segunda-feira, março 31, 2008
In questo mare
Comprimentos e pontas
A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida.
Vinicius de Morais
pindaro
domingo, março 30, 2008
Um fogo preso
Quando se ateia em nós um fogo preso,
O corpo a corpo em que ele vai girando
Faz o meu corpo arder no teu aceso
E nos calcina e assim nos vai matando
Essa luz repentina até perder alento,
E então é quando
A sombra se ilumina,
E é tudo esquecimento, tão violento e brando.
Sacode a luz o nosso ser surpreso
E devastados nós vamos a seu mando,
Nessa prisão o mundo perde o peso
E em fogo preso à noite as chamas vão pairando
E vão-se libertando
Fogo e contentamento,
A revoar num bando
De beijos tão sem tento
Que não sabemos quando
São fogo, ou água, ou vento
A revoar num bando
De beijos tão sem tento,
Que perdem o comando
Do próprio esquecimento
vasco graça moura
pindaro
sábado, março 29, 2008
Le piquant et le saveur
Uma solidão para todos os lados
A solidez da terra seca, monótona,
parece-nos fraca ilusão.
Queremos a solidão do grande mar,
multiplicada em suas malhas de perigo.
Queremos sua solidão robusta,
uma solidão para todos os lados, uma ausência humana que se opõe ao mesquinho formigar do mundo.
Cecília Meireles
pindaro
Constelaciones íntimas
Tengo una atmósfera propia en tu aliento
La fabulosa seguridad de tu mirada con sus constelaciones íntimas
Vicente Huidobro
pindaro
sexta-feira, março 28, 2008
Escucha
Ajuste
¡Qué difícil es unir
el tiempo de frutecer
con el tiempo de sembrar!
(El mundo jira que jira,
ruedas que nunca se unen
en una rueda total)
¡Un solo día de vida,
un día completo y todo,
que no se acabe jamás!
Juan Ramón Jiménez
pindaro
Não podes?
Escreve para ti, que neste momento entras na sala e ficas por momentos encostada à ombreira da porta, do outro lado da luz, olhando-o. E tu que portanto não és estas letras, como que por dentro delas nasces como se nas conchas da espuma nascesses das águas, como se, ligeiramente inclinada, a custo, começasses a surgir do lado direito do écran, ou estivesses antes ao centro, em grande plano, com olhar velado ou mesmo cega; de qualquer modo como se olhasses para onde não podes olhar. Não podes?
Manuel Gusmão
pindaro
Ramos e folhas
Une chose ne vaut que par la manière dont on la voit, aussi la voit-on à travers la valeur qu'on lui donne.
Morgan Sportès
pindaro
Onda e nuvem
Quiero ver a qué sabe tu olvido
Tómate esta botella conmigo
en el último trago nos vamos
quiero ver a qué sabe tu olvido
sin poner en mis ojos tus manos
Esta noche no voy a rogarte
Esta noche te vas que de veras
que difícil trata de olvidarte
y que sienta que ya no me quieras
Nada me han enseñado los años
siempre caigo en los mismos errores
otra vez a brindar con extraños
y a llorar por los mismos dolores
Tómate esta botella conmigo
en el último trago me dejas
esperamos que no haya testigos
por si acaso te diera vergüenza
Si algún día sin querer tropezamos
no te agaches ni me hables de frente
simplemente la mano nos damos
y después que murmure la gente
Nada me han enseñado los años...
Tomate esta botella conmingo
Y en el último trago nos vamos.
Chavela Vargas
pindaro
quinta-feira, março 27, 2008
Vi-me ao comprido
Sonhei comigo
esta noite
Vi-me ao comprido
Deitada
Tinha estrelas
nos cabelos
em meus olhos
madrugadas
Sonhei comigo
esta noite
como queria
ser sonhada
Senti o calor da mão
percorrendo uma guitarra
De longe vinha um gemido
uma voz desabalada
Havia um campo
de trigo
um sol forte
me abrasava.
E acordei
meio sonhando
procurando
me encontrar
Quando me vi
ao espelho
era teu
o meu olhar.
Eugénia Tabosa
Pindaro
Em todas as ruas
Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto, tão perto, tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura
Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco.
Mário Cesariny de Vasconcelos
pindaro
O seu corpo é um barco
Sempre a tentativa nunca vã…
O equilíbrio musical dos instrumentos,
a paciência do teu pulso suave e certo,
o teu rosto mais largo e a calma força
que sobe e que modelas palmo a palmo,
rio que ascende como um tronco em plena sala.
A tua casa habita entre o silêncio e o dia.
Entre a alma e a luz o movimento é livre.
Acordar a leve chama veia a veia,
erguê-la do fundo e solta propagá-la
aos membros e ao ventre, até ao peito e às mãos
e que a cabeça ascenda, cordial corola plena.
Todo o corpo é uma onda, uma coluna flexível.
Respiras lentamente. A terra inteira é viva.
E sentes o teu sangue harmonioso e livre
correr ligado à água, ao ar, ao fogo lúcido.
No interior centro cálido abre-se a flor da luz,
rigor suave e óleo, música de músculos, roda
lenta girando das ancas ao busto ondeado
e cada vez mais ampla a onda livre ondula
a todo o corpo uno, num respirar de vela.
Sobre a toalha de água, à luz de um sol real,
dança e respira, respira e dança a vida,
o seu corpo é um barco que o próprio mar modela.
António Ramos Rosa
pindaro
Como una flecha en mi arco
Cuerpo de mujer, blancas colinas, muslos blancos,
te pareces al mundo en tu actitud de entrega.
Mi cuerpo de labriego salvaje te socava
y hace saltar el hijo del fondo de la tierra.
Fui solo como un túnel. De mí huían los pájaros
y en mí la noche entraba su invasión poderosa.
Para sobrevivirme te forjé como un arma,
como una flecha en mi arco, como una piedra en mi honda.
Pero cae la hora de la venganza, y te amo.
Cuerpo de piel, de musgo, de leche ávida y firme.
¡Ah los vasos del pecho! ¡Ah los ojos de ausencia!
¡Ah las rosas del pubis! ¡Ah tu voz lenta y triste!
Cuerpo de mujer mía, persistiré en tu gracia.
Mi sed, mi ansia si límite, mi camino indeciso!
Oscuros cauces donde la sed eterna sigue,
y la fatiga sigue, y el dolor infinito.
Pablo Neruda
Pindaro
Mordidas uma a uma
Iremos juntos separados,
as palavras mordidas uma a uma,
taciturnas, cintilantes
- ó meu amor, constelação de bruma,
ombro dos meus braços hesitantes.
Eugénio de Andrade
pindaro
quarta-feira, março 26, 2008
Una margarita
Certos fantasmas
O amor é uma coisa muito interior, algo que não se pode explicar. Os românticos diziam que era um puro movimento das emoções e tampouco se pode explicar como uma sublimação do instinto sexual. No amor, há algo mais, é uma coisa estranha, algo que implica tudo o que é a condição humana: o instinto, o sexo, a paixão, também o espírito e certos fantasmas do inconsciente que rapidamente se instalam num tipo de relação que faz aparecer o melhor e o pior das pessoas.
Mário Vargas Llosa
pindaro
Solitude
As razoens da inconfydencia
O que a voz não pode exprimir juntamente em diferentes lugares e a diversas pessoas em um mesmo tempo, o faz a escritura com grande perfeição...
Francisco Roiz Lobo
pindaro
terça-feira, março 25, 2008
Pastor e nauta
Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo. Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
Desejasse
Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.
Te olhei. E há tanto tempo
Entendo que sou terra. Há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta
Olha-me de novo. Com menos altivez.
E mais atento.
Hilda Hist
pindaro
Chagrin d´amour
Música callada
Para siempre
Alguíen dijo una vez que en el momento en que te paras a pensar si quires a alguíen, ya as dejado de quererle para siempre.
Carlos Ruiz Zafón
pindaro
A ciência transitória do indiscernível
Conheci jovens que saíram do mundo dos deuses.
Os seus gestos faziam pensar nas trajectórias dos astros; não nos espantávamos de achar insensível o seu duro coração de mármore; se estendiam a mão, a rapacidade daqueles mendigos requintados era um vício de deuses.
Como todos os deuses, apresentavam inquietantes parentescos com os lobos, os chacais, as víboras...
Marguerite Yourcenar
pindaro
Immense baiser
L'océan resplendit sous sa vaste nuée.
L'onde, de son combat sans fin exténuée,
S'assoupit, et, laissant l'écueil se reposer,
Fait de toute la rive un immense baiser.
Victor Hugo
pindaro
segunda-feira, março 24, 2008
A pedra de toque
Compreender não é procurar no que nos é estranho a nossa projecção ou a projecção do nossos desejos. É explicar o que se nos opõe, valorizar o que até aí não tinha valor dentro de nós. O diverso, o inesperado, o antagónico, é que são a pedra de toque dum acto de entendimento.
Miguel Torga
pindaro
A sombra da vida
Los misterios
Porque has vuelto los misterios
del revés. Y tus enigmas,
lo que nunca entenderás,
son esas cosas tan claras:
la arena donde te tiendes,
la marcha de tu reloj
y el tierno cuerpo rosado
que te encuentras en tu espejo
cada día al despertar,
y es el tuyo. Los prodigios
que están descifrados ya.
Y nunca te equivocaste,
más que una vez, una noche
que te encaprichó una sombra
-la única que te ha gustado-.
Una sombra parecía.
Y la quisiste abrazar.
Y era yo.
Pedro Salinas
pindaro
Savourer
Aimer, c'est savourer, au bras d'un être cher,
La quantité de ciel que Dieu mit dans la chair...
Victor Hugo
pindaro
Paisagem ousada
domingo, março 23, 2008
Navegação
Ce qu'il y a de beau dans un mystère, c'est le secret qu'il contient et non la vérité qu'il cache.
Eric-Emmanuel Schmitt
pindaro
A-Deus
A noite era uma possibilidade excepcional. Em plena noite fechada de um verão escaldante um galo soltou seu grito fora de hora e uma só vez para alertar o início da subida pela montanha. A multidão embaixo aguardava em silêncio.
Ele-ela já estava presente no alto da montanha, e ela estava personalizada no ele e o ele estava personalizado no ela. A mistura andrógina criava um ser tão terrivelmente belo, tão horrorosamente estupefaciente que os participantes não poderiam olhá-lo de uma só vez:
assim como uma pessoa vai pouco a pouco se habituando ao escuro e aos poucos enxergando. Aos poucos enxergavam o Ela-ele e quando o Ele-ela lhes aparecia com uma claridade que emanava dela-dele, eles paralisados pelo que é Belo diriam:
"Ah, Ah". Era uma exclamação que era permitida no silêncio da noite. Olhavam a assustadora beleza e seu perigo. Mas eles haviam vindo exatamente para sofrer o perigo.
(...)
Epílogo:
Tudo o que escrevi é verdade e existe. Existe uma mente universal que me guiou. Onde estivestes de noite? Ninguém sabe. Não tentes responder - pelo amor de Deus. Não quero saber da resposta. Adeus. A-Deus.
Clarice Lispector
Pindaro
Uma viagem com água e com estrelas
Plena mulher, maçã carnal, lua quente,
espesso aroma de algas, lodo e luz pisados,
que obscura claridade se abre entre tuas colunas?
que antiga noite o homem toca com seus sentidos?
Ai, amar é uma viagem com água e com estrelas,
com ar opresso e bruscas tempestades de farinha:
amar é um combate de relâmpagos e dois corpos
por um só mel derrotados.
Beijo a beijo percorro teu pequeno infinito,
tuas margens, teus rios, teus povoados pequenos,
e o fogo genital transformado em delícia
corre pelos tênues caminhos do sangue
até precipitar-se como um cravo nocturno,
até ser e não ser senão na sombra de um raio.
Pablo Neruda
Pindaro
Verdadeiramente infernal
Toda a música é minha
Entre os teus lábios
é que a loucura acode,
desce à garganta,
invade a água.
No teu peito
é que o pólen do fogo
se junta à nascente,
alastra na sombra.
Nos teus flancos
é que a fonte começa
a ser rio de abelhas,
rumor de tigre.
Da cintura aos joelhos
é que a areia queima,
o sol é secreto,
cego o silêncio.
Deita-te comigo.
Ilumina meus vidros.
Entre lábios e lábios
toda a música é minha.
Eugénio de Andrade
pindaro
Misterio
sábado, março 22, 2008
Pérola ardente
Como o que ao deixar a ilha inaudita
se exalta com o sonho que se propôs
na pérola ardente que o imita.
Carles Riba
(Salvatge cor)
pindaro
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