terça-feira, fevereiro 02, 2010

A arte de ser amada


















Eu sou líquida mas recolhida
no íntimo estanho de uma jarra
e em tua boca um clavicórdio
quer recordar-me que sou ária

aérea vária porém sentada
perfil que os flamingos voaram.
Pelos canteiros eu conto os gerânios
de uns tantos anos que nos separam.

Teu amor de planta submarina
procura um húmido lugar.
Sabiamente preencho a piscina
que te dê o hábito de afogar.

Do que não viste a minha idade
te inquieta como a ciência
do mundo ser muito velho
três vezes por mim rodeado
sem saber da tua existência.

Pensas-me a ilha e me sitias
de violinos por todos os lados
e em tua pele o que eu respiro
é um ar de frutos sossegados.

Natália Correia

pindaro

1 comentário:

olga disse...

Perto do Mar
A água de uma floresta
onde todos os pássaros são dedos submersos
O lugar dos corpos
até ao fundo arde

Podemos subir descer
perto do mar
a longa escada verde inteira e leve
até à beira das grandes pedras

onde o silêncio da terra
cresceu à altura das árvores
unânime sabor enorme das folhas que nas mãos

se enrolam frescas
somos quase a água de um segredo

como se nascessemos
com os punhos rolados no mar
o solo até à boca
os ossos vivos no abraço

a cinza verde que se sorve é a seiva
de um ar ardente e novo
para uns lábios juntos
no silêncio das palavras jovens

Vivos entre as hastes pelos olhos
os elos do ar ligam-nos a um corpo único
todas as gavetas se dissolvem
e delas sai a pomba da água unida
cujo bico aponta o sol na clareira

Animais do sol levíssimos
propagamo-nos no azul da terra
nos verdes claros nos castanhos densos nos negros

comemos os frutos das cores dadas
as pedras as pinhas as agulhas
cantando quase o mar

Cai a noite
sobre um muro branco
a plenitude da folhagem no silêncio

nos nós verdes inundados pela sombra
não nos perdemos entre as árvores e as espigas

sentindo o áspero gosto das pedras
o pó miúdo e solto sobre as faces
o grande sorvo fresco da aragem
noite ou mar
por um caminho em que as estrelas se dispersam

como as palavras de um texto
os lábios sobram do excesso suave e grande
e soletram no silêncio do ar nocturno

António Ramos Rosa