(numa manhã de cerração...)
“Vejo sem abrir os olhos
Tanto ao longe como ao perto
Quem mate d´águia os polhos,
Virá do mundo encoberto”
Gonçalo Anes Bandarra (Sonho 5º- Trova 5ª)
O Conde de Sabugosa aprimorou-se, entre uma mão cheia de literatura saborosa, num carnudo texto sobre um dos motes históricos mais prodigiosos que imaginar se possa:
El-Rei D. Sebastião.
Rei Cavaleiro para uns, nevropata para outros, Encoberto o apelidaram e Encoberto ficou, entre o nevoeiro simbólico com que a imaginação do povo o envolveu, e através do qual ansiava por que rompesse numa manhã de nevoeiro.
Se alguns académicos, servidos dos argumentos das ciências positivas, viram o rei como um monarca autoritário, com ímpetos enfermiços, um tresloucado guindado a herói, para o Conde o moço Rei consubstanciava em si as partículas anímicas de todo um povo, a quem o instinto da própria decadência impelia às empresas ousadas que lhe dessem a ilusão da antiga virilidade.
Fala-nos o Conde, em síntese refinada, do suicídio sublime de Alcácer Kibir, que representava o supremo arranco deste pequeno bando de aventureiros ocidentais.
Por isso, logo após a derrota e o desaparecimento, a figura do rei começa a renascer das próprias cinzas, numa aura de amoroso enlevo, que se transforma em sebastianismo.
E, sobre este, discorre, chamejando:
O sebastianismo não é só a aspiração messiânica de uma raça, ou a mística esperança num milagre próximo, não é apenas o sintoma mórbido que indica a alucinação do náufrago ou do moribundo;
Não é somente uma consequência da caquexia nacional, ou a aspiração nascida no pressentimento do próximo esfacelamento orgânico.
É tudo isso, mas é muito mais.
E como todos os sentimentos complexos, e como todas as ideias vagas, apresenta formas diversas segundo as épocas em que desabrocha.
É um arrepio pré-tumular, logo após a catástrofe.
É a nostalgia da pátria livre, durante os anos de escravidão.
É a esperança de um ressurgimento, de uma explosão de energias latentes, quando o organismo social começa a reaver a consciência da sua força.
É a expressão do desalento, quando sente esgotada a seiva vigorosa que lhe corria nas veias, durante a mocidade.
É o génio da raça portuguesa aventureira, generosa, irrequieta, procurando no inesperado e no sobrenatural a solução de problemas melindrosos.
E porque esse rei encarnou tantas das qualidades que caracterizam o português , e tantos dos defeitos que lhe desvairam a alma;
porque prefere as empresas heróicas combatendo inimigos longínquos, e as correrias atrás de uma quimera, às pacíficas ocupações da gestão dos negócios públicos;
porque é mais um chefe guerreiro que um pastor de povos;
porque caminha de olhos fechados para a ruína, levando consigo ao sorvedouro trágico a flor de Portugal, e na sua bagagem os petrechos com que se haviam de correr as canas, e alcanzias, e organizar os torneios festivos no dia da vitória...
Tem esse rei o heroísmo, a generosidade louca, o quid sobre humano que seduz .
Vem trazido numa onda de profecias e de lágrimas que tanto impressionam a alma céltica.
E a pluma que encima o elmo, arrancado ao jovem capitão de Deus pelos Alarves no mais aceso da refrega, continua tremulando intemeratamente, através dos tempos pela História adiante ....
Para mais acirrar a curiosidade dos pósteros há em volta dele um ambiente de mistério e na História a incerteza do seu destino. É desse interesse, desse mistério, dessa incerteza que nasceu a lenda, e se compôs a mística toada do sebastianismo, que se perpetuou em sucessivas gerações.
Ele ficou o Desejado, ele ficou o Encoberto!
Píndaro
(tendo em conta a densidade do tema do encoberto - nos aspectos "desejado" e "inclinação sexual de governantes" - seguir-se-á "procurando no inesperado" II)
segunda-feira, janeiro 09, 2006
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