terça-feira, janeiro 30, 2007
Na palma da tua mão
Olhámo-nos um dia,
E cada um de nós sonhou que achara
O par que a alma e a cara lhe pedia.
– E cada um de nós sonhou que o achara...
E entre nós dois
Se deu, depois, o caso da maçã e da serpente,
... Se deu, e se dará continuamente:
Na palma da tua mão,
Me ofertaste, e eu mordi, o fruto do pecado.
– Meu nome é Adão...
E em que furor sagrado
Os nossos corpos nus e desejosos
Como serpentes brancas se enroscaram,
Tentando ser um só!
Ó beijos angustiados e raivosos
Que as nossas pobres bocas se atiraram
Sobre um leito de terra, cinza e pó!
Ó abraços que os braços apertaram,
Dedos que se misturaram!
Ó ânsia que sofreste, ó ânsia que sofri,
Sede que nada mata, ânsia sem fim!
– Tu de entrar em mim,
Eu de entrar em ti.
Assim toda te deste,
E assim todo me dei:
Sobre o teu longo corpo agonizante,
Meu inferno celeste,
Cem vezes morri, prostrado...
Cem vezes ressuscitei
Para uma dor mais vibrante
E um prazer mais torturado.
E enquanto as nossas bocas se esmagavam,
E as doces curvas do teu corpo se ajustavam
Às linhas fortes do meu,
Os nossos olhos muito perto, imensos,
No desespero desse abraço mudo,
Confessaram-se tudo!
... Enquanto nós pairávamos, suspensos
Entre a terra e o céu.
Assim as almas se entregaram,
Como os corpos se tinham entregado,
Assim duas metades se amoldaram
Ante as barbas, que tremeram,
Do velho Pai desprezado!
E assim Eva e Adão se conheceram:
Tu conheceste a força dos meus pulsos,
A miséria do meu ser,
Os recantos da minha humanidade,
A grandeza do meu amor cruel,
Os veios de oiro que o meu barro trouxe...
Eu, os teus nervos convulsos,
O teu poder,
A tua fragilidade
Os sinais da tua pele,
O gosto do teu sangue doce...
Depois...
Depois o quê, amor? Depois, mais nada,
– Que Jeová não sabe perdoar!
O Arcanjo entre nós dois abrira a longa espada...
Continuamos a ser dois,
E nunca nos pudemos penetrar!
José Régio
pindaro
segunda-feira, janeiro 29, 2007
Boquilíngua
Sugar e ser sugado pelo amor
no mesmo instante boca milvalente
o corpo dois em um o gozo pleno
que não pertence a mim nem te pertence
um gozo de fusão difusa transfusão
o lamber o chupar e ser chupado
no mesmo espasmo
é tudo boca boca boca boca
sessenta e nove vezes boquilíngua.
Carlos Drummond de Andrade
pindaro
As times goes by
You must remember this
A kiss is still a kiss, a sigh is just a sigh
The fundamental things apply
As time goes by
And when two lovers woo
They still say, "I love you"
On that you can rely
No matter what the future brings
As time goes by
Moonlight and love songs
Never out of date
Hearts full of passion
Jealousy and hate
Woman needs man
And man must have his mate
That no one can deny
it's still the same old story
A fight for love and glory
A case of do or die
The world will always welcome lovers
As time goes by
Herman Hupfeld
pindaro
Um mar sem ondas
Agora que o silêncio é um mar sem ondas,
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.
Perde-se a vida a desejá-la tanto.
Só soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor
Durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria…
Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz seria
Matar a sede com água salgada.
Miguel Torga
pindaro
Neste agora
Só ela compreendia o som dos meus silêncios. Temia às vezes que o tempo hostil fugisse enquanto conversávamos. Depois disso esvaiu-se-me a memória e vejo-me agora a falar dela contigo, entre espirais de fumo que anuviam a nossa comoção. Esta é a parte de mim que encontro mudada: o sentimento, em si, informe, neste agora que é apenas saudade.
Eugénio Montale
pindaro
Uma rosa privilegiada
E oferecer a
Todas as mulheres
Uma rosa privilegiada
Uma rosa de orvalho
Igual à embriaguez de ter sede
Paul Éluard
pindaro
Movimentações obscuras
Não deve causar estranheza que cálculos rigorosos, de ordem histórica e literária, tendentes a dar a uma personagem imaginária o máximo da plausibilidade a levem a embater como por acaso numa personagem real. Continuo a espantar-me com a quantidade e a intensidade das movimentações obscuras que nos orientam para um nome, um facto, uma personagem e não para outro. Entramos aí na floresta sem atalhos.
Marguerite Yourcenar
pindaro
domingo, janeiro 28, 2007
O saleiro
No banquete do amor, o ciúme é o saleiro, que ao querer verdadeiro empresta vivo sabor. Advirta-se porém ser erro temperar em demasia. O ciúme, por ser só sal, se posto demais no prato, não tempera, antes maltrata.
Tirso de Molina
pindaro
Tu só entrevista
Que importa o gesto não ser bem
o gesto grácil que terias?
- Importa amar, sem ver a quem...
Ser mau ou bom, conforme os dias.
Agora, tu só entrevista,
quantas imagens me trouxeste!
Mas é preciso que eu resista
e não acorde um sonho agreste.
Que passes tu! Por mim, bem sei
que hei-de aceitar o que vier,
pois tarde ou cedo deverei
de sonho e pasmo apodrecer.
Que importa o gesto não ser bem
o gesto grácil que terias?
- Importa amar, sem ver a quem...
Ser infeliz, todos os dias!
David Mourão-Ferreira
pindaro
Le ciel et la terre
La loi d'amour est dure, mais tout injuste qu'elle soit, il faut néanmoins la subir, car elle a uni le ciel et la terre depuis l'origine des temps.
Petrarca
pindaro
L´océantique
Le bruit de la mer tout à coup, très fort et qui envahit la salle.
B : On entend quoi ?
A, crie : L'océantique.
Marguerite Duras
À exciter l`esprit
Il considérait la femme comme un objet d'art, délicieux et propre à exciter l'esprit.
Charles Baudelaire
pindaro
Beaucoup trop
Je te déteste beaucoup trop, ce n'est pas normal; je dois t'aimer encore.
Sacha Guitry
pindaro
Toujours conditionnel
Le verbe aimer est difficile à conjuguer : son passé n'est pas simple, son présent n'est qu'indicatif, et son futur est toujours conditionnel.
Jean Cocteau
pindaro
En su rosal!
María del Reposo,
te vuelvo a encontrar
junto a la fuentefría
del limonar.
Viva la rosa en su rosal!
María del Reposo,
te vuelvo a encontrar,
los cabellos de niebla
y ojos de cristal.
Viva la rosa en su rosal!
María del Reposo,
te vuelvo a encontrar.
Aquel guante de luna que olvide,
dónde está?
Viva la rosa en su rosal!
Federico Garcia Lorca
pindaro
sábado, janeiro 27, 2007
The sole happiness
I understand by this passion the union of desire, friendship, and tenderness, which is inflamed by a single female, which prefers her to the rest of her sex, and which seeks her possession as the supreme or the sole happiness of our being.
Edward Gibbon
pindaro
sexta-feira, janeiro 26, 2007
Amar e malamar
Que pode uma criatura senão,
entre outras criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?
Carlos Drummond de Andrade
Pindaro
Não é de se brincar com ele
O prazer nascendo dói tanto no peito que se prefere sentir a habituada dor ao insólito prazer. A alegria verdadeira não tem explicação possível, não tem a possibilidade de ser compreendida - e se parece com o início de uma perdição irrecuperável. Esse fundir-se total é insuportavelmente bom - como se a morte fosse o nosso bem maior e final, só que não é a morte, é a vida incomensurável que chega a se parecer com a grandeza da morte. Deve-se deixar inundar pela alegria aos poucos - pois é a vida nascendo. E quem não tiver força, que antes cubra cada nervo com uma película protetora, com uma película de morte para poder tolerar a vida. Essa película pode consistir em qualquer ato formal protetor, em qualquer silêncio ou em várias palavras sem sentido. Pois o prazer não é de se brincar com ele. Ele é nós.
Clarice Lispector
pindaro
Time immemorial
"Todos nós corremos com desvantagens secretas"
Purswarden
Justine apoiada num fuste de uma coluna de Taposiris, a cabeça negra recortando-se contra a obscuridade murmurante da água, uma mecha desfeita pela brisa marinha, dizendo:
Na língua inglesa há uma única expressão que para mim tem significado :Time immemorial.
Lawrence Durrel
pindaro
Purswarden
Justine apoiada num fuste de uma coluna de Taposiris, a cabeça negra recortando-se contra a obscuridade murmurante da água, uma mecha desfeita pela brisa marinha, dizendo:
Na língua inglesa há uma única expressão que para mim tem significado :Time immemorial.
Lawrence Durrel
pindaro
O lobo inevitável
Pois logo a mim, tão cheia de garras e sonhos, coubera arrancar de seu coração a flecha farpada. De chofre explicava-se para que eu nascera com mão dura, e para que eu nascera sem nojo da dor. Para que te servem essas unhas longas? Para te arranhar de morte e para arrancar os teus espinhos mortais, responde o lobo do homem. Para que te serve essa cruel boca de fome? Para te morder e para soprar a fim de que eu não te doa demais, meu amor, já que tenho que te doer, eu sou o lobo inevitável pois a vida me foi dada. Para que te servem essas mãos que ardem e prendem? Para ficarmos de mãos dadas, pois preciso tanto, tanto, tanto - uivaram os lobos e olharam intimidados as próprias garras antes de se aconchegarem um no outro para amar e dormir.
Clarice Lispector
pindaro
Uma solidão para todos os lados
En un eterno conocerse
En ti estás todo, mar, y sin embargo,
qué sin ti estás, qué solo,
qué lejos, siempre, de ti mismo!
Abierto en mil heridas, cada instante,
cual mi frente,
tus olas van, como mis pensamientos,
y vienen, van y vienen,
besándose, apartándose,
en un eterno conocerse,
mar, y desconocerse.
Eres tú, y no lo sabes,
tu corazón te late y no lo siente...
Qué plenitud de soledad, mar sólo!
Juan Ramón Jiménez
pindaro
Navegante mudado
Súbito pássaro
dentro dos muros
caído,
pálido barco
na onda serena
chegado.
Noite sem braços!
Cálido sangue
corrido.
E imensamente
o navegante
mudado.
Seus olhos densos
apenas sabem
ter sido.
Seu lábio leva
um outro nome
mandado.
Súbito pássaro
por altas nuvens
bebido.
Pálido barco
nas flores quietas
quebrado.
Nunca jamais
e para sempre
perdido
o eco do corpo
no próprio vento
pregado.
Cecília Meireles
pindaro
Permanecer
É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.
É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.
É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.
Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
permanecer.
Eugénio de Andrade
quinta-feira, janeiro 25, 2007
É uma fruta muito secreta
A maneira correcta de comer um figo à mesa
É parti-Io em quatro, pegando no pedúnculo,
E abri-Io para dele fazer uma flor de mel, brilhante, rósea, húmida,
desabrochada em quatro espessas pétalas.
Depois põe-se de lado a casca
Que é como um cálice quadrissépalo,
E colhe-se a flor com os lábios.
Mas a maneira vulgar
É pôr a boca na fenda, e de um sorvo só aspirar toda a carne.
Cada fruta tem o seu segredo.
O figo é uma fruta muito secreta.
Quando se vê como desponta direito, sente-se logo que é simbólico:
Parece masculino.
Mas quando se conhece melhor, pensa-se como os romanos que é
uma fruta feminina.
Os italianos apelidam de figo os órgãos sexuais da fêmea:
A fenda, o yoni,
Magnífica via húmida que conduz ao centro.
Enredada,
Inflectida,
Florescendo toda para dentro com suas fibras matriciais;
Com um orifício apenas.
D.H.Lawrence
(tr. Herberto Helder)
pindaro
Apetece como um barco
Dá a surpresa de ser.
É alta, de um louro escuro.
Faz bem só pensar em ver
Seu corpo meio maduro.
Seus seios altos parecem
(Se ela estivesse deitada)
Dois montinhos que amanhecem
Sem ter que haver madrugada.
E a mão do seu braço branco
Assenta em palmo espalhado
Sobre a saliência do flanco
Do seu relevo tapado.
Apetece como um barco.
Tem qualquer coisa de gomo.
Meu Deus, quando é que eu embarco?
Ó fome, quando é que eu como?
Fernando Pessoa
pindaro
De poucas perfias
"...uma Corte que, como bonina do mato, a que falta o cheiro e a brandura das dos jardins, ainda que na aparência e cores a queira contrafazer, é contudo diferente."
Entre outros homens que naquela companhia se achavam eram nela mais costumados, em anoitecendo, um Letrado que ali tinha um casal e que já tivera honrados cargos de governo da justiça na Cidade, homem prudente, concertado na vida, Doutor na sua profissão e lido nas histórias da humanidade; um Fidalgo mancebo, inclinado ao exercício da caça e muito afeiçoado às coisas da pátria, em cujas histórias estava bem visto; um Estudante de bom engenho, que, entre os seus estudos, se empregava algumas vezes nos da poesia; um velho não muito rico, que tinha servido a um dos Grandes da Corte, com cujo galardão se reparara naquele lugar, homem de boa criação, e, além de bem entendido, notavelmente engraçado no que dizia, e muito natural de uma murmuração que ficasse entre o couro e a carne, sem dar ferida penetrante.
Ao senhor da casa chamavam Leonardo, ao Doutor, Lívio, ao Fidalgo, D. Júlio, ao estudante, Píndaro, ao velho, Solino.
Fora estes havia outros de quem em seus lugares se fará menção, que, assim como os mais, não eram para enjeitar em uma conversação de poucas perfias.
francisco roíz lobo
(Corte na Aldeia)
pindaro
Pastor e nauta
Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo. Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
Desejasse
Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.
Te olhei. E há tanto tempo
Entendo que sou terra. Há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta
Olha-me de novo. Com menos altivez.
E mais atento.
Hida Hist
pindaro
Pelo silêncio fascinadas
Quando a ternura
parece já do seu ofício fatigada,
e o sono, a mais incerta barca,
inda demora,
quando azuis irrompem
os teus olhos
e procuram
nos meus navegação segura,
é que eu te falo das palavras
desamparadas e desertas,
pelo silêncio fascinadas.
Eugénio de Andrade
pindaro
quarta-feira, janeiro 24, 2007
Passa-te por mim
Não me despertes se durmo e, se estou acordada, não me adormeças.
Calderón de la Barca
pindaro
Río de oro
Cuerpo de la mujer, río de oro
donde, hundidos los brazos, recibimos
un relámpago azul, unos racimos
de luz rasgada en un frondor de oro.
Cuerpo de la mujer o mar de oro
donde, amando las manos, no sabemos,
si los senos son olas, si son remos
los brazos, si son alas solas de oro...
Cuerpo de la mujer, fuente de llanto
donde, después de tanta luz, de tanto
tacto sutil, de Tántalo es la pena.
Suena la soledad de Dios.Sentimos
la soledad de dos. Y una cadena
que no suena, ancla en Dios almas y limos.
Blas Otero
pindaro
Oração e feitiço
Não tenhas medo, ouve:
É um poema
Um misto de oração e de feitiço...
Sem qualquer compromisso,
Ouve-o atentamente,
De coração lavado.
Poderás decorá-lo
E rezá-lo
Ao deitar
Ao levantar,
Ou nas restantes horas de tristeza.
Na segura certeza
De que mal não te faz.
E pode acontecer que te dê paz...
Miguel Torga
pindaro
Es jardinero
El poeta es jardinero. En sus jardines
corre sutil la brisa
con livianos acordes de violines,
llanto de ruiseñores,
ecos de voz lejana y clara risa
de jóvenes amantes habladores.
Y otros jardines tiene. Allí la fuente
le dice: Te conozco y te esperaba.
Y él, al verse en la onda transparente:
Apenas soy aquel que ayer soñaba!
Y otros jardines tiene. Los jazmines
añoran ya verbenas del estío,
y son liras de aroma estos jardines,
dulces liras que tañe el viento frío.
Y van pasando solitarias horas,
y ya las fuentes, a la luna llena,
suspiran en los mármoles, cantoras,
y en todo el aire sólo el agua suena.
Antonio Machado
pindaro
Ces ingrédiants
La féminité chez l'homme est comme le sucre dans le whisky. La masculinité chez la femme est comme la levure dans le pain. Sans ces ingrédients, le résultat est plat, sans piquant ni saveur.
Edna Ferber
Pindaro
Le piquant
Le temps a fait succéder dans la galanterie le piquant du scandale au piquant du mystère.
Chamfort
Pindaro
terça-feira, janeiro 23, 2007
Boa noite, Maria!
Boa noite, Maria! Eu vou-me embora.
A lua nas janelas bate em cheio...
Boa noite, Maria! É tarde... é tarde...
Não me apertes assim contra teu seio.
Boa noite!... E tu dizes – Boa noite.
Mas não digas assim por entre beijos...
Mas não me digas descobrindo o peito,
– Mar de amor onde vagam meus desejos.
Julieta do céu! Ouve.. a calhandra
já rumoreja o canto da matina.
Tu dizes que eu menti?... pois foi mentira...
...Quem cantou foi teu hálito, divina!
Se a estrela-d'alva os derradeiros raios
Derrama nos jardins do Capuleto,
Eu direi, me esquecendo d'alvorada:
"É noite ainda em teu cabelo preto..."
É noite ainda! Brilha na cambraia
– Desmanchado o roupão, a espádua nua –
o globo de teu peito entre os arminhos
Como entre as névoas se balouça a lua...
É noite, pois! Durmamos, Julieta!
Recende a alcova ao trescalar das flores,
Fechemos sobre nós estas cortinas...
– São as asas do arcanjo dos amores.
A frouxa luz da alabastrina lâmpada
Lambe voluptuosa os teus contornos...
Oh! Deixa-me aquecer teus pés divinos
Ao doudo afago de meus lábios mornos.
Mulher do meu amor! Quando aos meus beijos
Treme tua alma, como a lira ao vento,
Das teclas de teu seio que harmonias,
Que escalas de suspiros, bebo atento!
Ai! Canta a cavatina do delírio,
Ri, suspira, soluça, anseia e chora...
Marion! Marion!... É noite ainda.
Que importa os raios de uma nova aurora?!...
Como um negro e sombrio firmamento,
Sobre mim desenrola teu cabelo...
E deixa-me dormir balbuciando:
– Boa noite! –, formosa Consuelo...
Castro Alves
Pindaro
É além do beijo e da sintaxe
Dai-me, Senhor, assistência técnica
para eu falar aos namorados do Brasil.
Será que namorado algum escuta alguém?
Adianta falar a namorados?
E será que tenho coisas a dizer-lhes
que eles não saibam, eles que transformam
a sabedoria universal em divino esquecimento?
Adianta-lhes, Senhor, saber alguma coisa,
quando perdem os olhos
para toda paisagem ,
perdem os ouvidos
para toda melodia
e só vêem, só escutam
melodia e paisagem de sua própria fabricação?
Cegos, surdos, mudos - felizes! - são os namorados
enquanto namorados. Antes, depois
são gente como a gente, no pedestre dia-a-dia.
Mas quem foi namorado sabe que outra vez
voltará à sublime invalidez
que é signo de perfeição interior.
Namorado é o ser fora do tempo,
fora de obrigação e CPF,
ISS, IFP, PASEP,INPS.
Os códigos, desarmados, retrocedem
de sua porta, as multas envergonham-se
de alvejá-lo, as guerras, os tratados
internacionais encolhem o rabo
diante dele, em volta dele. O tempo,
afiando sem pausa a sua foice,
espera que o namorado desnamore
para sempre.
Mas nascem todo dia namorados
novos, renovados, inovantes,
e ninguém ganha ou perde essa batalha.
Pois namorar é destino dos humanos,
destino que regula
nossa dor, nossa doação, nosso inferno gozoso.
E quem vive, atenção:
cumpra sua obrigação de namorar,
sob pena de viver apenas na aparência.
De ser o seu cadáver itinerante.
De não ser. De estar, e nem estar.
O problema, Senhor, é como aprender, como exercer
a arte de namorar, que audiovisual nenhum ensina,
e vai além de toda universidade.
Quem aprendeu não ensina. Quem ensina não sabe.
E o namorado só aprende, sem sentir que aprendeu,
por obra e graça de sua namorada.
A mulher antes e depois da Bíblia
é pois enciclopédia natural
ciência infusa, inconciente, infensa a testes,
fulgurante no simples manifestar-se, chegado o momento.
Há que aprender com as mulheres
as finezas finíssimas do namoro.
O homem nasce ignorante, vive ignorante, às vezes morre
três vezes ignorante de seu coração
e da maneira de usá-lo.
Só a mulher (como explicar?)
entende certas coisas
que não são para entender. São para aspirar
como essência, ou nem assim. Elas aspiram
o segredo do mundo.
Há homens que se cansam depressa de namorar,
outros que são infiéis à namorada.
Pobre de quem não aprendeu direito,
ai de quem nunca estará maduro para aprender,
triste de quem não merecia, não merece namorar.
Pois namorar não é só juntar duas atrações
no velho estilo ou no moderno estilo,
com arrepios, murmúrios, silêncios,
caminhadas, jantares, gravações,
fins-de-semana, o carro à toda ou a 80,
lancha, piscina, dia-dos-namorados,
foto colorida, filme adoidado,,
rápido motel onde os espelhos
não guardam beijo e alma de ninguém.
Namorar é o sentido absoluto
que se esconde no gesto muito simples,
não intencional, nunca previsto,
e dá ao gesto a cor do amanhecer,
para ficar durando, perdurando,
som de cristal na concha
ou no infinito.
Namorar é além do beijo e da sintaxe,
não depende de estado ou condição.
Ser duplicado, ser complexo,
que em si mesmo se mira e se desdobra,
o namorado, a namorada
não são aquelas mesmas criaturas
que cruzamos na rua.
São outras, são estrelas remotíssimas,
fora de qualquer sistema ou situação.
A limitação terrestre, que os persegue,
tenta cobrar (inveja)
o terrível imposto de passagem:
"Depressa! Corre! Vai acabar! Vai fenecer!
Vai corromper-se tudo em flor esmigalhada
na sola dos sapatos..."
Ou senão:
"Desiste! Foge! Esquece!"
E os fracos esquecem. Os tímidos desistem.
Fogem os covardes.
Que importa? A cada hora nascem
outros namorados para a novidade
da antiga experiência.
E inauguram cada manhã
(namoramor)
o velho, velho mundo renovado.
Carlos Drummond de Andrade
Pindaro
Que o cavalo arrebatou
Não cantarei a virgem que o cavalo
Com um xairel de sangue arrebatou,
Quebrada pelo bruto, -nem levá-lo
Ao potro vingador de um verso vou.
Não cantarei tal noite aziaga. Falo
Apenas do que tenho, do que sou
Com ela, como o vinho no gargalo
Do frasco em que me bebe e me esgotou.
Nem cantarei a vítima do resto,
Violada na inocência que perdeu
Nas emboscadas de um punício lodo:
Que só meu próprio amor acendo. E atesto
A chama da Victória que me deu
Na margarida branca o mundo todo.
Vitorino Nemésio
pindaro
Tu muito natural
Eu, que sou feio, sólido, leal,
A ti, que és bela, frágil, assustada,
Quero estimar-te, sempre, recatada
Numa existência honesta, de cristal.
Sentado à mesa dum café devasso.
Ao avistar-te, há pouco, fraca e loura.
Nesta Babel tão velha e corruptora,
Tive tenções de oferecer-te o braço.
E, quando socorreste um miserável,
Eu que bebia cálices de absinto,
Mandei ir a garrafa, porque sinto
Que me tornas prestante, bom, saudável.
«Ela aí vem!» disse eu para os demais;
E pus-me a olhar, vexado e suspirando,
O teu corpo que pulsa, alegre e brando,
Na frescura dos linhos matinais.
Via-te pela porta envidraçada;
E invejava, - talvez não o suspeites!-
Esse vestido simples, sem enfeites,
Nessa cintura tenra, imaculada.
Ia passando, a quatro, o patriarca.
Triste eu saí. Doía-me a cabeça.
Uma turba ruidosa, negra, espessa,
Voltava das exéquias dum monarca.
Adorável! Tu muito natural,
Seguias a pensar no teu bordado;
Avultava, num largo arborizado,
Uma estátua de rei num pedestal.
Cesário Verde
Pindaro
Entre la nature et le papier
Entre la nature et le papier, j’ai supprimé le talent, je ne raisonne pas, je me laisse faire.
Rodin
pindaro
Deixa-te estar assim
Que música escutas tão atentamente
que não dás por mim?
Que bosque, ou rio, ou mar?
Ou é dentro de ti
que tudo canta ainda?
Queria falar contigo,
dizer-te apenas que estou aqui,
mas tenho medo,
medo que toda a música cesse
e tu não possas mais olhar as rosas.
Medo de quebrar o fio
com que teces os dias sem memória.
Com que palavras
ou beijos ou lágrimas
se acordam os mortos sem os ferir,
sem os trazer a esta espuma negra
onde corpos e corpos se repetem,
parcimoniosamente, no meio de sombras?
Deixa-te estar assim,
ó cheia de doçura,
sentada, olhando as rosas,
e tão alheia
que nem dás por mim.
Eugénio de Andrade
pindaro
A sina grega
E o teu amor que espalha a tinta
Na minha tela da cor da sede
Paisagem que a tua paixão pinta
Para eu pendurar numa parede.
Candidatura a bem-amado
Das minhas núpcias de aracnídeo,
Contigo a ver-me de um telhado,
Altura própria para um suicídio.
Mas prometida a um olhar marujo
Na lenda de um Fáon que nunca chega,
Quanto mais me amas, mais eu te fujo.
Falta cumprir a sina grega.
Natália Correia
Pindaro
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