quem vê outra coisa
Pudemos imaginá-lo sentado à sua mesa
Imaginar o alto pescoço espesso
A camisa aberta e branca
O branco do papel as aranhas da escrita
E a luz da vela - como em certos quadros -
Tornando tudo atento
Sophia de Mello Breyner
pindaro
Na alegria da tua vinha
De oiro e de sombra
Na voz de oiro e de sombra da guitarra
Algo de mim a si próprio renuncia.
Sophia de Mello Breyner
Pindaro
Um virar de página
O meu passado é tudo quanto não consegui ser. Nem as sensações de momentos idos me são saudosas: o que se sente exige o momento; passado este, há um virar de página e a história continua, mas não o texto.
Fernando Pessoa
pindaro
Salvo ser o mar
Olhando o mar, sonho sem ter de quê
Nada no mar, salvo o ser mar, se vê
Fernando Pessoa
pindaro
Ao possível oceano
E ao imenso e possível oceano
Ensinam estas quinas, que aqui vês
Que o mar com fim será grego ou romano
O mar sem fim é português
Fernando Pessoa
pindaro
No vento, ao passar
Sai-me dos dedos a carícia sem causa,
Sai-me dos dedos... No vento, ao passar,
A carícia que vaga sem destino nem fim,
A carícia perdida, quem a recolherá?
Posso amar esta noite com piedade infinita,
Posso amar ao primeiro que conseguir chegar.
Ninguém chega. Estão sós os floridos caminhos.
A carícia perdida, andará... andará...
Se nos olhos te beijarem esta noite, viajante,
Se estremece os ramos um doce suspirar,
Se te aperta os dedos uma mão pequena
Que te toma e te deixa, que te engana e se vai.
Se não vês essa mão, nem essa boca que beija,
Se é o ar quem tece a ilusão de beijar,
Ah, viajante, que tens como o céu os olhos,
No vento fundida, me reconhecerás?
Alfonsina Storni
pindaro
É redundância
Nestes casos, a intercomunicação lúbrica é tão natural como a do calor ou da electricidade. Não é que tudo no mundo é molecular? Um sexto sentido, particularmente apreensor nas mulheres, as avisa de quem as cobiça. Compreende-se que, ordenadas como receptáculo, seja mais desenvolvida nelas a faculdade de detecção. O homem pode ser amado e não fazer reparo. Quando se ama uma mulher e se está em contacto com ela, pode partir-se do princípio que está ciente. Qualquer declaração de amor é redundância.
Aquilino Ribeiro
pindaro
E depois?
O amor é o amor - e depois?
Vamos ficar os dois
a imaginar, a imaginar?...
O meu peito contra o teu peito
cortando o mar, cortando o ar.
Num leito
há todo o espaço para amar!
Na nossa carne estamos
sem destino, sem medo, sem pudor,
e trocamos - somos um? somos dois? -
espírito e calor!
O amor é o amor - e depois?
Alexandre O´Neill
Pindaro
O silêncio
Flor aberta na sombra
Através do escuro incomensurável
As mulheres porém não precisam de ser bonitas para serem amadas até à idolatria. Basta-lhes que possuam o quid magnético que chama o pirilampo para a pirilampa através do escuro incomensurável.
Aquilino Ribeiro
pindaro
terça-feira, setembro 26, 2006
Nothing more
segunda-feira, setembro 25, 2006
Le vin perdu
J'ai, quelque jour, dans l'Océan,
(Mais je ne sais plus sous quels cieux),
Jeté, comme offrande au néant,
Tout un peu de vin précieux...
Qui voulut ta perte, ô liqueur?
J'obéis peut-être au devin?
Peut-être au souci de mon coeur,
Songeant au sang, versant le vin?
Sa transparence accoutumée
Après une rose fumée
Reprit aussi pure la mer...
Perdu ce vin, ivres les ondes!...
J'ai vu bondir dans l'air amer
Les figures les plus profondes...
Paul Valéry
pindaro
Comme un pressentiment
La mer fascinera toujours ceux chez qui le dégoût de la vie et l'attrait du mystère ont devancé les premiers chagrins, comme un pressentiment de l'insuffisance de la réalité à les satisfaire.
Marcel Proust
pindaro
Pinheiro à beira-mar
Desejei-te pinheiro à beira-mar
para fixar o teu perfil exacto.
Desejei-te encerrada num retrato
para poder-te comtemplar.
Desejei que tu fosses sombra e folhas
no limite sereno desta praia.
E desejei: "Que nada me distraia
dos horizontes que tu olhas! "
Mas frágil e humano grão de areia
não me detive à tua sombra esguia.
(Insatisfeito, um corpo rodopia
na solidão que te rodeia.)
David Mourão-Ferreira
pindaro
Compadeciendo mi secura
Desde mi cielo a despedirme llegas
fino orvallo que lentamente bañas
los robledos que visten las montañas
de mi tierra, y los maíces de sus vegas.
Compadeciendo mi secura, riegas
montes y valles, los de mis entrañas,
y con tu bruma el horizonte empañas
de mi sino, y así en la fe me anegas.
Madre Vizcaya, voy desde tus brazos
verdes, jugosos, a Castilla enjuta,
donde fieles me aguardan los abrazos
de costumbre, que el hombre no disfruta
de libertad si no es preso en los lazos
de amor, compañero de la ruta.
Miguel de Unamuno
pindaro
Posto que é chama
De tudo, meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor ( que tive ) :
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
Vinicius de Moraes
pindaro
sábado, setembro 23, 2006
A arte de perder
A arte de perder não é nenhum mistério,
tantas coisas contém em si o acidente
de perdê-las, que perder não é nada sério
(...)
Perdi duas cidades lindas. E um império
que era meu, dois rios e mais um continente.
Tenho saudades deles. Mas não é nada sério.
Mesmo perder você (a voz, o ar etéreo
que eu amo) não muda nada. Pois é evidente
que a arte de perder não chega a ser mistério
por muito que pareça (Escreve!) muito sério.
Elizabeth Bishop
pindaro
Le rêve
Le rêve est une construction de l'intelligence à laquelle le constructeur assiste sans savoir comment cela va finir.
Cesare Pavese
pindaro
La lumière
Where do you go to my lovely?
You talk like Marlene Dietrich
And you dance like Zizi Jammaire
Your clothes are all made by Balmain
And there's diamonds and pearls in your hair
You live in a fancy apartment
On the Boulevarde St. Michel
Where you keep all your Rolling Stones records
And your friends of Sacha Distel, yes you do...
But where do you go to my lovely
When you're alone in your bed
Won't you tell me the thoughts that surround you
I want to look inside your head
I've seen all your qualifications
That you got from the Sorbonne
And the painting you stole from Picasso
Your loveliness goes on and on, yes it does
When you go on your summer vacation
You go to Juan-les-Pins
With your carefully-designed topless swimsuit
You get an even suntan on your back and on your legs
And when the snow falls you're found in St. Moritz
With the others of the jet-set
Where you sip your Napoleon Brandy
But you never once get your lips wet
Your name is heard in high places
You know the Aga Khan
He sent you a racehorse for Christmas
And you keep it just for fun, for a laugh hahaha
They say that when you get married
It'll be to a millionaire
But they don't realize where you came from
And I wonder if they really care, they give a damn
I remember the back streets of Naples
Two children begging in rags
Both touched with a burning ambition
To shake off their lowly-born tags, and they try
So look into my face Marie-Claire
And remember just who you are
Then go and forget me forever
'Cause I know you still bear the scar, deep inside, yes you do
'Cause I know where you go to my lovely
When you're alone in your bed
I can see all the thoughts that surround you
'Cause I can see inside your head
Peter Sarsted
Pindaro
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