domingo, dezembro 09, 2007

colar infinito





Para que me oiças
minhas palavras adelgaçam-se às vezes
como o rasto das gaivotas na praia.

Colar, ébrio cascavel
para tuas mãos suaves como uvas.

E miro-as, longínquas, minhas palavras.
Mais que minhas são tuas.
E trepam pela minha dor como a hera.

Elas trepam assim pelas paredes húmidas.
És tu a culpada desta brincadeira sangrenta.

Elas estão fugindo do meu abrigo escuro.
Tudo preenche-lo tu, tudo preenches.

Povoaram antes de ti a solidão que ocupas,
e estão mais do que tu acostumadas à minha tristeza.

Agora quero que digam o que quero dizer-te
para que tu as oiças como quero que me oiças.

O vento da angústia costuma arrastá-las.
E às vezes derrubam-nas furacões de sonhos.

Outras vozes escutas na minha voz dorida.
Pranto de velhas bocas, sangue de velhas súplicas.
Ama-me, companheira. Não me abandones. Segue-me.
Segue-me, companheira, nesta onda de angústia.

Mas vão-se tingindo com o amor minhas palavras.
Tudo ocupa-lo tu, tudo ocupas.

Vou fazendo de todas um colar infinito
para tuas brancas mãos, suaves como uvas.


Pablo Neruda

(in
Rua das Pretas )


pindaro

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