"- E olha, Teodorico, vê lá a respeito de roupa branca... Talvez te sejam necessárias mais ceroulas... Encomenda, filho, encomenda, que graças a Nossa Senhora do Rosário tenho posses, e quero que vás com decência e te apresentes bem lá na sepulturazinha de Deus!...
Encomendei; e, tendo comprado um Guia do Oriente e um capacete de cortiça, informei-me sobre o modo mais deleitoso de chegar a Jerusalém, com Benjamim Sarrosa & Cia., judeu sagaz, que ia todos os anos, de turbante, comprar bois a Marrocos.
Benjamim marcou-me, miudamente, num papel, o meu grandioso itinerário.
Embarcaria no Málaga, vapor da Casa Jadley que, por Gibraltar, e depois por Malta, me levaria, num mar sempre azul, à velha terra do Egito.
Aí um repouso sensual na festiva Alexandria. Depois no paquete do Levante, que sobe a costa religiosa da Síria, aportaria a Jafa, a de verdejantes pomares; e de lá, seguindo uma estrada macadamizada, ao chouto de uma égua doce, veria, ao fim de um dia e ao fim de uma noite, surgirem, negras entre colinas tristes, as muralhas de Jerusalém!
- Diabo, Benjamim... Parece-me muito mar, muito paquete. Então nem um bocadinho de Espanha? Ó menino, olhe que eu quero refestelar-me.
- Refestela-se em Alexandria. Tem lá tudo. Tem o bilhar, tem a tipóia, tem a batota, tem a mulherinha... Tudo do bom. É lá que você se refestela!
No entanto, já no Montanha e na tabacaria do Brito se falava da minha santa empresa.
Uma manhã, li, escarlate de orgulho, no Jornal das Novidades, estas linhas honoríficas:
"Parte brevemente a visitar Jerusalém, e todos os sacros lugares em que padeceu por nóso Redentor, o nosso amigo Teodorico Raposo, sobrinho da Excelentíssima D. Patrocínio das Neves, opulenta proprietária, e modelo de virtudes cristãs. Boa viagem!"
A Titi, desvanecida, guardou o jornal no oratório, debaixo da peanha de São José;"
Eça de Queirós
pindaro
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