Ainda somos o que vamos deixar de ser e já somos o que seremos.
Paul-Eugéne Charbonneau
pindaro
quarta-feira, dezembro 31, 2008
Passagem
Que horas serão isto?
O último dia do ano
não é o último dia do tempo.
Outros dias virão
e novas coxas e ventres te comunicarão o
calor da vida.
Beijarás bocas, rasgarás papéis,
farás viagens e tantas celebrações
de aniversário, formatura, promoção, glória,
doce morte com sinfonia e coral,
que o tempo ficará repleto e não ouvirás o
clamor,
os irreparáveis uivos
do lobo, na solidão.
O último dia do tempo
não é o último dia de tudo.
Fica sempre uma franja de vida
onde se sentam dois homens.
Um homem e seu contrário,
uma mulher e seu pé,
um corpo e sua memória,
um olho e seu brilho,
uma voz e seu eco,
e quem sabe até se Deus...
Recebe com simplicidade este presente do
acaso.
Mereceste viver mais um ano.
Desejarias viver sempre e esgotar a borra dos
séculos.
Teu pai morreu, teu avô também.
Em ti mesmo muita coisa já expirou, outras
espreitam a morte,
mas estás vivo. Ainda uma vez estás vivo,
e de copo na mão
esperas amanhecer.
O recurso de se embriagar.
O recurso da dança e do grito,
o recurso da bola colorida,
o recurso de Kant e da poesia,
todos eles... e nenhum resolve.
Surge a manhã de um novo ano.
As coisas estão limpas, ordenadas.
O corpo gasto renova-se em espuma.
Todos os sentidos alerta funcionam.
A boca está comendo vida.
A boca está entupida de vida.
A vida escorre da boca,
lambuza as mãos, a calçada.
A vida é gorda, oleosa, mortal, sub-reptícia.
Carlos Drummond de Andrade
pindaro
Noites de Inverno
Aqui ofereço a V. Excelência uma conversação de amigos bem acostumados, umas noites de Inverno melhor gastadas que as que se passam em outros exercícios prejudiciais à vida e consciência; finalmente uma Corte que, como bonina do mato, a que falta o cheiro e a brandura das dos jardins, ainda que na aparência e cores a queira contrafazer, é contudo diferente. Se os ditos destes aldeãos cheirarem a Corte, acreditarão o título do livro, e, se souberem ao monte, também nele se confessa por Corte da Aldeia.
Francisco Roíz Lobo
pindaro
Que Sera, Sera
Em qualquer sítio e momento
Êxtase
Terra, minha medida!
Com que ternura te encontro
Sempre inteira nos sentidos,
Sempre redonda nos olhos,
Sempre segura nos pés,
Sempre a cheirar a fermento!
Terra amada!
Em qualquer sítio e momento,
Enrugada ou descampada,
Nunca te desconheci!
Berço do meu sofrimento,
Cabes em mim, e eu em ti!
miguel torga
pindaro
Só para dizer que não vim
Servir um acepipe um tudo nada sediço, mas condimentado com o saboroso perrexil dos afectos.
Não se trata de narcisização destemperada, pois estava a bom resguardo no escrínio onde descansam as provas de apreço e as lembranças dos meus gregotins literários.
A voz cariciosa impele, todavia, a titubeante pluma, esfarrapada por brutas intempéries, às suas garabulhas.
Os atavios, com enfeites de gala e festa, tombam, rajados pelo pico da maresia salina.
Vim, só para não dizer que não vim.
E também para dizer a ela , como o mestre diogo bernardes em o Lima:
"Não te darei ouriços espinhosos, sabes, Ninfa, por quê? Porque receio que piquem esses teus dedos mimosos."
D. Júlio
Du nouveau
Festas solenes
Alforria
terça-feira, dezembro 30, 2008
Frias e perfeitas
E se alguma coisa me agrada em ti é o silêncio que guardam os teus silêncios, tão semelhantes aos das tuas fotografias frias e perfeitas.
Arturo Perez-Reverte
pindaro
L´azur
Ressurreição de modos de expressão, concretização imemorável de fórmulas ritualísticas ou sibilinas. Ausência de uma religião, presença virtual de todas, em sua relação com o mistério e as pompas litúrgicas, virtude dos signos, força secreta das palavras; a feitiçaria musical, o sagrado em movimento.
Ruben Dario
pindaro
Cuando callas
segunda-feira, dezembro 29, 2008
Um crepúsculo ou uma aurora
Sempre quis atingir através da palavra alguma coisa que fosse ao mesmo tempo sem moeda e que fosse e transmitisse tranquilidade ou simplesmente a verdade mais profunda existente no ser humano e nas coisas. Cada vez mais eu escrevo com menos palavras. Meu livro melhor acontecerá quando eu de todo não escrever. Eu tenho uma falta de assunto essencial. Todo homem tem sina obscura de pensamento que pode ser o de um crepúsculo e pode ser uma aurora.
Clarice Lispector
pindaro
Vive em nós
Everness
Sólo una cosa no hay. Es el olvido.
Dios, que salva el metal, salva la escoria
Y cifra en Su profética memoria
Las lunas que serán y las que han sido.
Ya todo está. Los miles de reflejos
Que entre los dos crepúsculos del día
Tu rostro fue dejando en los espejos
Y los que irá dejando todavía.
Y todo es una parte del diverso
Cristal de esa memoria, el universo;
No tienen fin sus arduos corredores
Y las puertas se cierran a tu paso;
Sólo del otro lado del ocaso
Verás los Arquetipos y Esplendores.
jorge luis borges
pindaro
Zona de afirmação
Eu também não sei
Tu perguntas, e eu não sei,
eu também não sei o que é o mar.
É talvez a lágrima caída dos meus olhos
ao reler uma carta quando é de noite.
Os teus doentes, talvez os teus dentes,
miúdos, brancos, agudos, sejam o mar,
um mar pequeno e frágil,
afável, diáfano,
no entanto sem música.
É evidente que minha mãe me chama
quando uma onda e outra onda e outra
desfaz o seu corpo contra o meu corpo.
Então o mar é carícia,
luz molhada onde desperta
meu coração recente.
Às vezes o mar é uma figura branca
cintilando entre os rochedos.
Não sei se fita a água
ou se procura
um beijo entre conchas transparentes.
Não, o mar não é nardo nem açucena.
É um adolescente morto
de lábios abertos aos lábios da espuma.
É sangue,
sangue onde a luz se esconde
para amar outra luz sobre as areias.
Um pedaço de lua insiste,
insiste e sobre lento arrastando a noite.
Os cabelos de minha mãe desprendem-se,
espalham-se na água,
alisados por uma brisa
que nasce exactamente no meu coração.
O mar volta a ser pequeno e meu,
anémona perfeita abrindo nos meus dedos.
Eu também não sei o que é o mar.
Aguardo a madrugada, impaciente,
os pés descalços na areia.
Eugénio de Andrade
pindaro
Exercices spirituels
Verticalmente
Afinal o que importa não é a literatura
nem a crítica de arte nem a câmara escura
Afinal o que importa não é bem o negócio
nem o ter dinheiro ao lado de ter horas de ócio
Afinal o que importa não é ser novo e galante
– ele há tanta maneira de compor uma estante
Afinal o que importa é não ter medo: fechar os olhos
frente ao precipício
e cair verticalmente no vício.
Mário Cesariny de Vasconcelos
pindaro
As substâncias morais
domingo, dezembro 28, 2008
As proas giram sozinhas
No desequilíbrio dos mares,
as proas giram sozinhas...
Numa das naves que afundaram
é que certamente tu vinhas.
Eu te esperei todos os séculos
sem desespero e sem desgosto,
e morri de infinitas mortes
guardando sempre o mesmo rosto
Quando as ondas te carregaram
meu olhos, entre águas e areias,
cegaram como os das estátuas,
a tudo quanto existe alheias.
Minhas mãos pararam sobre o ar
e endureceram junto ao vento,
e perderam a cor que tinham
e a lembrança do movimento.
E o sorriso que eu te levava
desprendeu-se e caiu de mim:
e só talvez ele ainda viva
dentro destas águas sem fim.
Cecília Meireles
pindaro
sábado, dezembro 27, 2008
Kwaheri means farewell
A map in the hands of a pilot is a testimony of a man's faith in other men; it is a symbol of confidence and trust.
It is not like a printed page that bears mere words, ambiguous and artful, and whose most believing reader--even whose author perhaps--must allow in his mind a recess for doubt.
A map says to you, 'Read me carefully, follow me closely, doubt me not.
It says, 'I am the earth in the palm of your hand. Without me, you are alone and lost.'
And indeed you are.
Were all the maps in this world destroyed and vanished under the direction of some malevolent hand, each man would be blind again, each city be made a stranger to the next, each landmark become a meaningless signpost pointing to nothing.
Yet, looking at it, feeling it, running a finger along its lines, it is a cold thing, a map, humourless and dull, born of calipers and a draughtsman's board.
That coastline here, that ragged scrawl of scarlet ink shows neither sand nor sea nor rock; it speaks or no mariner, blundering full sail in wakeless seas, to bequeath, on sheepskin or a slab of wood, a priceless scribble to posterity.
This brown blot that marks a mountain has, for the casual eye, no other significance, though twenty men, or ten, or only one, may have squandered life to climb it.
Here is a valley, there a swamp, and there a desert; and here is a river that some curious and courageous soul, like a pencil in the hand of God, first traced with bleeding feet.
Here is your map. Unfold it, follow it, then throw it away, if you will. It is only paper. It is only paper and ink, but if you think a little, if you pause a moment, you will see that these two things have seldom joined to make a document so modest and yet so full with histories of hope or sagas of conquest.
No map I have flown by has ever been lost or thrown away; I have a trunk containing continents...
Beryl Markham
(West with night)
pindaro
sexta-feira, dezembro 26, 2008
Pour mieux savourer le frisson
Aimer, ce n'est pas gagner à tous les coups. C'est prendre des risques, faire des paris incertains, connaître la frayeur de perdre sa mise pour mieux savourer le frisson de la doubler.
Philippe Besson
pindaro
La quantité de ciel
Silencio que habla
Tus ojos son la patria
del relámpago y de la lágrima,
silencio que habla,
tempestades sin viento,
mar sin olas, pájaros presos,
doradas fieras adormecidas,
topacios impíos como la verdad,
otoño en un claro del bosque
en donde la luz canta en el hombro
de un árbol y son pájaros todas las hojas,
playa que la mañana
encuentra constelada de ojos,
cesta de frutos de fuego,
mentira que alimenta,
espejos de este mundo,
puertas del más allá,
pulsación tranquila del mar a mediodía,
absoluto que parpadea, páramo.
Octavio Paz
pindaro
O incêndio dos aspectos
Enorme mar
Oh mar, enorme mar, corazón fiero
De ritmo desigual, corazón malo,
Yo soy más blanda que ese pobre palo
Que se pudre en tus ondas prisionero.
Oh mar, dame tu cólera tremenda,
Yo me pasé la vida perdonando,
Porque entendía, mar, yo me fui dando:
"Piedad, piedad para el que más ofenda".
Vulgaridad, vulgaridad me acosa.
Ah, me han comprado la ciudad y el hombre.
Hazme tener tu cólera sin nombre:
Ya me fatiga esta misión de rosa.
¿Ves al vulgar? Ese vulgar me apena,
Me falta el aire y donde falta quedo,
Quisiera no entender, pero no puedo:
Es la vulgaridad que me envenena.
Me empobrecí porque entender abruma,
Me empobrecí porque entender sofoca,
¡Bendecida la fuerza de la roca!
Yo tengo el corazón como la espuma.
Mar, yo soñaba ser como tú eres,
Allá en las tardes que la vida mía
Bajo las horas cálidas se abría...
Ah, yo soñaba ser como tú eres.
Mírame aquí, pequeña, miserable,
Todo dolor me vence, todo sueño;
Mar, dame, dame el inefable empeño
De tornarme soberbia, inalcanzable.
Dame tu sal, tu yodo, tu fiereza,
¡Aire de mar!... ¡Oh tempestad, oh enojo!
Desdichada de mí, soy un abrojo,
Y muero, mar, sucumbo en mi pobreza.
Y el alma mía es como el mar, es eso,
Ah, la ciudad la pudre y equivoca
Pequeña vida que dolor provoca,
¡Que pueda libertarme de su peso!
Vuele mi empeño, mi esperanza vuele...
La vida mía debió ser horrible,
Debió ser una arteria incontenible
Y apenas es cicatriz que siempre duele.
Alfonsina Storni
pindaro
Ce qui n´est pas
Like the leaves of a book
To sailor girl
quinta-feira, dezembro 25, 2008
Cielo soberano
De um astral mais puro
Creio nos anjos que andam pelo mundo,
Creio na Deusa com olhos de diamantes,
Creio em amores lunares com piano ao fundo,
Creio nas lendas, nas fadas, nos atlantes,
Creio num engenho que falta mais fecundo
De harmonizar as partes dissonantes,
Creio que tudo eterno num segundo,
Creio num céu futuro que houve dantes,
Creio nos deuses de um astral mais puro,
Na flor humilde que se encosta ao muro,
Creio na carne que enfeitiça o além,
Creio no incrível, nas coisas assombrosas,
Na ocupação do mundo pelas rosas,
Creio que o Amor tem asas de ouro.
Natália Correia
pindaro
quarta-feira, dezembro 24, 2008
Prosa com cheiro de madeira a arder em noite fria
A Pátria não é a terra; não é o bosque, o rio, o vale, a montanha, a árvore, a bonina: são-no os afectos que esses objectos nos recordam na história da vida....
Alexandre Herculano
O Pároco da Aldeia
pindaro
Solstício de mel
Quando um ramo de doze badaladas
se espalhava nos móveis e tu vinhas
solstício de mel pelas escadas
de um sentimento com nozes e com pinhas,
menino eras de lenha e crepitavas
porque do fogo o nome antigo tinhas
e em sua eternidade colocavas
o que a infância pedia às andorinhas.
Depois nas folhas secas te envolvias
de trezentos e muitos lerdos dias
e eras um sol na sombra flagelado.
O fel que por nós bebes te liberta
e no manso natal que te conserta
só tu ficaste a ti acostumado.
Natália Correia
pindaro
terça-feira, dezembro 23, 2008
A walking shadow
Tomorrow, and tomorrow, and tomorrow,
Creeps in this petty pace from day to day
To the last syllable of record time;
And all our yesterdays have lighted fools
The way to dusty death. Out, out, brief candle!
Life´s but a walking shadow, a poor player
That struts and frets his hour upon the stage
And then is heard no more; it is a tale
Told by an idiot, full of sound and fury,
Signifying nothing.
William Shakespeare
pindaro
Inocente
De dentro de nós mesmos
O grande mistério não é termos sido lançados aqui ao acaso, entre a profusão da matéria e das estrelas; é que, da nossa própria prisão, conseguimos extrair, de dentro de nós mesmos, imagens suficientemente poderosas para negar a nossa insignificância.
André Malraux
pindaro
Baila no baile com o mar
MARIA LISBOA
É varina, usa chinela,
Tem movimentos de gata;
Na canastra, a caravela,
No coração, a fragata.
Em vez de corvos no chaile,
Gaivotas vêm pousar.
Quando o vento a leva ao baile,
Baila no baile com o mar.
É de conchas o vestido,
Tem algas na cabeleira,
E nas veias o latido
Do motor duma traineira.
Vende sonho e maresia,
Tempestades apregoa.
Seu nome próprio: Maria,
Seu apelido: Lisboa.
David Mourão Ferreira
pindaro
Não te convido
Foram montanhas? foram mares?
foram os números...? - não sei.
Por muitas coisas singulares,
não te encontrei.
E te esperava, e te chamava,
e entre os caminhos me perdi.
Foi nuvem negra? maré brava?
E era por ti!
As mãos que trago, as mãos são estas.
Elas sozinhas te dirão
se vem de mortes ou de festas
meu coração.
Tal como sou, não te convido
a ires para onde eu for.
Tudo que tenho é haver sofrido
pelo meu sonho, alto e perdido,
- e o encantamento arrependido
do meu amor.
Cecília Meireles
pindaro
Opulenta y desierta
Todas las rosas blancas de la luna caían,
por la ventana abierta, en el cuerpo desnudo ...
Mirando aquellas carnes blandas que florecían,
hundido entre mis sueños, yo estaba absorto y mudo.
Oh su sexo con luna! ¡Esencia indefinible
de su sexo con luna! Hervían los blancores
de la carne, y el rostro, perdido en lo invisible
de la penumbra, lánguido, cerraba sus colores.
Era el enervamiento del dolor ... Y cual una
rosa de treinta años, opulenta y desierta,
el cuerpo blanco se elevaba hacia la luna
frío, espectral, azul, como una pompa muerta ...
Juan Ramón Jiménez
pindaro
Que a outra é contigo
Há a mulher que me ama e eu não amo.
Há as mulheres que me acamam e eu acamo.
Há a mulher que eu amo e não me ama nem acama.
Ah essa mulher!
Tu eras mais feliz, Apollinaire.
montado num obus, voavas à mulher.
Tu foste mais feliz, meu artilheiro.
tiveste amor e guerra.
Eu andei pra marinheiro,
mas pus óculos e fiquei em terra.
Upa garupa na mulher que me acama,
que a outra é contigo, coração que bem queres
sofrer pelas mulheres...
Alexandre O'Neill
pindaro
Réussir ses desseins
Un esprit fin et un esprit de finesse sont très différents. Le premier plaît toujours; il est délié, il pense des choses délicates et voit les plus imperceptibles. Un esprit de finesse ne va jamais droit, il cherche des biais et des détours pour faire réussir ses desseins...
François de La Rochefoucauld
pindaro
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