segunda-feira, agosto 31, 2009
Um nome feito ao mar
Tive um barco e dei-lhe um nome
Dei-lhe um nome feito ao vento
Dei-lhe um nome feito ao mar
Tive um amor e deixou-me
Ficou no meu pensamento
Mas não mais o vi voltar
O seu olhar era a bruma
O seu jeito era o do mar
Em tardes de calmaria
E eram cristais de espuma
Os seus dentes ao cantar
E os seus olhos se sorria
Partimos pla barra fora
Meu amor achei-o estranho
Mais tarde por lá ficou
Onde foi que importa agora
Tive um barco e nada tenho
E o meu amor não voltou
Manuel de Andrade
pindaro
Ao som de um passado
À medida dos mistérios
In the old days
Before in the old days when
people had secrets they didn`t want to share
they´d climb a mountain
and find a tree
carve a hole in the tree
and whisper the secret
into the tree
and cover the hole with mud
that way, no one
would ever discover the secret.
(from "in the mood for love")
pindaro
domingo, agosto 30, 2009
sábado, agosto 29, 2009
Nem falar dos seus motivos
Não quero cantar amores,
Amores são passos perdidos.
São frios raios solares,
Verdes garras dos sentidos.
São cavalos corredores
Com asas de ferro e chumbo,
Caídos nas águas fundas.
Não quero cantar amores.
paraísos proibidos,
contentamentos injustos,
Feliz adversidade,
Amores são passos perdidos.
São demência dos olhares,
Alegre festa de pranto,
São furor obediente,
São frios raios solares.
Da má sorte defendidos
Os homens de bom juízo
Têm nas mãos prodigiosas
Verdes garras dos sentidos.
Não quero cantar amores
Nem falar dos seus motivos.
Agustina Bessa-Luís
pindaro
O verdadeiro mistério do mundo
sexta-feira, agosto 28, 2009
Urdindo a grande teia
Por muitas coisas singulares
Foram montanhas? foram mares?
foram os números...? - não sei.
Por muitas coisas singulares,
não te encontrei.
E te esperava, e te chamava,
e entre os caminhos me perdi.
Foi nuvem negra? maré brava?
E era por ti!
As mãos que trago, as mãos são estas.
Elas sozinhas te dirão
se vem de mortes ou de festas
meu coração.
Tal como sou, não te convido
a ires para onde eu for.
Tudo que tenho é haver sofrido
pelo meu sonho, alto e perdido,
- e o encantamento arrependido
do meu amor.
Cecília Meireles
pindaro
To end in a photograph
A sede e os tesouros
quinta-feira, agosto 27, 2009
La séduction suprême
Declaração de amor
Esta é uma declaração de amor;
amo a língua portuguesa.
Ela não é fácil. Não é maleável.
E, como não foi profundamente trabalhada pelo
pensamento, a sua tendência é a de não ter sutileza
e de reagir às vezes com um pontapé contra
os que temerariamente ousam transformá-la
numa linguagem
de sentimento de alerteza.
E de amor. A língua portuguesa é um verdadeiro
desafio para quem escreve.
Sobretudo para quem escreve tirando das coisas e
das pessoas a primeira capa do superficialismo.
Às vezes ela reage diante de um pensamento mais complicado.
Às vezes assusta com o imprevisível de uma frase.
Eu gosto de manejá-la - como gostava de estar
montando num cavalo e guiá-lo pelas rédeas,
às vezes lentamente, às vezes a galope.
Eu queria que a língua portuguesa chegasse
ao máximo nas minhas mãos. e este desejo
todos os que escrevem têm.
Um Camões e outros iguais não bastaram para
nos dar uma herança de língua já feita. Todos nós
que escrevemos estamos fazendo do túmulo do
pensamento alguma coisa que lhe dê vida.
Essas dificuldades, nós as temos. Mas não falei do
encantamento de lidar com uma língua que não foi
aprofundada. O que recebi de herança não me chega.
Se eu fosse muda, e também não pudesse escrever
e me perguntassem a que língua eu queria pertencer,
eu diria: inglês, que é preciso e belo. Mas como nasci
muda e pude escrever, tornou-se absolutamente claro
para mim que eu queria mesmo era escrever em português.
Eu até queria não ter aprendido outras línguas: só
para que minha abordagem do português
fosse virgem e límpida
Clarice Lispector
pindaro
Os encantos dos decotes e da valsa
Nada influencia mais profundamente o sentir do homem do que a fatiota que o cobre. O mais ríspido profeta, se enverga uma casaca e ata ao pescoço um laço branco, tende logo a sentir os encantos dos decotes e da valsa; e o mais extraviado mundano, dentro de uma robe de chambre, sente apetites de serão doméstico e de carinhos ao fogão. Maior ainda se afirma a influência do vestuário sobre o pensar. Não é possível conceber um sistema filosófico com os pés entalados em escarpins de baile, e um jaquetão de veludo preto forrado a cetim azul leva inevitavelmente a ideias conservadoras.
Eça de Queirós
pindaro
Essas coisas
A hora dos mágicos cansaços
quarta-feira, agosto 26, 2009
Romance
Têm implicações
«Sabe uma coisa, Mickie? Um fato meu não faz publicidade ao homem, define-o.
(....)
Um fato meu, Mickie, não é um sonho de um bêbado. É uma linha, uma forma, uma silhueta. É aquilo que diz ao mundo o que o mundo precisa saber a seu respeito e nada mais.
(...)
Os meus fatos não procuram o confronto. Dão uma ideia.Têm implicações. Encorajam as pessoas a irem ter consigo.»
John Le Carré
pindaro
terça-feira, agosto 25, 2009
Para cancelar a censura
Entregou-se tanto ao vício da luxúria
que em sua lei tornou lícito aquilo que desse prazer,
para cancelar a censura que merecia.
Dante Alighieri
pindaro
segunda-feira, agosto 24, 2009
A presa
Debruada de mar
A última reserva do passado
As recordações em amor não constituem uma excepção às leis gerais da memória, também ela regida pelas leis do hábito. Como esta enfraquece tudo, o que mais nos faz lembrar uma pessoa é justamente aquilo que havíamos esquecido por ser insignificante e a que assim devolvemos toda a sua força.
A melhor parte da nossa memória está deste modo fora de nós. Está num ar de chuva, num cheiro a quarto fechado ou no de um primeiro fogaréu, seja onde for que de nós mesmos encontemos aquilo que a nossa inteligência pusera de parte, a última reserva do passado, a melhor...
Marcel Proust
pindaro
domingo, agosto 23, 2009
sábado, agosto 22, 2009
Até que ponto
A ficção consiste não em fazer ver o invisível, mas em fazer ver até que ponto é invisível a invisibilidade do visível.
Michel Foucault
pindaro
Canção à ausente
Para te amar ensaiei os meus lábios...
Deixei de pronunciar palavras duras.
Para te amar ensaiei os meus lábios!
Para tocar-te ensaiei os meus dedos...
Banhei-os na água límpida das fontes.
Para tocar-te ensaiei os meus dedos!
Para te ouvir ensaiei meus ouvidos!
Pus-me a escutar as vozes do silêncio...
Para te ouvir ensaiei meus ouvidos!
E a vida foi passando, foi passando...
E, à força de esperar a tua vinda,
De cada braço fiz mudo cipreste.
A vida foi passando, foi passando...
E nunca mais vieste!
Pedro Homem de Mello
pindaro
Singing fish
sexta-feira, agosto 21, 2009
Everness
Sólo una cosa no hay. Es el olvido.
Dios, que salva el metal, salva la escoria
Y cifra en Su profética memoria
Las lunas que serán y las que han sido.
Ya todo está. Los miles de reflejos
Que entre los dos crepúsculos del día
Tu rostro fue dejando en los espejos
Y los que irá dejando todavía.
Y todo es una parte del diverso
Cristal de esa memoria, el universo;
No tienen fin sus arduos corredores
Y las puertas se cierran a tu paso;
Sólo del otro lado del ocaso
Verás los Arquetipos y Esplendores.
jorge luis borges
pindaro
Bien plus beau
Uma criança de lume
quinta-feira, agosto 20, 2009
Para as praias da alma
Nocturno
Não a pronuncie
Não facilite com a palavra amor.
Não a jogue no espaço, bolha de sabão.
Não se inebrie com o seu engalanado som.
Não a empregue sem razão acima de toda a razão ( e é raro).
Não brinque, não experimente, não cometa a loucura sem remissão
de espalhar aos quatro ventos do mundo essa palavra
que é toda sigilo e nudez, perfeição e exílio na Terra.
Não a pronuncie.
Carlos Drummond de Andrade
pindaro
Às portas de mim
A minha sombra sou eu,
ela não me segue,
eu estou na minha sombra
e não vou em mim.
Sombra de mim que recebo a luz,
sombra atrelada ao que eu nasci,
distância imutável de minha sombra a mim,
toco-me e não me atinjo,
só sei do que seria
se de minha sombra chegasse a mim.
Passa-se tudo em seguir-me
e finjo que sou eu que sigo,
finjo que sou eu que vou
e não que me persigo.
Faço por confundir a minha sombra comigo:
estou sempre às portas da vida,
sempre lá, sempre às portas de mim!
Almada Negreiros
pindaro
En tout sens
O meu tempo lunar
Se todas as tuas noites fossem minhas
Eu te daria, a cada dia
Uma pequena caixa de palavras
Coisa que me foi dada, sigilosa
E com a dádiva nas mãos tu poderias
Compor incendiado a tua canção
E fazer de mim mesma, melodia.
Se todos os teus dias fossem meus
Eu te daria, a cada noite
O meu tempo lunar, transfigurado e rubro
E agudo se faria o gozo teu.
Hilda Hilst
pindaro
quarta-feira, agosto 19, 2009
O azul intenso da sua origem
Debruçamo-nos da janela e o mar existiu logo na transcendência de nós, no sem-fim espraiado e todavia apaziguado da sua inquietação. Víamo-lo em baixo, aberto de toalhas rendadas de espuma para o invisível da graça que devia sorrir em nós. E havia o azul intenso da sua origem. E havia em nós o silêncio para tudo poder falar.
Vergílio Ferreira
pindaro
El misterio
Todas las cosas tienen su misterio, y la poesía es el misterio que tienen todas las cosas.
Federico García Lorca
pindaro
Dos palabras
Mar
El mar es el Lucifer del azul. El cielo caído por querer ser la luz.
Pobre mar condenado a eterno movimiento habiendo antes estado quieto en el firmamento! Pero de tu amargura te redimió el amor.
Pariste a Venus pura, y quedóse tu hondura virgen y sin dolor.
Tus tristezas son bellas, mar de espasmos gloriosos.
Mas hoy en vez de estrellas tienes pulpos verdosos.
Aguanta tu sufrir, formidable Satán.
Cristo anduvo por ti, mas también lo hizo Pan.
La estrella Venus es la armonía del mundo. Calle el Eclesiastés!
Venus es lo profundo del alma...
Y el hombre miserable es un ángel caído.
La tierra es el probable paraíso perdido.
Frederico Garcia Lorca
pindaro