sexta-feira, março 25, 2005

Divide et impera

“A singularidade é um conceito existencial; já a identidade é um conceito de referenciação, de circunscrição da realidade a quadros de referência, quadros estes que podem ser imaginários.”
Guattari



Pelo meio do século XIX assomou à História o sistema de Governo conhecido por “Transformismo”, do lema do político Agostino Depretis, figura de esquerda no Risorgimento e primeiro-ministro italiano por três vezes, para quem governar era “transformar os inimigos em amigos”.

Adepto e consagrador dessa teoria no plano internacional foi Henry John Temple, Lord Palmerston, que governava norteado pela divisa divide et impera.

A melhor forma de lidar com as exigências das oposições e adversários, pensava, não era a de resistir a quaisquer concessões, à maneira dum Guizot ou de um Costa Cabral, mas apartar, pela razoabilidade das concessões, os moderados dos radicais.

Não ser rígido e intransigente, mas mostrar abertura e flexibilidade para poder cativar, de entre opositores e descontentes, os que se acomodavam com o possível e o realizável.

O “Transformismo” traduziu-se no ensaio da concretização nos países da Europa do Sul do modelo de equilíbrio político inglês, confinando a luta ao palco parlamentar, sob a liderança de cavalheiros que sabiam ser tolerantes e, mostrando desprendimento em relação a purezas ideológicas, entrar hoje num governo com os adversários de ontem.

Veja-se o exemplo nacional: entre 1850 e 1890 sucederam-se vinte e dois governos, mas foram chefiados tão só por dez individualidades.

Fontes, “quem todo lo manda”, presidiu a quatro, os famosos Duques de Saldanha, Loulé, e Ávila, bem como o Marquês de Sá da Bandeira a três, cada um, e o Duque da Terceira e Joaquim António de Aguiar a dois, cada um.

Fontes, com doze anos, Loulé com nove e Saldanha com seis, governaram Portugal em vinte e sete desses quarenta anos.

“Em politica e Administração a oportunidade é uma condição essencial”, dizia Serpa Pimentel, fidalgo, poeta romântico, socialista nas ideias, conservador nos meios, e o seu chefe Fontes Pereira de Melo reputava-se um “oportunista”: um homem de ideias avançadas que no entanto nunca as tentava aplicar sem que prudentemente avaliasse a “oportunidade” de o fazer.

Deu-se bem com o princípio, pois foi, com doze anos no total, quem mais tempo em Portugal esteve à frente de Governos saídos de eleições e, até Cavaco Silva o ultrapassar um século depois, quem liderou o Governo de maior duração – 1871 a 1877.

Depretis, Palmerston, Melbourne, Rodrigo, Loulé, Fontes, Ávila, todos beberam a seiva essencial do “Transformismo”, que, matizado e amodernado, atravessou dois séculos e pôde ser apercebido, entre outros, em Sá Carneiro e Helmut Schmidt, em Cavaco Silva, Schroder e Blair.

E pode continuar a ser percebido, nos próximos tempos, entre nós.




D. Júlio

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