" Fui eu que lhe ofereci o prato, onde a Ernestina colocara os pastéis.
Ela quis saber o meu nome. Tinha um sobrinho que também chamava Teodorico; e isto foi como um fio sutil e forte que veio, do seu coração, enrodilhar-se no meu.
- Por que é que o cavalheiro não põe o guarda-chuva ali a um canto? - disse-me ela, rindo.
O brilho picante dos seus dentinhos miúdos fez desabrochar, dentro em mim, uma flor de madrigal.
- É para não me tirar daqui de ao pé da menina nem um instantinho que seja.
Ela fez-me uma cócega lenta no pescoço.
Eu, aboborado de gozo bebi o resto do Madeira que ela deixara no cálice.
A Ernestina, poética, e cantando o fado, aninhou-se nos joelhos do Rinchão.
Então a Adélia, revirando-se languidamente, puxou-me a face - e os meus lábios encontraram os seus no beijo mais sério, mais sentido, mais profundo que até aí abalara o meu ser.
Nesse doce instante, um relógio medonho, com o mostrador fingindo uma face de lua, e que parecia espreitar-me de sobre o mármore de uma mesa de mogno, dentre dous vasos sem flores, começou a dar dez horas, fanhoso, irônico, pachorrento.
Jesus! Era a hora do chá em casa da Titi!
Com que terror eu trepei, esbaforido, sem mesmo abrir o guarda-chuva, as vielas escuras e infindáveis que levam ao Campo de Santana!
Em casa, nem tirei as botas enlameadas.
Enfiei pela sala; e vi logo, lá ao fundo, no sofá de balbuciei:
- Titi...
Mas já ela gritava, esverdinhada de cólera, sacudindo os punhos:
- Relaxações em minha casa não admito! Quem quiser viver aqui há de estar às horas que eu marco! Lá deboches e porcarias, não, enquanto eu for viva! E quem não lhe agradar, rua!"
Eça de Queirós
pindaro
sexta-feira, julho 29, 2005
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1 comentário:
Gosto desta revisitação...e do blogue.
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