sexta-feira, maio 06, 2005
O serpentário
"Dissimulador é aquele que ora censura, ora recomenda uma mesma atitude, conforme lhe vem ou cai melhor"
G. Mazzarino - Breviário dos políticos (Carnets)
RICHELIEU/MAZZARINO
Recorrendo-se ao seu pequeno breviário aos políticos (Breviario dei politici), um folheto de 100 páginas atribuídas a sua pena - intitulado Carnets e publicado por obra de Victor Cousin somente em 1854 - não se evita uma certa frustração.
Há uma razoável distância entre o homem político que ele foi, dotado de enorme censo da grandeza do Estado, e o conselheiro um tanto velhaco, um matreiro amante da intriga, que ele transpareceu ser no seu escrito.
De facto, trata-se de um manual de sobrevivência na Corte, da arte do cortesão em tentar evitar deixar-se ser mortalmente picado pelo serpentário que cerca o poder.
Mazzarino, como êmulo menor de Maquiavel, vê a política como um atividade amoral, baseada em duas máscaras:
a da simulação e a da dissimulação.
Para tanto, ao empunhá-las, o praticante deve esvaziar-se de si mesmo, expurgar a autenticidade, evitar denunciar-se pela emoção, porque "quase sempre os sentimentos mais profundos do coração se estabelecem em claras notas pintadas no semblante."
O Cardeal Richelieu, mestre de Mazzarino, trazia a grandeza no sangue.
Promove, no lugar da ética, o ardil, a astúcia e o cinismo.
A palavra é um florete.
Fina e flexível, se estocada no coração mata, mas também serve para desviar o golpe.
Perante os poderosos é bom que seja pronunciada num tom que não revele adulação, nem que o faça passar por um bajulador.
Deve limitar-se ao sinuoso e escorregadio espaço que separa a lisonja do respeito.
A amizade dos grandes pode ser obtida com servidão ou dinheiro, e mantida com ciúme e favores, "obséquios" como prefere o cardeal.
A humilhação excessiva frente aos mandões, diz ele, não é recomendável.
Ela - a humilhação - pode ser virtude entre irmãos franciscanos, não entre cortesãos ambiciosos.
Ao príncipe, pondera que se cerque de conselheiros de temperamento diverso, assim sempre terá uma média do que se poderia chamar de "opinião pública" bem próxima de si.
Num parágrafo curioso, reitera que se mantenha um diário contábil, formado por quatro colunas onde o governante deve registrar, pacienciosamente, os custos e os benefícios da relação com cada um dos seus auxiliares e, também, dos presentes deles recebidos.
Uma advertência ao rei Luís XIV, ainda bem jovem, captou o sentido de majestade do trono.
Revelador da sua opinião sobre os políticos em geral, é uma deliciosa passagem onde indica como eles devem proceder para... fugir da prisão!
O interessante sobre a história desse homem, verdadeiro cardeal-nababo, é que ele tenha sido indicado pelo cardeal Richelieu, que, em seu "testamento político", advertia o monarca exatamente contra o tipo de religioso que Mazzarino era, alguém que, "para fazer fortuna", importuna a corte a fim de "obter o que não poderiam obter por mérito próprio".
Mazzarino morreu bilionário! Em seu leito de morte recomendou a Luís XIV, provavelmente num dos seus raros momentos de sinceridade, e, talvez, a título de autocrítica, que não nomeasse nenhum primeiro-ministro, conselho que o jovem rei prontamente acatou, pois adonou-se inteiramente do cenário palaciano, tornando-se o Rei Sol.
solino
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