quinta-feira, setembro 30, 2010
A minha inclinação em matéria de livros
A minha inclinação em matéria de livros (disse ele), de todos os que estão presentes é bem conhecida; somente poderei dar agora de novo a razão dela. Sou particularmente afeiçoado a livros de história verdadeira, e, mais que às outras, às do reino em que vivo e da terra onde nasci; dos Reis e Príncipes que teve; das mudanças que nele fez o tempo e a fortuna; das guerras, batalhas e ocasiões que nele houve; dos homens insignes, que, pelo discurso dos anos, floresceram; das nobrezas e brasões que por armas, letras, ou privança se adquiriram. O que me inclinou à escolha desta lição que tive alguma de um homem muito douto em o que o deve desejar de ser e parecer o que é nascido; ao qual ele dizia que o que mais convinha que soubesse era o apelido que tinha, donde lhe veio, quem foram seus passados, que armas lhe deixaram, a significação e fundamento da figura delas, como se adquiriram ou acrescentaram, os Reis que reinaram na sua pátria, as crónicas deles, os princípios, as conquistas, as empresas e o esforço dos seus naturais; porque, falando deles nas terras estranhas, ou na sua com estrangeiros, saiba dar verdadeira informação de suas cousas. E, alcançadas estas, lhe estará bem tudo o que mais puder saber das alheias. E, na verdade, nenhuma lição pode haver que mais recreie e aproveite que a que sei que é verdadeira, e, por natural, ao desejo dos homens deleitosa.
Francisco Roíz Lobo
(Corte na Aldeia)
Uma fruta proibida
Qual é mesmo a palavra secreta? Não sei é porque a ouso? Não sei porque não ouso dizê-la? Sinto que existe uma palavra, talvez unicamente uma, que não pode e não deve ser pronunciada. Parece-me que todo o resto não é proibido. Mas acontece que eu quero é exatamente me unir a essa palavra proibida. Ou será? Se eu encontrar essa palavra, só a direi em boca fechada, para mim mesma, senão corro o risco de virar alma perdida por toda a eternidade. Os que inventaram o Velho Testamento sabiam que existia uma fruta proibida. As palavras é que me impedem de dizer a verdade.
Clarice Lispector
pindaro
quarta-feira, setembro 29, 2010
De algum lado virá
É a música. De algum lado virá, é impossível que não venha do avesso da morte; com esse cheiro a resina deve ter atravessado os lúcidos bosques do verão, acolhido nas suas pausas o ardor das colinas nevadas. É a música. Procura-me. Terna, violenta, leva-me nas suas águas. Fundas. Frescas.
eugénio de andrade
pindaro
A música por baixo da música
terça-feira, setembro 28, 2010
É este amor tão fino
Pede o desejo, Dama, que vos veja.
Não entende o que pede; está enganado.
É este amor tão fino e tão delgado,
Que quem o tem não sabe o que deseja.
Não há cousa a qual natural seja
Que não queira perpétuo o seu estado.
Não quer logo o desejo o desejado,
Por que não falte nunca onde sobeja.
Mas este puro afeito em mim se dana;
Que, como a grave pedra tem por arte
O centro desejar da Natureza,
Assi o pensamento, pela parte
Que vai tomar de mim, terrestre, humana,
Foi, Senhora, pedir esta baixeza.
Luis de Camões
pindaro
segunda-feira, setembro 27, 2010
Comprimentos e pontas
domingo, setembro 26, 2010
Aquela precisão cruel
sábado, setembro 25, 2010
Noites de jogo escondido
sexta-feira, setembro 24, 2010
Deslizantes como segredos
Os prazeres dos amores são males que se fazem desejar. Deslizantes como segredos, a sua linguagem é a do fluxo das marés.
Coisas de naufrágios, portanto, onde se sentem bem os náufragos.
Um deles, Giovan Battista Marino, bem dizia:
Ahi, ch´altro non risponde, che il mormorar de l´onde!,
e uma outra, Ayn Rand, percebeu, nas luzes da noite, que ninguém consegue escapar à necessidade de uma filosofia e que a única variação é se sua filosofia é escolhida por si próprio ou pelo acaso...
Ressemantizadas as frases, do que se trata é de fingir de verdade, como uma luz de relâmpagos agrupados, sabendo que - outro náufrago, Scott Fitzgerald – toda a boa escrita é nadar debaixo de água com a respiração suspensa.
Afinal, quem mareou ao redor da ilha do dia antes, sabe que há pessoas que nunca se apaixonariam se não tivessem ouvido falar do amor...
Solino
quinta-feira, setembro 23, 2010
quarta-feira, setembro 22, 2010
Deseo
Sólo tu corazón caliente,
Y nada más.
Mi paraíso, un campo
Sin ruiseñor
Ni liras,
Con un río discreto
Y una fuentecilla.
Sin la espuela del viento
Sobre la fronda,
Ni la estrella que quiere
Ser hoja.
Una enorme luz
Que fuera
Luciérnaga
De otra,
En un campo de
Miradas rotas.
Un reposo claro
Y allí nuestros besos,
Lunares sonoros
Del eco,
Se abrirían muy lejos.
Y tu corazón caliente,
Nada más.
Federico Garcia Lorca
pindaro
terça-feira, setembro 21, 2010
Algo así como un misterio
segunda-feira, setembro 20, 2010
Metade da minha alma
Mar, metade da minha alma é feita de maresia
Pois é pela mesma inquietação e nostalgia,
Que há no vasto clamor da maré cheia,
Que nunca nenhum bem me satisfez.
E é porque as tuas ondas desfeitas pela areia
Mais fortes se levantam outra vez,
Que após cada queda caminho para a vida,
Por uma nova ilusão entontecida.
Sophia de Mello Breyner
pindaro
Hay besos...
Hay besos que pronuncian por sí solos
la sentencia de amor condenatoria,
hay besos que se dan con la mirada
hay besos que se dan con la memoria.
Hay besos silenciosos, besos nobles
hay besos enigmáticos, sinceros
hay besos que se dan sólo las almas
hay besos por prohibidos, verdaderos.
Hay besos que calcinan y que hieren,
hay besos que arrebatan los sentidos,
hay besos misteriosos que han dejado
mil sueños errantes y perdidos.
Hay besos problemáticos que encierran
una clave que nadie ha descifrado,
hay besos que engendran la tragedia
cuantas rosas en broche han deshojado.
Hay besos perfumados, besos tibios
que palpitan en íntimos anhelos,
hay besos que en los labios dejan huellas
como un campo de sol entre dos hielos.
Hay besos que parecen azucenas
por sublimes, ingenuos y por puros,
hay besos traicioneros y cobardes,
hay besos maldecidos y perjuros.
Judas besa a Jesús y deja impresa
en su rostro de Dios, la felonía,
mientras la Magdalena con sus besos
fortifica piadosa su agonía.
Desde entonces en los besos palpita
el amor, la traición y los dolores,
en las bodas humanas se parecen
a la brisa que juega con las flores.
Hay besos que producen desvaríos
de amorosa pasión ardiente y loca,
tú los conoces bien son besos míos
inventados por mí, para tu boca.
Besos de llama que en rastro impreso
llevan los surcos de un amor vedado,
besos de tempestad, salvajes besos
que solo nuestros labios han probado.
¿Te acuerdas del primero...? Indefinible;
cubrió tu faz de cárdenos sonrojos
y en los espasmos de emoción terrible,
llenaron sé de lágrimas tus ojos.
¿Te acuerdas que una tarde en loco exceso
te vi celoso imaginando agravios,
te suspendí en mis brazos... vibró un beso,
y qué viste después...? Sangre en mis labios.
Yo te enseñe a besar: los besos fríos
son de impasible corazón de roca,
yo te enseñé a besar con besos míos
inventados por mí, para tu boca.
Gabriela Mistral
pindaro
domingo, setembro 19, 2010
Soneto da fidelidade
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa (me) dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
Vinicius de Moraes
pindaro
O grande mistério
sábado, setembro 18, 2010
Ave estroina serei em mãos sedentas
Nada a fazer, amor, eu sou do bando
Impermanente das aves friorentas;
E nos galhos dos anos desbotando
Já as folhas me ofuscam macilentas;
E vou com as andorinhas. Até quando?
À vida breve não perguntes: cruentas
Rugas me humilham. Não mais em estilo brando
Ave estroina serei em mãos sedentas.
Pensa-me eterna que o eterno gera
Quem na amada o conjura. Além, mais alto,
Em ileso beiral, aí espera:
Andorinha indemne ao sobressalto
Do tempo, núncia de perene primavera.
Confia. Eu sou romântica. Não falto.
Natália Correia
pindaro
sexta-feira, setembro 17, 2010
De luz subitamente tão acesa
Faróis distantes,
De luz subitamente tão acesa,
De noite e ausência tão rapidamente volvida,
Na noite, no convés, que consequências aflitas!
Mágoa última dos despedidos,
Ficção de pensar ...
Faróis distantes ...
Incerteza da vida ...
Voltou crescendo a luz acesa avançadamente,
No acaso do olhar perdido ...
Faróis distantes...
A vida de nada serve ...
Pensar na vida de nada serve ...
Pensar de pensar na vida de nada serve ...
Vamos para longe e a luz que vem grande vem menos grande.
Faróis distantes ...
Álvaro de Campos
pindaro
A memória é um museu
quinta-feira, setembro 16, 2010
Uma conversação de amigos bem acostumados
Aqui ofereço a V. Excelência uma conversação de amigos bem acostumados, umas noites de Inverno melhor gastadas que as que se passam em outros exercícios prejudiciais à vida e consciência; finalmente uma Corte que, como bonina do mato, a que falta o cheiro e a brandura das dos jardins, ainda que na aparência e cores a queira contrafazer, é contudo diferente. Se os ditos destes aldeãos cheirarem a Corte, acreditarão o título do livro, e, se souberem ao monte, também nele se confessa por Corte da Aldeia.
Francisco Roíz Lobo
pindaro
A infinita diversidade
Os homens que têm a mania das mulheres dividem-se facilmente em duas categorias. Uns procuram em todas as mulheres a ideia que eles próprios têm da mulher tal como ela lhe aparece em sonhos, o que é algo de subjectivo e sempre igual. Aos outros, move-os o desejo de se apoderarem da infinita diversidade do mundo feminino objectivo.
Milan Kundera
pindaro
Milan Kundera
pindaro
quarta-feira, setembro 15, 2010
À guisa de petisco d´alma
Servem-se por agora não a aboborinha com alho e hortelã e os espetinhos de moela mas, à guisa de petisco d´alma, sabores espirituais entremeados segundo a sabida regra de Iriarte, que, aos epigramas, queria-os como abelhas:
“A la abeja semejante
para que cause placer,
el epigrama há de ser
pequeno, dulce e punzante.”
Pensamentos de talher, servidos sem guarnição pelos vateis maiores da santa terrinha.
A esmo, alguns relances de Camilo, Eça e Fialho:
“Consta que ele foi typographo em Coimbra para pagar os estudos.
Não havia de gastar muito se pagou o que sabe”
“…esses apenas produzem vegetalidades de folhagem amarellada, e alguns tortulhos bravos de espécie venenosa, rajados pela peçonha das velhas inépcias.”
“Trajava com elegância, vestia luva gema de ovo todos os dias, e aos domingos alugava cavalo.”
“Naquele tempo até as mulheres de espírito ruim me pareciam boas.”
“Diz adeus às tuas cabrinhas que eu volto já, filha…”
“Tinha a dose de velhacaria que a natureza concede a cada tolo maior de marca.”
Camilo
“Tinha muita lição de livro mau donde sacava virtuosas parvoiçadas, mas habitava nele um gosto depravado pelo fadinho e um justo amor pelo bacalhau de cebolada.”
“Nesse momento estalavam foguetes ao longe, Lembrei-me que era domingo, dia de touros: de repente uma visão rebrilhou, flamejou, atraindo-me deliciosamente: - era a tourada vista de um camarote; depois um jantar com champagne; à noite, a orgia, como uma iniciação!
Corri à mesa. Atulhei as algibeiras de letras sobre Londres. Descia rua com um furor de abutre fendendo o ar contra a presa.
Uma caleche passava, vazia. Detive-a, berrei:
- Aos touros! “
Eça
“Duas horas de sala de armas, alguns minutos de cabeleireiro e de clube, um bom alfaiate, uma ponta de desdém, e certo ar fatigado de quem esperdiça a vida sem lhe saborear dos proveitos, bastarão para dar o elegante.”
“Gosto do Parlamento como gosto dos toiros, para me estontear um instante na mancha ondeante das cabeças, nos borborinhos d´entrada, e de sahida, e finalmente, no investir do primeiro bicho.”
“…só aguardam, para bem servir o Estado, que o Estado lhes sirva a eles coito onde amozendem a preguiça gososa que os derranca.”
“Homem, isso não é música, é um boi que saltou a trincheira do sol!
Ora queira embolar-se, amigo Pratas, e fazer o favor de seguir o que lá está.”
Fialho
Afinal de contas, mesmo a esmo, as citações, como ensinou Benjamim, "são como ladrões de estradas, que fazem um ataque armado e aliviam um ocioso das suas convicções."
Doutor Lívio
Ou ave deslumbrante
terça-feira, setembro 14, 2010
Um desenho de sombras
...Creio que o belo não é uma substância em si, mas apenas um desenho de sombras, um jogo de claro-escuro produzido pela justaposição de diversas substâncias. Tal como uma pedra fosforescente que emite brilho quando colocada na escuridão e ao ser exposta á luz do dia perde todo o fascínio de jóia preciosa, também o belo perde a sua existência se lhe suprimimos os efeitos da sombra.
Junichiro Tanizaki
pindaro
Um nome feito ao mar
Tive um barco e dei-lhe um nome
Dei-lhe um nome feito ao vento
dei-lhe um nome feito ao mar
Tive um amor e deixou-me
Ficou no meu pensamento
Mas não mais o vi voltar
Manuel de Andrade
http://cortenaaldeia.blogspot.com/2009/05/roseira-brava.html
pindaro
O teu enigma
segunda-feira, setembro 13, 2010
La fabulosa seguridad de tu mirada
domingo, setembro 12, 2010
Este instante fugidio
Recordação de determinadas passagens
sábado, setembro 11, 2010
Mais depressa que o pensamento.
sexta-feira, setembro 10, 2010
Deben ser mudas y oscuras
Les mouvements de notre âme
Elle rafraîchit notre imagination parce qu'elle ne fait pas penser à la vie des hommes, mais elle réjouit notre âme, parce qu'elle est, comme elle, aspiration infinie et impuissante, élan sans cesse brisé de chutes, plainte éternelle et douce. Elle nous enchante ainsi comme la musique, qui ne porte pas comme le langage la trace des choses, qui ne nous dit rien des hommes, mais qui imite les mouvements de notre âme. Notre coeur en s'élançant avec leurs vagues, en retombant avec elles, oublie ainsi ses propres défaillances, et se console dans une harmonie intime entre sa tristesse et celle de la mer, qui confond sa destinée et celle des choses.
Marcel Proust
pindaro
Marcel Proust
pindaro
Au cœur d'un bonheur royal
quinta-feira, setembro 09, 2010
A maneira correcta de comer um figo
A maneira correcta de comer um figo à mesa
É parti-Io em quatro, pegando no pedúnculo,
E abri-Io para dele fazer uma flor de mel, brilhante, rósea, húmida,
desabrochada em quatro espessas pétalas.
Depois põe-se de lado a casca
Que é como um cálice quadrissépalo,
E colhe-se a flor com os lábios.
Mas a maneira vulgar
É pôr a boca na fenda, e de um sorvo só aspirar toda a carne.
Cada fruta tem o seu segredo.
O figo é uma fruta muito secreta.
Quando se vê como desponta direito, sente-se logo que é simbólico:
Parece masculino.
Mas quando se conhece melhor, pensa-se como os romanos que é
uma fruta feminina.
Os italianos apelidam de figo os órgãos sexuais da fêmea:
A fenda, o yoni,
Magnífica via húmida que conduz ao centro.
Enredada,
Inflectida,
Florescendo toda para dentro com suas fibras matriciais;
Com um orifício apenas.
D.H.Lawrence
(tr. Herberto Helder)
pindaro
Como se o mar nada fosse
Onda que, enrolada, tornas,
Pequena, ao mar que te trouxe
E ao recuar te transtornas
Como se o mar nada fosse,
Porque é que levas contigo
Só a tua cessação,
E, ao voltar ao mar antigo,
Não levas meu coração?
Há tanto tempo que o tenho
Que me pesa de o sentir.
Leva-o no som sem tamanho
Com que te oiço fugir!
Fernando Pessoa
pindaro
quarta-feira, setembro 08, 2010
Sensualidades incorporadas
Quedaremos libres dos males da nosa ialma
Au domaine du rêve
terça-feira, setembro 07, 2010
Et ce mal qui nous fait du bien
...Des cheveux qui tombent comme le soir
Et d'la musique en bas des reins
Ce jazz qui d'jazze dans le noir
Et ce mal qui nous fait du bien
C'est extra
Ces mains qui jouent de l'arc-en-ciel
C'est extra
Ces mains qui jouent de l'arc-en-ciel
Sur la guitare de la vie
Et puis ces cris qui montent au ciel
Comme une cigarette qui brille
C'est extra c'est extra...
Léo Ferré
pindaro
Et puis ces cris qui montent au ciel
Comme une cigarette qui brille
C'est extra c'est extra...
Léo Ferré
pindaro
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