sexta-feira, janeiro 13, 2006

Procurando no inesperado (III)

(as camadas profundas do sentir)


"Ay flores! Ay flores de verde pino
Se sabedes novas do meu amigo
Ay Deus, e hu é?"

D. Deniz



O Conde de Sabugosa admite: nem podemos referir cada um dos lances desse enredado jogo de xadrez em que se disputavam os consórcios reais...

Tinha D. Sebastião quatro anos, destinaram-lhe os Estados Margarida de Valois.
Mas o manhoso Felipe, rei da Espanha, contrariou a escolha e antepôs Isabel da Áustria.
Mais tarde, porém, inúmeras vicissitudes passadas, aceitou afinal aquela ideia e, com a sua autoridade de tio, propôs-se casar Margarida com o rei de Portugal.

Só que o moço rei, parece que ajudado pelo jesuíta Gonçalves da Câmara, não esteve por tal ajuste.
Enredou-se, então, ainda mais com incidentes essa emaranhada teia fabricada pela laboriosa e taciturna aranha que, do fundo do Escurial, fazia e desfazia projectos de casamento, na mente de formar a Monarquia universal.

Pelo meio, era fama que o tal Câmara e seu irmão, além de outras coisas praticadas pelo rei, eram os causadores do malogro dos seus noivados.
Tanto assim, que um dia Martim Afonso de Sousa, fidalgo de muita autoridade, interpelou Luís Gonçalves da Câmara:
Que he isto que dizem, que ensinais El-Rey a que não olhe para as mulheres?
Senhor Martim Afonso, respondeu o jesuíta, por tão pouco considerado me tendes que cuidais de mim que não entendo que El-Rey ha de ser homem e ha de ter tais e tais partes; Eu não direi a El-Rey que seja amigo de mulheres, mas
se ele o fosse sem desordem, não lho estranharia; mas que quereis vós que façamos à natural inclinação que nele ha?

De facto, não era atreito o moço rei a apertos femeninos.
O capitão de Deus fazia arco com os braços para que as damas o não abraçassem por modo de carinhoso agrado.

Não deixa de ser curioso pensar que houve tantos esforços para casá-lo com Margarida de Valois, a licenciosa Margot, de libertina e romanesca memória.
Celebrada pelo cínico e amoral cortesão Senhor de Bourdeille, que falou da sedução da sua beleza, da perfeição das suas formas e ainda das mais reservadas linhas do seu corpo.

Comenta o Conde de Sabugosa: É irresistível a força do íman que atrai a fantasia para o campo das hipóteses.
Ligado à impetuosa e devastadora Valois é possível que D. Sebastião, afastando os rabugentos Câmaras, se suicidasse extenuado de amor. Teria sido um Alcácer Kibir menos glorioso, mas com menor ruína para a nação.

O moço rei ainda pediu mais tarde a seu tio Felipe II a mão de sua filha, mas neste subsistiam antigas suspeitas, que o haviam induzido a mandar a Lisboa o seu médico Almançón e Cristovao de Moura, com a missão de averiguarem disfarçadamente se D. Sebastião tinha qualidades físicas que o tornassem capaz de ter geração...

Belo como os arcanjos, se às mulheres impressionava, parece que também ele sentiu por vezes a perturbante influência da mulher, e se os sentidos o não dominavam, algumas inclinações amorosas puramente cerebrais, indicam que não era indiferente à graça feminina.

Para tudo ser estranho no destino do moço rei só uma das suas aventuras amorosas teve seguimento. E essa foi póstuma.



Píndaro

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