domingo, abril 23, 2006

Uma mimosa paixão da alma

“ O desprazer é já menos, porque toda a cousa que se faz, de que nos não praz, podemos dizer com verdade que nos despraz dela, ainda que seja tão ligeira que não sintamos.”
D. Duarte (Leal Conselheiro)




D. Duarte, Duarte Nunes de Leão, Almeida Garret e Pascoaes, entre outros vultos antigos, tinham a palavra saudade ( soidade para D. Dinis) como um exclusivo pátrio, um termo só da nossa terra, intraduzível.

Dizia mesmo o Visconde João Baptista que “... o sentimento por ele representado, certo que em todos os países o sentem; mas que haja um vocábulo especial para o designar, não sei de nenhuma outra linguagem senão da portuguesa...”

Só mais à frente, século passado adentro, tal ideia, quase mágica, foi removida.

De facto, outras nações têm para a saudade um termo só seu: o galego tem soledades ou soedades; o catalão, anyoransa ou anyoramento; o italiano, desio ou disio; o romeno doru ou dor; o sueco, saknad; o dinamarquês, savn; o islandês, saknaor, e o alemão sehnsucht.

O filólogo Manuel de Melo abriu o capote a este bicho, com luzimento, em Notas Lexicológicas.

Falando das canções melancólicas dos romenos, Cratiunesco volteava sobre doru:

“Ce mot semble venir du mot latin desiderium, dont il exprime tous les nuances – le regret d´un bien perdu, le chagrin que cause son absence, l´ésperance de le recouvrer, le désir d´un bonheur, que l´on ne connait point encore et l´ivresse que en accompagne la posséssion.”

E, em francês, dava-se ao doru do poeta Alecandri o sentido de “désir mêlé de regret”.

Vamos, ainda, ao Purgatorio, com Dante:

“Era giá l´ora che volge il disio
Ai naviganti, e intenerisci il cuore
Lo di che han ai dolci amici addio;

E che lo nuovo peregrin d´amore
Punge, se ode aquilla di lontano,
Che peja il giorno pianger che si more”

( “C´était déja l´heure qui réveille les regrets
des navigateurs et attendrit leur âmme”, etc.
-Fiorentino)


Saudade, essa palavra para uma “mimosa paixão da alma” (D. Francisco Manuel de Melo), não é só nossa.
E é de folgar que seja assim.
O contrário seria uma desordenança.
Das grandes.



Leonardo

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