segunda-feira, dezembro 29, 2008
Eu também não sei
Tu perguntas, e eu não sei,
eu também não sei o que é o mar.
É talvez a lágrima caída dos meus olhos
ao reler uma carta quando é de noite.
Os teus doentes, talvez os teus dentes,
miúdos, brancos, agudos, sejam o mar,
um mar pequeno e frágil,
afável, diáfano,
no entanto sem música.
É evidente que minha mãe me chama
quando uma onda e outra onda e outra
desfaz o seu corpo contra o meu corpo.
Então o mar é carícia,
luz molhada onde desperta
meu coração recente.
Às vezes o mar é uma figura branca
cintilando entre os rochedos.
Não sei se fita a água
ou se procura
um beijo entre conchas transparentes.
Não, o mar não é nardo nem açucena.
É um adolescente morto
de lábios abertos aos lábios da espuma.
É sangue,
sangue onde a luz se esconde
para amar outra luz sobre as areias.
Um pedaço de lua insiste,
insiste e sobre lento arrastando a noite.
Os cabelos de minha mãe desprendem-se,
espalham-se na água,
alisados por uma brisa
que nasce exactamente no meu coração.
O mar volta a ser pequeno e meu,
anémona perfeita abrindo nos meus dedos.
Eu também não sei o que é o mar.
Aguardo a madrugada, impaciente,
os pés descalços na areia.
Eugénio de Andrade
pindaro
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1 comentário:
" o mar é a eternidade, a onda é a hora. A onda exalta-se no seu bailado, endoidece e suicida-se de encontro às penedias. O seu cadáver de espuma, coberto de flores, bóia sobre as águas em que, por fim, se dissolve. A onda regressa à intimidade calma do mar. A onda funde-se outra vez, na Eternidade."
Teixeira de Pascoaes
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