segunda-feira, abril 25, 2005

História de Portugal por Napoleão Bonaparte

"Cada um é responsável pelo seu próprio naufrágio."
Lucano



(Parte I)

Exposição apresentada ao Corpo Legislativo sobre os motivos para ratificar o Tratado de
paz feito em Madrid a 29 de Setembro de 1801 entre a República Francesa e o Príncipe Regente de Portugal, debaixo da mediação da Espanha

Esta exposição ao corpo legislativo do executivo francês sobre o tratado de Madrid de 1801, foi evidentemente escrita por Napoleão Bonaparte, pois só ele se poderia lembrar do que tinha escrito sobre Portugal, quando após a batalha naval de Aboukir, que isolou o exército francês que comandava no Egipto, descobriu a existência de navios portugueses na baía.


O mais interessante desta exposição é que ela é, ainda hoje, duzentos anos depois, a base da análise sobre as relações políticas e económicas de Portugal com a Grã-Bretanha, criadas pelo Tratado de Methuen de Dezembro de 1703.

De facto, o texto, ao ser publicado em França em 1864, serviu a Luz Soriano, Latino Coelho e outros autores portugueses do século XIX, como base para a sua visão do domínio britânico em Portugal.

O Tratado foi ratificado pela França em 19 de Outubro de 1801, e tornado decreto em 10 de Dezembro seguinte, após ter sido discutido no Corpo Legislativo em 30 de Novembro e votado no Tribunado em 2 de Dezembro.





«Qualquer monopólio ou privilégio exclusivo em proveito de alguma nação nos mercados de outra, não prejudica somente às mais nações que afasta desses mercados, mas ainda à que o concede pois lhe tira o recurso de achar pela concorrência preços mais vantajosos.»

Cidadãos legisladores.
- O Tratado que tenho a honra de vos propor é mais um acto que devemos às sábias medidas tomadas pelo Governo, e à valorosa dedicação dos exércitos da República.
Não será difícil demonstrar-vos as vantagens que oferece para a honra e prosperidade das duas nações.
Compreendem-se nele três disposições principais.


Pela primeira se restabelece a paz e a amizade entre a República francesa e o reino de Portugal; e as relações politicas entre as duas Potencias ficam no mesmo estado que antes da guerra.

Pela segunda determinam-se os limites futuros entre a Guiana francesa e a portuguesa.
Não era possível escolher outros melhores num país quase deserto, do que os rios e as montanhas; e era natural que a França, com possessões nessa parte muito menos extensas que as de Portugal, fizesse aproximar esses limites ao antigo ponto em que se haviam fixado.

Enfim a terceira dispõe que se negociará entre ambas as Potências um Tratado de comércio e de navegação, que há de lixar definitivamente as relações comerciais entre a França e Portugal; mas entretanto restabelecer-se-ão as comunicações: os cidadãos e súbditos das duas Potencias gozarão igual e respectivamente, nos Estados de uma e de outra, de todos os direitos de que aí gozam os das nações mais favorecidas; os géneros e mercadorias provenientes do solo e das fábricas de cada um dos dois Estados serão admitidos reciprocamente sem restrição, nem sujeição a qualquer direito que não pese igualmente nas mercadorias e géneros análogos importados por outras nações; e os panos franceses poderão imediatamente ser introduzidos em Portugal na condição das mercadorias mais favorecidas.

Estas estipulações provam que o Governo não ultrapassou os limites da moderação; não quis nada contrário ao interesse de uma nação que pediu a nossa amizade.

A mais estrita justiça prescrevia completa reciprocidade; limitou-se a pedi-la: abre novos mercados à indústria francesa, mas não quer engrandece-la por meio de privilégios ou de um monopólio; pretende fazê-la alcançar por nobre emulação o grau de prosperidade a que deve chegar. Se o Governo francês houvesse consultado somente o direito da força, poderia ter exigido mais de Portugal: julgou, pelo contrário, que quanto menos poderosa estava essa nação, menos conveniente nos era enfraquece-la.

Portugal já era há muito uma Potência independente, quando em 1581 passou para o domínio espanhol. Os Portugueses já haviam dobrado o cabo da Boa Esperança, aberto novo caminho ao comércio das Índias, e enchido com o seu nome esse rico país, onde se assinalaram por inúmeras façanhas e formaram os primeiros estabelecimentos europeus. Tinham descoberto o Brasil, e começado a fundar nessa parte da América uma colónia rica.

Não puderam as demais Potências da Europa ver sem receio, que se reunia aos reinos de Espanha uma monarquia tão vantajosamente situada para fazer uma grande parte do comércio do mundo, e que possuía os mais ricos e vastos estabelecimentos em ambos os hemisférios.
Assim quando os Portugueses em 1640 tentaram restituir ao trono a casa de Bragança, receberam poderosos socorros, mas nenhuma Potência lhos ministrou mais eficazes que a França.


Entre as duas nações formaram-se então relações de amizade, que só esfriaram no começo do século XVIII.
Quando o neto de Luís XIV passou à Espanha, o Governo português, assustado por ver naquele trono um Príncipe da casa de Bourbon, entregou-se, por assim dizer, à Inglaterra, e acedeu a estipulações que lhe arruinaram a indústria e tornaram quase nulas as nossas antigas relações com ele.


O Tratado de 27 de Dezembro de 1703, confirmado em 1713, entregou o comércio de Portugal ao monopólio dos negociantes e fabricantes ingleses, enquanto as mais nações foram, para assim dizer, excluídas dele.
Admitiram-se em Portugal todos os panos de lã da Grã-Bretanha, com a condição de serem recebidos na Inglaterra os vinhos portugueses pagando somente os dois terços dos direitos que pagassem os vinhos de França.


Por meio deste Tratado fizeram os Ingleses que as fábricas portuguesas primeiro definhassem, e depois se aniquilassem: tornaram-se fornecedores e agentes gerais do comércio de Portugal, e quase todas as riquezas que este extraía das suas colónias vinham por conta dos Ingleses e passavam pelas suas mãos; desta sorte se reduzia Portugal a uma simples colónia da Inglaterra, a um mercado quase privativo para sua indústria.

Debalde um ministro esclarecido indignado com semelhante escravidão, desenvolveu uma energia e tenacidade pouco vulgares, não poupando coisa alguma para libertar o seu país: o génio e a firmeza não deixaram traços tão profundos que os Ingleses não pudessem recobrar, depois que ele foi demitido, uma grande parte da sua influência. De certo que não tinham maior quinhão no comércio das suas próprias colónias do que tiveram no de Portugal.
Não só as suas manufacturas achavam saída neste reino, mas ainda os Ingleses serviam de intermediários entre Portugal e os mais povos manufactores da Europa; e como não entravam sem proveito por terceiros nestas transacções, o seu lucro era uma perda real tanto para Portugal, como para os outros povos manufactores.


Não era mais feliz o Governo português nas providências para assegurar a sua independência política; só tinha fracos meios de defesa, e achava-se reduzido a contar com os socorros da Potência em cuja dependência se colocara.

Os Portugueses, naturalmente plácidos e tratáveis, sensíveis à honra e amigos da glória, afáveis com os estrangeiros, e amantes das ciências e das artes, não deveriam ter visto na revolução francesa senão o repto de um povo generoso para a liberdade: mas o Governo português estava muito dependente da Inglaterra para deixar de seguir o seu exemplo.


(Continua)


píndaro

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