quinta-feira, março 31, 2011

Repetido o acto mil vezes





A bolota taluda ficara ali muito quieta, muito bem refastelada em virtude do próprio peso, enterrada que nem pelouro de batalha depois de passarem carros e carretas. Que fazer senão deitar-se a dormir?! Dormiu uma hora ou uma vida inteira, quem sabe?! Um laparoto veio lá de cascos de rolha, rapou a terra, fez um toural, aliviou-se, e ela ficou por baixo, sufocada sem poder respirar, em plena escuridão. Estava no fim do fim? Um belisco, e do seu flanco saiu como uma flecha. Era de luz ou de vida? Era uma fonte ou antes um cântico de ave, de água corrente, de vagem a estalar com o sol (... )? Era tudo isto, encarnado no fogo incomburente que lhe lavrava no flanco, verbo que acabou por irradiar do próprio mistério do seu ser.

Do pinhão, que um pé-de-vento arrancou da pinha-mãe, e da bolota, que a ave deixou cair no solo, repetido o acto mil vezes, gerou-se a floresta.


Aquilino Ribeiro

pindaro

2 comentários:

Amélia disse...

Que bom ter trazido este mestre -que anda tão esquecido (ainda assim, menos esquecido que outros grandes, omo, já para não falar de clássicos, Jorge de Sena...)

Unknown disse...

Aquilino é o obreiro da filigrana da língua portuguesa. Excelente escolha esta. Oxalá outros se vão lembrando de Aquilino. Obrigado por nos trazer este pequeno pedaço de platina.