quarta-feira, fevereiro 28, 2007
Aberto e descoberto
Ao mar
Água, sal e vontade – a vida!
Azul – a cor do céu e da inocência.
Um lenço a colorir a despedida
Da galera da ausência...
Mar tenebroso!
Mar fechado e rugoso
Sobre um casto jardim adormecido!
Mar de medusas que ninguém semeia,
Criadas com mistério e com areia,
Perfeitas de beleza e de sentido!
Vem a sede da terra e não se acalma!
Vem a força do mundo e não te doma!
Impenitente e funda, a tua alma
Guarda-se no cristal duma redoma.
Guarda-se purificada em leve espuma,
Renda da sua túnica de linho.
Guarda-se aberta em sol, sagrada em bruma,
Sem amor, sem ternura e sem caminho.
O navio do sonho foi ao fundo,
E o capitão, despido, jaz ao leme,
Branco nos ossos descarnados;
Uma alga no peito, a flor do mundo,
Uma fibra de amor que vive e treme
De ouvir segredos vãos, petrificados.
Uma ilusão enfuna e enxuga a vela,
Uma desilusão a rasga e molha;
Morta a magia que pintava a tela,
O mesmo olhar de há pouco já não olha.
Na órbita vazia um cego ouriço
Pica o silêncio leve que perpassa...
Pica o novo feitiço
Que nasce do final de uma desgraça.
Mas nem corais, nem polvos, nem quimeras
Sobem à tona das marés...
O navio encalhado e as suas eras
Lá permanecem a milhentos pés.
Soterrados em verde, negro e vago,
Nenhum sol os aquece.
Habitantes do lago
Do esquecimento, só a sombra os tece...
Ela que és tu, anónimo oceano,
Coração ciumento e namorado!
Ela que és tu, arfar viril e plano,
Largo como um abraço descuidado!
Tu, mar fechado, aberto e descoberto
Com bússolas e gritos de gajeiro!
Tu, mar salgado, lírico, coberto
De lágrimas, iodo e nevoeiro!
Miguel Torga
píndaro
Anelar ao negado
Já dizia o padre António Vieira ser “inclinação natural anelar ao negado.”
Retira-se de facto sabor acrescido se o alcançado é, antes, recusado.
Melhor ainda, tratando-se de coisa interdita.
E, delícia então, se a coisa é insólita.
O negado mais o proibido mais o insólito casam os cheiros e os sabores por inteiro.
A transgressão, a caça e a guerra amamentam-se disto.
O carácter do pecado navega no encanto da sensibilidade à angústia que fundamenta o interdito, porque transgredir não é negar a proibição, antes é rematá-la, perfazendo-a.
O objecto da dádiva é o descomedimento, soberbo e audaz, e o refluxo das proibições liberta o tumulto da exuberância e a desordem dos clamores e brados.
O paradoxo da tempestade. O rosto anuncia o que o vestido dissimula, o alcance luminoso.
Mas para adivinhar o enigma e ouvir a voz da inacessível solidão tem de se ter bem presente que “em ribeiro grande saltar de trás.”
D. Júlio
Voici mon coeur
Voici des fruits, des fleurs, des feuilles et des branches
Et puis voici mon coeur qui ne bat que pour vous.
Ne le déchirez pas avec vos deux mains blanches
Et qu'à vos yeux si beaux l'humble présent soit doux.
Paul Verlaine
pindaro
terça-feira, fevereiro 27, 2007
Sabes, Ninfa, por quê?
Não te darei ouriços espinhosos, sabes, Ninfa, por quê?
Porque receio que piquem esses teus dedos mimosos.
Diogo Bernardes
pindaro
With his eyes open
Hugo Pratt
pindaro
A sua água
O que ele amava nela era a sua água - como a de uma pedra preciosa. É afinal de contas o que é realmente amado numa mulher - não a baínha de carne que a reveste - mas a sua assinatura.
Lawrence Durrel
Lívia ou o enterrado vivo
Pindaro
Sombra de som
Esta areia tão clara com desenhos de andar dedicados ao vento.
Aqui está minha voz,
esta concha vazia, sombra de som
curtindo seu próprio lamento
Aqui está minha dor,
este coral quebrado,
sobrevivendo ao seu patético momento.
Aqui está minha herança,
este mar solitário
que de um lado era amor e, de outro,
esquecimento.
cecília meireles
pindaro
segunda-feira, fevereiro 26, 2007
E depois?
O amor é o amor - e depois?
Vamos ficar os dois
a imaginar, a imaginar?...
O meu peito contra o teu peito
cortando o mar, cortando o ar.
Num leito
há todo o espaço para amar!
Na nossa carne estamos
sem destino, sem medo, sem pudor,
e trocamos - somos um? somos dois?
- espírito e calor!
O amor é o amor - e depois?
Alexandre O´Neill
Pindaro
Farol farolera
El farlolero y su novia
—Bien puedes amarme aquí,
que la luna yo encendí,
tú, por ti, sí, tú, por ti.
—Sí, por mí.
—Bien puedes besarme aquí,
faro, farol farolera,
la más álgida que vi.
—Bueno, sí.
—Bien puedes matarme aquí,
gélida novia lunera
del faro farolerí.
—Ten. Te di?
Rafael Alberti
pindaro
domingo, fevereiro 25, 2007
Silencio ilimitado
Este silencio,
blanco, ilimitado,
este silencio
del mar tranquilo, inmóvil,
que de pronto
rompen los leves caracoles
por un impulso de la brisa,
Se extiende acaso
de la tarde a la noche, se remansa
tal vez por la arenilla
de fuego,
la infinita
playa desierta,
de manera
que no acaba,
quizás,
este silencio,
nunca?
Eliseo Diego
pindaro
De amante ou de nada
Eu nunca fui uma vida,
Gosto de amante ou de nada,
Tenho tido uma estragada
Elevação decaída.
Mário Saa
pindaro
Rasga os versos
Rasga esses versos que eu te fiz, Amor!
Deita-os ao nada, ao pó, ao esquecimento,
Que a cinza os cubra, que os arraste o vento,
Que a tempestade os leve aonde for!
Rasga-os na mente, se os souberes de cor,
Que volte ao nada o nada de um momento!
Julguei-me grande pelo sentimento,
E pelo orgulho ainda sou maior!...
Tanto verso já disse o que eu sonhei!
Tantos penaram já o que eu penei!
Asas que passam, todo o mundo as sente...
Rasgas os meus versos... Pobre endoidecida!
Como se um grande amor cá nesta vida
Não fosse o mesmo amor de toda a gente!...
Florbela Espanca
pindaro
Si son constantes
absorto estoy en éxtasi amoroso,
no me concede tregua ni reposo
esta guerra civil de los nacidos.
Explayóse el raudal de mis gemidos
por el grande distrito y doloroso
del corazón, en su penar dichoso,
y mis memorias anegó en olvidos.
Todo soy ruinas, todo soy destrozos,
escándalo funesto a los amantes,
que fabrican de lástima sus gozos.
Los que han de ser y los que fueron antes
estudien su salud en mis sollozos
y envidien mi dolor, si son constantes.
D. Francisco de Quevedo
pindaro
Il y a un signe
Toujours always
Na melancolia de teus olhos
Eu sinto a noite se inclinar
E ouço as cantigas antigas
Do mar.
Nos frios espaços de teus braços
Eu me perco em carícias de água
E durmo escutando em vão
O silêncio.
E anseio em teu misterioso seio
Na atonia das ondas redondas
Náufrago entregue ao fluxo forte
Da morte.
Vinicius de Moraes
pindaro
sábado, fevereiro 24, 2007
Desamparadas e desertas
Quando a ternura
parece já do seu ofício fatigada,
e o sono, a mais incerta barca,
inda demora,
quando azuis irrompem
os teus olhos
e procuram
nos meus navegação segura,
é que eu te falo das palavras
desamparadas e desertas,
pelo silêncio fascinadas.
Eugénio de Andrade
pindaro
Alma liada
Transforma-se o amador na cousa amada,
Por virtude do muito imaginar;
Não tenho logo mais que desejar,
Pois em mim tenho a parte desejada,
Se nela está minha alma transformada,
Que mais deseja o corpo de alcançar?
Em si sómente pode descançar,
Pois consigo tal alma está liada.
Mas esta linda e pura semideia,
Que, como o acidente em seu sujeito,
Assim co'a alma minha se conforma,
Está no pensamento como ideia;
(E) o vivo e puro amor de que sou feito,
Como a matéria simples busca a forma.
Luís de Camões
Pindaro
Justification of itself
A woman waits for me-she contains all, nothing is lacking,
Yet all were lacking, if sex were lacking, or if the moisture of the
right man were lacking.
Sex contains all,
Bodies, souls, meanings, proofs, purities, delicacies, results,
promulgations,
Songs, commands, health, pride, the maternal mystery, the seminal milk;
All hopes, benefactions, bestowals,
All the passions, loves, beauties, delights of the earth,
All the governments, judges, gods, follow'd persons of the earth,
These are contain'd in sex, as parts of itself, and justifications of itself.
Without shame the man I like knows and avows the deliciousness of his sex,
Without shame the woman I like knows and avows hers.
Walt Withman
Pindaro
Équation de coeur
Plein d´espoir
L'amour c'est quand le temps se transforme en mémoire. Et nous fait le présent d'un passé plein d'espoir.
Yves Duteil
pindaro
D´ordinaire
L'amour, d'ordinaire, ne dure que jusqu'au moment où il allait devenir raisonnable et fondé sur quelque chose.
Karr Alphonse
pindaro
sexta-feira, fevereiro 23, 2007
Era de outra natureza
Receio que ele me quis dar uma
noite igual à que eu lhe dei; mas,
se foi por isso que o fez, soube
vingar-se mal, pois esta noite foi
apenas a terça parte da sua; além
disso, o frio era de outra
natureza
(Boccacio in Decameron)
pindaro
Infiel como tu
Escutai o mar
O mar geme ao longe e grita na solidão
A minha voz fiel como a sombra
Quer ser finalmente a sombra da vida
Quer ser, ó mar vivo, infiel como tu
Guillaume Apollinaire
pindaro
Demasiado cedo
«Vem ter comigo», disse ele, e esqueceu
«Ama-me»: mas o amor faz-nos medo
preferimos partir e voar para a Lua
Do que dizer as palavras certas demasiado cedo
Louis Phillipe
(Yuri Gagarin)
pindaro
Imperador da língua portuguesa
O céu 'strela o azul e tem grandeza.
Este, que teve a fama e à glória tem,
Imperador da língua portuguesa,
Foi-nos um céu também.
No imenso espaço seu de meditar,
Constelado de forma e de visão,
Surge, prenúncio claro do luar,
El-Rei D. Sebastião.
Mas não, não é luar: é luz do etéreo.
É um dia, e, no céu amplo de desejo,
A madrugada irreal do Quinto Império
Doira as margens do Tejo.
Fernando Pessoa
pindaro
Ailleurs
Elle était la dans son monde,
son monde au beau milieu du monde.
Loin, ses yeux posées ailleurs,
quelque part à l´interieur.
j. goldman
Pindaro
quinta-feira, fevereiro 22, 2007
O mistério
Todas as coisas têm o seu mistério e a poesia é o mistério de todas as coisas.
frederico garcia lorca
pindaro
Máxima d´alma
que quem leva a primeira não fica sem ela.
Com muita luz lá dentro
sorriso foi quem abriu a porta.
Era um sorriso com muita luz
lá dentro, apetecia
entrar nele, tirar a roupa, ficar
nu dentro daquele sorriso.
Correr, navegar, morrer naquele sorriso.
Eugénio de Andrade
pindaro
Tienes líneas de luna
DESNUDA
Desnuda eres tan simple como una de tus manos:
lisa, terrestre, mínima, redonda, transparente.
Tienes líneas de luna, caminos de manzana.
Desnuda eres delgada como el trigo desnudo.
Desnuda eres azul como la noche en Cuba:
tienes enredaderas y estrellas en el pelo.
Desnuda eres redonda y amarilla
como el verano en una iglesia de oro.
Desnuda eres pequeña como una de tus uñas:
curva, sutil, rosada hasta que nace el día
y te metes en el subterráneo del mundo
como en un largo túnel de trajes y trabajos:
tu claridad se apaga, se viste, se deshoja
y otra vez vuelve a ser una mano desnuda.
Pablo Neruda
pindaro
Áspides sequiosas
à nossa vestidura;
na máscara que somos
as coisas nos conjuram.
Por que não escutá-las,
tão sáfaras e puras,
como flores ou larvas,
estranhas criaturas?
Por que desprezá-las
no sopro que as transmuda
com os olhos de favas,
fechados na espessura?
Por que não escutá-las
na linguagem mais dura,
comprimidas as asas
na testa que as vincula?
Despimos a armadura
e a viseira diurna;
a linguagem resvala
onde as coisas se apuram.
Recônditas e escravas
na cava da palavra,
são fiandeiras escuras
ou áspides sequiosas.
As coisas não se submetem
à nossa vestidura.
Carlos Nejar
pindaro
Foste tu quem nos veio namorar
MAR! Tinhas um nome que ninguém temia:
Eras um campo macio de lavrar
Ou qualquer sugestão que apetecia...
MAR! Tinhas um choro de quem sofre tanto
Que não pode calar-se, nem gritar,
- Nem aumentar nem sufocar o pranto...
MAR! Fomos então a ti cheios de amor!
E o fingido lameiro, a soluçar,
Afogava o arado e o lavrador!
MAR! Enganosa sereia rouca e triste!
Foste tu quem nos veio namorar,
E foste tu depois que nos traíste!
MAR! E quando terá fim o sofrimento!
E quando deixará de nos tentar
O teu encantamento!
miguel torga
pindaro
Como a nuvem cede ao vento
Andava a lua nos céus
Com o seu bando de estrelas
Na minha alcova
Ardiam velas
Em candelabros de bronza
Pelo chão em desalinho
Os veludos pareciam
Ondas de sangue e ondas de vinho
Ele, olhava-me cismando;
E eu,
Plácidamente, fumava,
Vendo a lua branca e nua
Que pelos céus caminhava.
Aproximou-se; e em delírio
Procurou avidamente
E avidamente beijou
A minha boca de cravo
Que a beijar se recusou.
Arrastou-me para ele,
E encostado ao meu hombro
Falou-me de um pagem loiro
Que morrera de saudade
À beira-mar, a cantar...
Olhei o céu!
Agora, a lua, fugia,
Entre nuvens que tornavam
A linda noite sombria.
Deram-se as bocas num beijo,
Um beijo nervoso e lento...
O homem cede ao desejo
Como a nuvem cede ao vento
Vinha longe a madrugada.
Por fim,
Largando esse corpo
Que adormecera cansado
E que eu beijara, loucamente,
Sem sentir,
Bebia vinho, perdidamente
Bebia vinha..., até cair.
Antonio Botto
pindaro
La bailaora
En un vestido a lunares
se alista para su juego
una moza que en las tablas
se vuelve mujer de fuego.
Lleva carmín en los labios
y cruz de plata en el pecho.
Toda la herencia gitana
se trenza en su pelo suelto.
La rueda ya está formada,
las palmas marcan acentos.
Las guitarras se deshacen
clamando sus ojos negros;
sus ojos que como imanes
atraen besos, y en silencio,
cuentan historias de amores
nacidos en el desierto.
La voz de los cantaores
cobra vida en el momento
en que la grácil morena
toma lugar en el centro
y en compás de bulería
despiertan sus movimientos.
Los acordes van subiendo
como llamas por su cuerpo
encendiendo las pasiones
que estallan en sus braceos.
Sus codos abren espacios
donde nacen cielos nuevos,
donde se esconden las lunas
que han amparado a su pueblo.
Sus manos quiebran el aire
esparciendo los misterios
de su sonrisa de nácar,
de su perfume hechicero.
La música le ciñe el alma
y el vehemente taconeo
hipnotiza las miradas,
talla la gracia en el suelo.
Es huracán desatado,
y en el vuelo de su ruedo
deja escapar las tormentas
de su espíritu flamenco.
Luz González
pindaro
quarta-feira, fevereiro 21, 2007
Pelo Sonho é que vamos
Pelo Sonho é que vamos,
comovidos e mudos.
Chegamos? Não chegamos?
Haja ou não haja frutos,
pelo Sonho é que vamos.
Basta a fé no que temos.
Basta a esperança
naquilo que talvez não teremos.
Basta que a alma dêmos,
com a mesma alegria,
ao que desconhecemos
e ao que é do dia-a-dia.
Chegamos? Não chegamos?
-Partimos. Vamos. Somos
Sebastião da Gama
pindaro
Tú todas
No solo el hoy fragante de tus ojos amo
sino a la niña oculta que allá dentro mira
la vastedad del mundo con redondo azoro,
y amo a la extraña gris que me recuerda
en un rincón del tiempo que el invierno
[ampara.
La multitud de ti, la fuga de tus horas,
amo tus mil imágenes en vuelo
como un bando de pájaros salvajes.
No solo tu domingo breve de delicias sino
también un viernes trágico, quién sabe,
y un sábado de triunfos y de glorias
que no veré yo nunca, pero alabo.
Niña y muchacha y joven ya mujer,
[tú todas,
colman mi corazón, y en paz las amo.
Eliseo Diego
pindaro
No rules
There are no rules of architecture for a castle in the clouds.
Gilbert K. Chesterton
pindaro
Sail away
Mark Twain
pindaro
terça-feira, fevereiro 20, 2007
Um dia passo inteiro para lá
pois ele fica do lado de fora,
não do lado de dentro.
Se há saídas
que dão nele, estão certamente à orla
iridescente do meu pensamento,
jamais no centro vago do meu eu.
António Cícero
pindaro
segunda-feira, fevereiro 19, 2007
É mais fina
Toma um conselho de amigo
Não te cases, Belzebú;
Que a mulher, como ser humano,
É mais fina do que tu.
Machado de Assis
Pindaro
O mar e o inferno
Matéo Alemán
Pindaro
Le rapport de forces
En amour, le rapport de forces n'est pas une conquête, c'est un naufrage.
Olivier de Kersauson
pindaro
domingo, fevereiro 18, 2007
Gustação
Despimos a armadura
e a viseira diurna;
a linguagem resvala
onde as coisas se apuram.
Carlos Nejar
pindaro