Agradou a traça, e isto assim disposto, deu o procurador dos padres piedosos libelo contra as formigas; contestada por parte delas a demanda, veio articulando que eles, autores, conformando-se com seu instituto mendicante, viviam de esmolas, ajuntando-as com grande trabalho seu pelas roças daquele país, e que as formigas, animal de espírito totalmente oposto ao Evangelho, e por isso aborrecido de seu padre S. Francisco, não faziam mais que roubá-los, e não somente procediam como ladrões formigueiros, senão que com manifesta violência os pretendiam expelir de casa, arruinando-a.
E, portanto, dessem razão de si, ou, quando não, fossem todas mortas com algum ar pestilente ou afogadas com alguma inundação ou, pelo menos, exterminadas para sempre daquele distrito.
A isto veio contrariando o procurador daquele negro e miúdo povo, e alegou, por sua parte, fielmente:
«Em primeiro lugar: que elas, uma vez recebido o benefício da vida por seu Criador, tinham direito natural a conservá-la por aqueles meios que o mesmo Senhor lhes ensinara;
Item: que na praxe e execução destes meios serviam ao Criador, dando aos homens os exemplos de virtudes que lhes mandara, a saber: de prudência, acautelando os futuros e guardando para o tempo da necessidade; de diligência, ajuntando nesta vida merecimentos para a vida eterna; de caridade ajudando umas às outras, quando a carga é maior que as forças; e também de religião e piedade, dando sepultura aos mortos da sua espécie...;
Item: que o trabalho que elas punham na sua obra era muito maior, respectivamente, que o deles, autores, em ajuntar as esmolas, porque a carga muitas vezes era maior que o corpo, e o ânimo que as forças;
Item: que, suposto que eles eram irmãos mais nobres e dignos, todavia diante de Deus também eram umas formigas, e que a vantagem do seu grau racional harto se descontava e batia com haverem ofendido ao Criador, não observando as regras da razão, como elas observavam as da natureza, pelo que se faziam indignos de que criatura alguma os servisse e acomodasse, pois maior infidelidade era neles defraudarem a glória de Deus por tantas vias, do que nelas furtarem sua farinha;
Item: que elas estavam de posse daquele sítio antes deles, autores, fundarem, e, portanto, não deviam ser dele esbulhadas, e da força que se lhes fizesse apelariam para a Coroa da regalia do Criador, que tanto fez os pequenos como os grandes e a cada espécie deputou seu anjo conservador. E, ultimamente, concluíram que defendessem eles a sua casa e farinha, pelos modos humanos que soubessem, porque isto lhes não tolhiam, porém que elas, sem embargo, haviam de continuar as suas diligências, pois do Senhor, e não deles, era a terra e quanto ela cria (Domini est terra et plenitudo eius).»
Padre Manuel Bernardes
pindaro
domingo, julho 24, 2005
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2 comentários:
Gosto de o visitar -por saber conciliar os belos textos de autores modernos ccom os mais esquecidos textos de clássicos.Gostei de ler Manuel Bernardes,
12 de Maio 2005 na TSF:
O padre Domingos Oliveira da paróquia de Lordelo do Ouro defende que matar uma criança no seio materno é ainda mais violento do que assassinar uma menina aos cinco anos.
«Matar uma pessoa no seio materno é mais grave do que matar uma pessoa que não se pode defender. Uma menina de cinco anos pode reagir, pode chorar, queixar-se», disse.
Este padre considera que «matar é sempre violento e pecado», mas que o aborto pode ser considerado ainda mais grave do que assassinar alguém que tem capacidade de reacção.
As palavras em causa foram pronunciadas pelo padre Domingos de Oliveira, na semana passada, durante a missa de 7º dia de Vanessa Pereira, a menina de cinco anos encontrada morta nas águas do rio Douro.
Comentário:
Estou absolutamente de acordo com raciocínio do padre Domingos Oliveira. Vou até um pouco mais longe: matar uma menina de cinco anos é muito mais grave do que matar um padre, seja ele de Lordelo ou de outra paróquia qualquer. E isto porque enquanto a menina apenas pode chorar, o padre pode pedir perdão a Deus, confessar ou penitenciar o assassino e oferecer a si próprio a extrema unção.
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