"Não se pode atravessar um abismo aos saltinhos."
David Lloyd George
"Em vez de opinar sobre o estado do bem comum, prefiro escrever, hoje, sobre os fazedores do clima de opinião. E decidi começar por Vasco Pulido Valente, por uma grande razão. Apesar da sua colaboração destacadíssima como colunista em jornais, semanários e literaturas digitais, é ainda um profeta a pregar no deserto.
Numa frase, Vasco Pulido Valente tem de imensamente positivo não ter pinga de marxismo no seu intelecto; o que tem de negativo é que não é evidente que goste de ser português.
Pulido escreveu, cientificamente, sobre as nossas revoluções e golpes de estado. “O Poder e o Povo” é uma interpretação revisionista do «5 de Outubro de 1910» e mostra como a República não era um regime, mas uma guerra civil entre conservadores e jacobinos, uma revolução contínua. A Revolta do Grelo, 1974, é soberba!
Creio que me lembro de ter lido no velho “O Tempo e o Modo” de Alçada Baptista, As Duas Tácticas da Monarquia perante a Revolução, reeditadas em 1974. E Ramalho Ortigão e a Crise do Estado em Portugal! E há mais obras e mais recentes; mas os bons criadores científicos reconhecem-se logo à origem!
Essa tendência para estudar um povo tão mal acomodado na ordem democrática deve ter-lhe desenvolvido, talvez por compensação, uma inteligência para captar a essência da democracia e diagnosticar os perigos que a ameaçam no presente.
Quem lê o quanto Pulido escreve nos jornais sobre Guterres, Carrilho, Gomes, Barroso, e tutti quanti, sobre TGV, Expo 98, Porto 2001, Declaração de Bolonha, ou União Europeia, pode não concordar com tudo o que ele diz; mas adivinha máximas luminosas que se aplicam à nossa pequena casa lusitana.
Pulido Valente está na linhagem dos que pensam como Alexis de Tocqueville sobre a democracia americana: entre igualdade e liberdade existe uma tensão que apenas pode ser gerida mas nunca resolvida. E lembra-se de Frédéric Bastiat, que diagnosticou a natureza tirânica e devorista do Estado moderno. Ou evoca o respeitado mas discreto Bertrand de Jouvenel, que destruiu o mito das liberdades modernas crescentes, demonstrando o crescimento ilimitado do poder, e o fosso cada vez maior entre governantes e governados.
Não é de estranhar que tais homens fossem tão pouco profetas em sua própria terra! Também em Pulido Valente se vê a linhagem do pessimismo histórico, a apreensão dos democratas sinceros que vêem a liberdade extinguir-se e, olhando em redor, duvidam profundamente que haja gente e meios para a defender contra os passos avassaladores do poder, tomem estes a forma de um bailinho da Madeira, de uma chula de Matosinhos, ou de um hip-hop populista da Figueira da Foz.
Nestas matérias Pulido não perdoa e investe, liberalmente, contra todos os que revelam inépcias, desconchavos, desacertos, contradições, raciocínios enviesado, falaciosos, ou simplesmente estupidez, muita estupidez. Pulido não perdoa.
De tanto bradar contra tantos, Pulido passa, por um céptico, um demolidor, um mal disposto, um resmungão. Aparece mesmo como um pregador no deserto. Mas quer-me parecer que o cepticismo de Pulido é de um tipo diferente do habitual. Não se baseia somente na descrença, mas na constatação de um facto: somos seres livres, e nenhum determinismo consegue abolir a decisão humana, seja para instaurar em lugar dela a necessidade do mal, seja a fatalidade do bem crescente. É céptico para contrariar as ilusões deprimentes do optimismo e do progressismo, baseadas na presunção de conhecermos o futuro, doenças intelectuais feitas de restos de marxismo e de materialismo histórico.
Mas, infelizmente, nisto, Pulido ainda prega no deserto. Todas as suas análises visam libertar-nos do materialismo histórico que nos infecta. Mas o sistema educativo e o sistema cultural que nos rege – dos químicos da educação aos cunhalistas da cultura, passando pelos rangéis e monizes da televisão - continua espontaneamente, mesmo quando somos persuadidos do contrário, a aderir à tese do primado da infra-estrutura económica e material sobre a superestrutura cultural e espiritual.
Ora tudo o que Pulido escreve, recusa esta tendência inata do intelectual português para o fatalismo progressista, essa pseudo-segurança de contabilistas do espírito, este álibi contra a exigência de autonomia, e de desafio da adaptação contínua de que Portugal carece. Para Pulido, primeiro, está a capacidade de se libertar dos sistemas deterministas através do acto humano regenerador da política. Depois é que chegamos à sociedade e à economia.
Por isso, creio eu, o ex-Secretário de Estado Adjunto de Sá Carneiro é capaz de elogiar o dr. Mário Soares como fundador da democracia: e o antigo colaborador de “O Independente” considera Paulo Portas um populista mentiroso e perigoso. E o ex-deputado PSD zurze os actuais, etc,., etc., São contradições ? Não, são avaliações que Pulido Valente nos transmite, em nome do reconhecimento da decisão humana como superior aos sistemas sociais e económicos!
Se fossemos discípulos do Conselheiro Acácio exclamaríamos: “Bem haja, dr. Pulido Valente!” Mas não somos ! E Pulido Valente, creio eu, parece por vezes paralisado pela malícia e pelas dúvidas paranóicas que julga ver na sociedade portuguesa. Se fossemos assim tão maus, já teríamos desaparecido. Se fossemos assim tão maus, haveria razões para não gostar de nós. Ou será ao contrário ? É preciso, primeiro, gostar de nós, portugueses, para depois nos conhecer ?
Só o dr. Pulido Valente poderá esclarecer onde foi buscar os seus princípios de análise: se à licenciatura em Filosofia, na Faculdade de Letras de Lisboa; se ao doutoramento em História Moderna, em Oxford com Raymond Carr, se ao ensino de Adérito de Sedas Nunes; se, apenas, ao seu bom senso resmungão, ou à sua metódica, ou ao seu estar-se soberanamente nas tintas para a metodologia porque já tem génio que baste. Isso é lá com ele.
Mas eu penso, sobretudo, que temos a agradecer-lhe a tentativa diária para libertar a inteligência portuguesa de uma das cangas mais temíveis do nosso séc. XX: o determinismo.
É certo que o faz de um modo teórico muito resmungão, céptico e desconfiado. Mas se assim não fosse, será que lhe daríamos a mesma atenção?"
M. Castro Henriques
( 20 de Julho de 2001)
píndaro
quinta-feira, abril 28, 2005
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1 comentário:
Você poderia ter posto o eu nome
Mendo Castro Henriques e dizer que era do bom velho Euronotícias.
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